Praticamente inexistentes no começo do século 20, as igrejas cristãs coreanas iniciaram um crescimento explosivo na década de 1960, após o fim da Guerra da Coreia, impulsionado pelo trabalho de missões religiosas que ofereceram conforto material e espiritual à população e ajudaram na reconstrução do país.
Desde então, a presença cristã na Coreia dobrou a cada década, no ritmo mais acelerado entre todos os países do mundo, segundo estudo do sociólogo Andrew Eungi Kim, professor da Universidade da Coreia que pesquisou a história do cristianismo.
De apenas 8% em 1950, os cristãos passaram a ser 29% (18% protestantes e 11% católicos) na virada dos anos 2010, superando os budistas (23%), segundo o Instituto Pew. Em 2050, pelas projeções do instituto, a fatia cristã vai chegar a um terço da população, e a dos budistas deve recuar para 18%.
Os números fazem do país uma das exceções na Ásia, em que apenas 2% são cristãos.
Cerca de 500 mil coreanos, nos últimos dez anos, engrossaram as fileiras do catolicismo e fizeram dele a religião que mais cresce no país, dentre os grandes grupos.
Com cerca de 8.000 fieis registrados, a paróquia mais importante do país faz dez missas aos domingos e outras quatro diariamente na semana. A cada mês, Chong registra de 70 a 80 novos católicos nos livros da catedral.
Desde os anos 1990, porém, igrejas evangélicas perderam fieis enquanto as católicas mantiveram a alta.
O censo de 2005 mostrou que o cristianismo protestante perdeu 150 mil fiéis desde 1995, ou 2% do total, na primeira queda desde 1960.
No mesmo período, a fatia de católicos passou de 4,6% para 11,8% da população, e cresceu entre homens e mulheres, de todas as idades e todos os níveis educacionais.
Em 2016, o número de coreanos católicos chegou a 5,7 milhões, um aumento de 10% sobre 2010, segundo a Conferência Nacional dos Bispos.
Houve alta também no número de bispos, padres, paróquias e, principalmente, instituições que servem como canal de transmissão da popularidade da religião no país: escolas, hospitais, clínicas e obras sociais (veja abaixo).
Há motivos políticos e sociológicos para a evasão dos templos pentecostais, mas as explicações para a crescente preferência pelo catolicismo são subjetivas. “Há mais liberdade de costumes na Igreja Católica”, afirma Chong.
A noção de que no catolicismo as regras são menos rígidas e é mais fácil “obter perdão para os pecados” foi compartilhada por outros sul-coreanos ouvidos pela Folha de São Paulo.
Do lado protestante, as causas do retrocesso estão muito ligadas ao sucesso que as cerca de 170 denominações obtiveram no século 20, segundo Andrew Kim.
Por volta de 1980, quado algumas igrejas já davam sinais de estagnação, houve uma enorme expansão dos megatemplos: 35 das 50 maiores igrejas do mundo são coreanas, escreve o sociólogo.
As megaigrejas se beneficiaram de suas ligações com a ditadura do país, líderes carismáticos, programas de TV e do anonimato que uma congregação gigante possibilita.
Para Kim, a explosão do número de fiéis trouxe aumento de receitas e enriqueceu pastores. Isso levou à multiplicação do número de sacerdotes, muitos deles mais interessados em obter um meio de vida rentável que em
oferecer serviços religiosos.
Além disso, a implantação das igrejas protestantes na Coreia seguiu um modelo de fragmentação, em que cada igreja compete com as outras, argumenta Kim.
As megaigrejas cresceram canibalizando as menores, e a visão mercadológica levou líderes a focar a conquista de consumidores, ofuscando ensinamentos religiosos.
Kim também aponta que o protestantismo coreano é “muito conservador, individualista, apocalíptico e materialista”, o que o teria isolado da sociedade ampla.
A insistência dos pastores no pagamento de dízimos e outras doações, a passagem de igrejas de pais para filhos e a “venda” de congregações desmoralizaram várias das denominações, e escândalos de corrupção envolvendo pastores famosos jogaram mais lenha na fogueira.
Uma das igrejas chamuscadas foi a Yoido do Evangelho Pleno, em Seul, que se anuncia como a maior pentecostal do mundo, com mais de 800 mil fieis –não há levantamentos confiáveis que confirmem a declaração.
