Quem viveu sua adolescência nos anos 70, como eu, provavelmente cresceu tendo algum tipo de preconceito em relação a filmes brasileiros. E não foi sem motivo. Afinal, nos anos da ditadura militar pouco se produziu em termos de cinema de qualidade, muito por conta da famigerada censura e das restrições impostas pelo citado regime. Ironicamente o gênero de filme que mais proliferou na época, e sob os auspícios da própria ditadura, foi o das pornochanchadas.
Para os militares, as comédias eróticas funcionavam de forma bem efetiva para a política do “pão e circo” e tinham a grande vantagem de não levar o povo a pensar , refletir ou questionar nada; divertimento puro. Assim, as pornochandads dos anos 70, como as comedias dos trapalhões e a música da jovem guarda, serviram para prover entretenimento dissociado de política ou filosofia. Por essas e por outras é que a minha geração passou a associar filme brasileiro à mulher pelada, violência e palavrão. O engraçado é que é exatamente isso que a maioria dos filmes americanos exploram nos dias de hoje… Mas mesmo assim, e contra todas as circunstâncias, alguns dos maiores clássicos do cinema nacional surgiram nesse período e gradativamente, a produção nacional tomou melhores rumos e se transformou em um considerável pólo artístico, respeitado no mundo inteiro. Mas ainda assim, muito por conta desse nosso terrível complexo de inferioridade , ainda muita gente continua pensando que filme nacional não presta e que bom mesmo, só filme americano. Para esses, em primeiro lugar gostaria de dizer que precisamos parar de comparar filme brasileiro com filme americano; com o salário de um dos grandes atores de Hollywood, dá pra fazer uns 5 filmes brasileiros. E dinheiro, faz sim muita diferença na indústria cinematográfica.
Outra coisa a ser analisada, é que enquanto nos Estados unidos se produz mais de uma centena de filmes por ano, no Brasil em um bom ano chegamos, com sorte a uns dez ou quinze; e da quantidade, tira-se qualidade. E por fim, quem falou que o cinema americano é o melhor do mundo? Pode ser em termos de entretenimento, mas em qualidade técnica e artística, tem muito país de terceiro mundo dando banho nos americanos. Até nós, ocasionalmente. Isso sem falar que toda generalização é injusta.
Assim, motivado por esses que ainda se mostram reticentes em experimentar uma sessão de filmes brasileiros, e sendo eu um apaixonado pela indústria nacional, vou dar aqui algumas sugestões de bons filmes tupiniquins, que graças à tecnologia do DVD poderão ser encontrados com certa facilidade nas locadoras.
“Bye, Bye Brasil” (1979 )
Na minha opinião um dos melhores filmes de Cacá Diegues, contando com atuações inspiradas de José Wilker, Betty Faria e até mesmo Fabio Jr., este conta a epopéia de uma trupe de mambembes que sai pelo Brasil afora com a “caravana Rolidei” de artistas-pilantras fazendo shows para a gente simples dos mais distantes rincões do país . O filme mostra um Brasil que na época era bastante desconhecido do grande público do sudeste e embalado pela brilhante canção-tema de Chico Buarque, faz uma crítica velada às injustiças sociais, em forma de “road-movie”.
“Prá Frente, Brasil” (1982)
Certamente não é um filme para que tem estômago fraco, mas vale a pena se você quiser ter uma amostra grátis dos horrores que aconteceram nos chamados “porões da ditadura”. A trama gira em torno de um pacato cidadão que é preso por engano e passa por excruciantes sessões de tortura, enquanto o povo se diverte com a final da copa do mundo de 70. uma crítica brutal ao totalitarismo e a alienação.
“O Pagador de Promessas” (1962)
Único filme brasileiro a ganhar a palma de ouro de Cannes, essa obra-prima dirigida por Anselmo Duarte continua atual e contundente. Baseado no livro de Dias Gomes, conta a estória de Zé do burro, que para salvar seu amado amigo quadrúpede, faz uma promessa absurda de carregar uma cruz enorme até Salvador. Abordando questões como sincretismo religioso, pobreza, ganância e intolerância, Alsemo Duarte conseguiu tecer um denso retrato não só da sociedade brasileira, mas da natureza humana como um todo.
