Nos últimos anos, o confucionismo tem se fortificado na China. Após décadas de esforços para destruir sua ideologia e suas instituições, até mesmo o partido comunista tem endossado as idéias de Confúcio e se aproveitado de seus slogans políticos.
O povo chinês também parece estar mais interessado nos ensinamentos confucionistas para resolver os problemas sociais.
Não é apenas no aspecto político e social que o confucionismo tem ressurgido, alguns também chamam o confucionismo para estabilizar a região de outras religiões rivais que não vêm da China, principalmente o cristianismo – embora a volta completa do confucionismo não tenha como decolar, por não ser razoável a adoção da doutrina pelo Estado. Isso porque poderia lentamente fazer surgir um pensamento de liberdade, consciência e credo na China.
Em dezembro de 2006, poucos dias antes dos cristãos celebrarem o Natal, uma carta aberta de dez doutorandos das mais importantes universidades chinesas, postada na internet, chamou a atenção da mídia. Os estudantes criticavam muitos chineses por comemorarem o Natal sem entender sua raiz cristã. Eles convocaram os não-cristãos a não participarem de comemorações natalinas, como a entrega de presentes e troca de cartões.
Resistência ao ocidente
De forma mais significativa, os autores da carta questionaram a popularidade do Natal como se fosse um sinônimo da crescente dominação da cultura ocidental na China. Eles responsabilizaram as reformas na política econômica do governo chinês e convocaram o governo a regular as atividades públicas e encontros. Além disso, chamaram a atenção do povo chinês para se concentrar nos credos tradicionais chineses, como o budismo e o dadaísmo. Até foram mais específicos e chamaram o ato de revitalização do confucionismo.
A carta dos estudantes não foi um evento isolado e seu interesse no confucionismo não ocorreu sem um precedente recente. O confucionismo tem sido um assunto de interesse dos intelectuais chineses há algum tempo. Preocupados com o que vêem como danos da introdução de uma economia de mercado, tidos como válvula de escape política e econômica, e a falência da ideologia comunista, esses intelectuais tem olhado novamente para o confucionismo como uma forma de promover o crescimento da ordem política e social.
O estímulo de renovação de interesse no confucionismo está crescendo entre os intelectuais chineses que acreditam que a democracia liberal não resolverá os problemas da China. O professor Kang Xiaoguang, da Universidade Popular de Beijing, argumenta que a proposição de liderança do confucionismo na China, escrita em 2006, dizia que a democracia ocidental “é imprestável porque não é necessário resolver o problema da corrupção política, não é preciso quebrar a conivência entre oficiais e homens de negócio de empresas privadas, não é preciso proteger o interesse das massas e prevenir a elite de roubar se o confucionismo for a base”.
Moral e ordem social
A moral e os ensinamentos de Confúcio são cada vez mais vistos como solução para melhorar o comportamento humano em uma sociedade marcada pela ambição e o egoísmo. O best-seller da China “Diálogos de Confúcio”, escrito por um professor da Universidade de Beijing, recorda suas ações e pensamentos. O professor Yu Duane, em “Notas e lendo os anacletos” já vendeu mais de três milhões de exemplares em apenas quatro semanas.
Enquanto isso, o governo se junta ao ato. Slogans políticos em prol da “harmonia social” e “do bem-estar da sociedade” refletem a doutrina confucionista. Os ensinamentos de Confúcio também estão sendo incorporados ao currículo escolar, do jardim de infância até a faculdade. E mais, o governo tem promovido o confucionismo além-mar. Foi estabelecido um “instituto confucionista” para ensinar a língua chinesa e a cultura ao redor do mundo. De acordo com o governo, perto de 100 institutos do gênero estão sendo estabelecidos em outros países, numa parceria com universidades estrangeiras.
O confucionismo também está voltando no campo religioso. No início de 2006, o jornal “China Post”, com sede em Hong Kong, informou que um grupo de confucionistas esteve liderando uma campanha para que o governo chinês aprovasse o confucionismo como uma das principais religiões, unindo-se ao budismo, dadaísmo, catolicismo e protestantismo – que são as religiões permitidas atualmente na China.
Apesar de persistirem diferenças de interpretação, o confucionismo pode ser definido como uma religião e está claro que a doutrina envolve o culto ao “céu” e aos ancestrais. Uma das obrigações impostas ao imperador chinês era “servir como sacerdote nacional” para conduzir sacrifícios ao céu. Um departamento de supervisão das cerimônias era o mais importante órgão da burocracia imperial.
Ensinamentos políticos
Não se deve esquecer, ainda, os princípios morais e religiosos dos aspectos de suas idéias. Os ensinamentos de Confúcio são políticos por natureza. Assim escreveu o professor Kang: “A ortodoxia confuciana é uma filosofia política por natureza baseada em princípios de práticas políticas”.
O confucionismo não é agnóstico e nem mesmo ateísta. É o culto à “mãe terra”, segundo Julia Ching, uma das mais importantes estudiosas das religiões chinesas. Como então o recente interesse pelo confuciosnimo pode ser interpretado?
De fato, os valores sociais encravados na doutrina podem guiar as vidas dos indivíduos e suas relações com os outros, após a derrocada do comunismo como ideologia. Além disso, a adoção seletiva dos princípios confucionistas pelo Estado comunista significa que a genuína liberdade religiosa na China não deve se concretizar em um futuro próximo.
Historicamente, outras religiões têm sido politicamente reprimidas em nome do confucionismo. Na verdade, os ensinamentos de Confúcio não são inerentemente antagônicos à religião. O verdadeiro desafio da liberdade de culto é a mentira usada pelos legisladores chineses para interpretar as doutrinas confucionistas e seu uso como instrumento político.
O confucionismo é visto como uma preciosa arma de promoção política, social e de ensinamentos morais, pois seus escritos populares sugerem que a população seja educada com ênfase na filosofia moral e nos aspectos éticos de seus componentes espirituais. Nesse contexto, é seguro dizer que o confucionismo pode se tornar uma religião sancionada pelo Estado, deixando de lado o aspecto religioso, mas intereferindo de fato na liberdade de culto.
Fonte: Portas Abertas