Com cultos agendados 24 horas por dia, ela diz receber até 200 mil fiéis num domingo. Quando a reportagem esteve no templo, porém, poucas dezenas participavam de uma cerimônia em um dos auditórios menores.
Alguns dos presentes dormiam nos bancos, e outros consultavam seus celulares.
A Yoido teve seu fundador, David Yonggi Cho, acusado por 29 anciões de desfalcar os cofres da igreja em US$ 20 milhões –o processo acabou arquivado.
Se Young Kim, 38, que recebia inscrições para um curso no saguão do templo em Seul, diz que o número de frequentadores da Yoido vem caindo.
“Os mais novos acham que não precisam ir à igreja, basta ser da religião”, diz ela, que foi batizada aos 5 anos quando a mãe, então budista, se converteu ao protestantismo.
Ao seu lado, Shin Sang Jo, 27, filho de pais sem religião, concorda: “Os sul-coreanos não querem mais ter compromissos. Preferem seguir só seus desejos pessoais”.
Em 2015, o censo coreano pareceu trazer uma boa notícia para os evangélicos, mostrando uma recuperação de sua fatia. Mas demógrafos apontam uma distorção provocada pela nova metodologia, em que entrevistas pessoais foram substituídas por declarações via internet.
SEM RELIGIÃO
Embora etnicamente muito homogênea –98% dos seus habitantes são etnicamente coreanos–, a Coreia do Sul não tem uma religião majoritária.
Metade dos coreanos se declara sem religião, segundo o censo de 2005, e a parcela pode superar os 60% em zonas mais urbanas, segundo o levantamento de 2015.
O desenvolvimento do país permitiu que as pessoas pudessem se dedicar mais ao lazer e ao consumo, e a religião se tornou menos importante, argumenta o sociólogo Andrew Kim, em seu estudo sobre a crise das igrejas evangélicas no país.
O fenômeno dos “sem-religião” é expressivo principalmente entre os jovens, mostram os números do censo.
Sociólogos observam também que o número dos sem-religião pode esconder uma parte da população que professa xamanismos nativos.
São 15% os sul-coreanos que se declararam ateus.
As igrejas, porém, continuam populares entre os jovens: “Os coreanos costumam ser muito tímidos, e as igrejas acabam sendo lugares de socialização, de encontro e convivência com outros”. Aulas de música e corais são estratégias bem-sucedidas dos templos para atrair novos membros.
Outro veículo do catolicismo para chegar aos jovens são as instituições de educação, saúde e apoio assistencial. Nos últimos seis anos, a quantidade de escolas de ensino fundamental cresceu 33% e a de universidades católicas, 10%.
Foram 21% mais pacientes atendidos na rede católica de saúde, que elevou em 25% o número de clínicas, 25%.
Entidades voltadas a crianças e adolescentes tiveram alta de 16%, segundo a Conferência Nacional de Bispos.
O investimento em escolas já havia impulsionado o crescimento dos protestantes no país durante a ocupação japonesa, segundo o professor Andrew Kim.
Em 1910, missionários já haviam aberto 800 escolas de vários níveis em todo o país, com 41 mil estudantes, o dobro dos que estudavam nas escolas do governo coreano.
Parte da expansão católica tem sido atribuída também ao papa Francisco, eleito em 2013. Em pesquisa feita antes de sua visita ao país asiático, neste semestre, 86% dos sul-coreanos, independente da religião, declararam ter visão favorável do pontífice.
7 CAUSAS SOCIAIS, HISTÓRICAS E CULTURAIS
O que está na raiz da difusão cristã na Coreia
1) Pontos de contato entre cristianismo e a cultura popular, como o monoteísmo, permitiram a tradução e a adaptação rápida das crenças e princípios cristãos
2) Atuação de missionários aplacou sequelas de séculos de pobreza e marginalização social
3) Ação de líderes cristãos em movimentos de independência durante a ocupação por japoneses angariou confiança
4) Atuação intensiva no socorro pós-Guerra da Coreia alastrou presença
5) Industrialização, modernização e urbanização provocaram rupturas na sociedade, e cristianismo mitigou a ansiedade
6) Envolvimento em movimentos trabalhistas e pró-democracia aumentou popularidade
7) Líderes carismáticos e uso da TV aceleraram a expansão
Fonte: Folha de São Paulo