“Bossa Nova” (1999)
E quem disse que também não sabemos fazer cinema de entretenimento? Aqui vai um bom exemplo de um filme descompromissado, despolitizado, mas bastante agradável e divertido. Antonio Fagundes arrancou elogios de diversos atores , e principalmente atrizes americanas e européias com sua personificação de um cinquentão recém separado, que se apaixona por sua professora de inglês, interpretada por Amy Irving, ex-mulher de Spielberg. Mas, quem rouba o filme, são os atores coadjuvantes Drica Moraes e Alexandre Borges, esse último como um hilário jogador de futebol.
Abril Despedaçado” (2001)
Belo filme de Walter Salles, que mesmo baseado em um livro de autor libanês, conseguiu transpor a estória para o nordeste brasileiro com maestria. Filmado com a sensibilidade de sempre, Walter retrata com brilhantismo a aridez da terra nordestina que se reflete na própria sequidão das relações humanas e falta de perspectivas. A trama explora as brigas de família que ainda existem no sertão nordestino. Cheio de simbolismos e dramaticidade, este foi o filme começou a projetar Rodrigo Santoro no cenário internacional.
“Festa” (1989)
Divertidíssima película de Ugo Giorgetti, dirigida com minimalismo e criatividade. Toda a ação se passa no salão de jogos de uma mansão onde rola uma tremenda festa. No tal recinto um jogador de sinuca e seu amigo, um Zé ninguém, enquanto esperam a hora de entreter os convidados , vão entabulando diálogos impagáveis entre si e com novos personagens que entram e saem do salão. Alguns palavrões aqui e acolá, mas engraçadíssimo.
”Ônibus 174” (2002)
Aclamado documentário sobre o seqüestro de um ônibus ocorrido em julho de 2002 no rio de janeiro. O filme não apenas mostra os detalhes de toda a ação, mas faz uma análise profunda sobre as causas da criminalidade no Brasil. Traz também entrevistas marcantes com todos os envolvidos e deixa claro a incompetência e despreparo da nossa policia.
“O Auto da Compadecida” (1999)
Guel Arraes usou toda a experiência adquirida nos anos em que dirigiu inúmeros especiais e mini-séries na Globo, e produziu essa ótima adaptação da peça de Ariano Suassuna. Guel foi bastante inteligente em não tentar reproduzir a linguagem teatral, mas sim agilizar a trama de forma enxuta e eficiente. Escorado pelas atuações inspiradas de todo o elenco que inclui Matheus Nachtergale, Selton Melo, Marco Nannini, Diogo Villela e Denise Cardoso, o filme diverte sem perder o brilhantismo e a genialidade do texto de Ariano Suassuna. Destaque também para a belíssima trilha sonora do grupo pernambucano Sa-grama.
“O Baile Perfumado” (1997)
Filme que conta um determinado episódio na vida de Lampião, no qual o “rei do cangaço” autoriza um libanês a acompanhar e filmar seu grupo por determinado tempo. Baseado em fatos reais, o filme reconstitui algumas das cenas imortalizadas pelas lentes do tal libanês, que produziu as imagens mais famosas de lampião e seus cangaceiros. Paulo Caldas e Lírio Ferreira ousaram bastante na edição e montaram um filme com imagens exuberantes e trilha sonora modernosa, com as guitarras destorcidas do grupo nação zumbi, e participações do saudoso Chico Science e da banda mestre Ambrosio.
Agora é só preparar uma boa feijoada (sim, porque pipoca é coisa de americano…), chamar os amigos e curtir uma boa sessão de cinema nacional. Só não esqueça de deixar o preconceito do lado de fora.
Um abraço,
Leon Neto