Há um silêncio que atravessa a dor. Um tempo em que tudo parece ter sido perdido, em que o chão some sob os pés e o céu se cala.
Há silêncios que não são ausência, mas sintoma. Lacunas onde a palavra falha, o corpo tensiona, e o sujeito se vê diante do abismo do Real — aquilo que Lacan descrevia como o impossível de simbolizar. São dias em que o chão não apenas some, mas revela-se uma construção frágil, desvelando a ilusão de controle que sustentamos.
Há momentos na vida em que o silêncio pesa, a dor parece vencer e a escuridão cobre tudo.
Mas eis o paradoxo que a clínica nos ensina: é justamente na fenda do desespero que o inconsciente trabalha. Como a pedra que sela o túmulo, há mecanismos de defesa que parecem imóveis — negação, recalque, racionalização. No entanto, sob a superfície estática, operam processos silenciosos. A vida, assim como o desejo, insiste. Não como força abstrata, mas como ato de resistência: uma flor que rompe o asfalto, uma repetição que, enfim, se deixa interpretar.
Mas há também um instante — suave e poderoso — em que a vida ressurge, mesmo após a noite mais longa. Nem tudo está encerrado quando parece ter acabado. Há recomeços escondidos sob pedras pesadas. A mesma força que removeu a rocha do sepulcro é a que nos convida a espreitar, entre frestas, a luz que teima em nascer. Pois, também há manhãs em que a pedra é removida, e a vida se revela mais forte que a morte.
Entre o sofrimento e a esperança, há um tempo sagrado de transformação. Há um tipo de solidão que não é vazio, mas espaço potencial — como aquele que Winnicott via no gesto espontâneo da criança que brinca. Dias em que a dor não é sintoma a decifrar, mas solo úmido onde o Self enterra sementes que só germinarão no escuro. Você já percebeu? Às vezes, o silêncio de Deus não é abandono, mas holding: mãos invisíveis nos sustentando diante da dor que ainda não pode ser olhada de frente.
A Páscoa, neste viés, é sobre como atravessar no desamparo rumo ao triunfo. Um convite à elaboração psíquica.
Que este tempo sagrado inspire em nós a fé que espera, a esperança que floresce no escuro, e a certeza de que o amor, mesmo em silêncio, jamais morre.
A Páscoa é sobre saltar no tempo, entre o “já” e o “ainda não”.
Que este tempo nos inspire a acolher a dor com dignidade e a esperar com fé silenciosa, pois mesmo a noite mais escura carrega em si a promessa de um novo amanhecer.
Que esta Páscoa nos lembre que os desertos são necessários. Eles nos despojam das certezas que nos impediam de ver. Não peça pressa ao seu processo: até as estações sabem — a terra precisa de inverno para que a semente quebre sua casca. Enquanto isso, faça como os poetas e os bons analistas: escute os sussurros do inconsciente, pois sempre trazem pistas. Às vezes, uma palavra. Outras, apenas um tombo que nos faz olhar para onde pisávamos no automático.
Desejo que esta Páscoa renove em você a força para recomeçar, a coragem para perdoar e a esperança que não decepciona.
Feliz Páscoa — que o renascimento aconteça primeiro dentro.
Psicóloga Helena Chiappetta

