
Na psicanálise, no registro simbólico, o falo não se reduz ao órgão sexual, mas encarna o significante do poder, da completude ilusória e da violência fundante. Freud, em Além do Princípio do Prazer (1920), já vinculava a pulsão de morte (Tânatos) à lógica fálica: o desejo de conquistar, dominar e aniquilar o outro é a face obscura do mito da onipotência.
O Falo como Arma
Lacan define o falo não como um símbolo de poder, mas como o significante da falta, do desejo — do desejo do Outro. Em uma leitura simbólica crítica, pode-se pensar que os mísseis encenam esse significante: objetos fálicos que simulam potência absoluta, projetados para romper fronteiras físicas, assim como o falo simbólico rompe o véu da falta. Ainda que a analogia não esteja no campo estrito da teoria lacaniana, ela oferece pistas para compreender como a guerra evoca o imaginário fálico como estratégia de disfarce da impotência diante da morte. Quando alguém mede sua importância pela capacidade de “penetrar”, “invadir” ou “dominar”, ele não está operando com o falo como significante da falta, mas com sua imagem fetichizada de poder absoluto. Quando um país exibe mísseis e bombas como símbolo de supremacia, está atuando sob a lógica do imaginário fálico.
Freud, em Totem e Tabu (1913), associava armas a extensões do corpo que compensam a fragilidade humana. O míssil é a versão contemporânea do bastão primitivo, símbolo de dominação sobre a vida e a morte.
Quem tem o maior poder de alcance? A ilusão fálica
A corrida armamentista (EUA, Rússia, Irã, Israel, etc) repete a lógica edípica: cada nação busca provar que seu “falo” (tecnológico, militar) é mais penetrante e destrutivo. Freud alertaria, sugerindo que essa disputa é narcísica e autodestrutiva. Em Psicologia das Massas (1921), ele mostra como líderes usam falos simbólicos (armas, discursos) para mobilizar o desejo de aniquilação nas massas, transformando cidadãos em corpos dóceis que celebram sua própria servidão.
O paradoxo da potência
A potência de um míssil não está no tamanho, mas no medo que gera. Freud, em O Mal-Estar na Civilização, explica: quanto mais frágil o ego, mais ele investe em símbolos de poder (mísseis, exércitos). Exemplos: Israel exibe o Iron Dome (domo de ferro, uma espécie de escudo fálico) e mísseis de precisão; Irã ostenta mísseis Kheibar Shekan (quebradores de castelos); EUA respondem com Bunker Busters (penetradores de concreto).
Todos repetem a mesma fantasia: meu falo é mais poderoso e penetrante que o teu
Lacan diz que a frustração fálica é inevitável. Nenhum míssil preenche a falta, apenas multiplica a destruição (O desejo é desejo do Outro, mas a guerra é a negação do Outro). Inspirando-se em Judith Butler (2015), pode-se interpretar que os mísseis operam como símbolos de uma violência de gênero geopolitizada. Sua penetração em territórios demonstra a mesma lógica machista que invade corpos, agora em escala colonial. O falo, como significante do poder (LACAN, 1998), é recrutado pela guerra para mascarar a impotência humana diante da morte (FREUD, 1920).
A destruição como sintoma da carência
A analogia entre mísseis e falos não é sobre penetração física, mas sobre a psique humana aprisionada no mito da onipotência. Assim como Judith Butler (2015) defende em sua ética pós-freudiana, a psicanálise nos ensina que a verdadeira potência, o verdadeiro poder, não está na capacidade de destruir, mas na coragem de reconhecer a fragilidade comum. É essa vulnerabilidade compartilhada que pode desarmar mísseis e falos.
Freud deixou-nos um antídoto: sublimar a pulsão destrutiva em arte, direito e diálogo. Em tempos onde líderes transformam ódio em projeto político, e civis consomem tragédias como entretenimento, há sempre um(a) psicanalista para lembrar que: a guerra é o fracasso da palavra. A metáfora fálica na guerra não prova potência, pelo contrário, expõe a impotência humana.
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Referências
BUTLER, J. Quadros de Guerra: Quando a Vida é Passível de Luto? Tradução de Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarão e Arnaldo Marques da Cunha. 1. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.
FREUD, S. Além do Princípio do Prazer. Edição Standard Brasileira das Obras Completas, v. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1920/1996.
FREUD, S. Totem e Tabu. Edição Standard Brasileira das Obras Completas, v. XIII. Rio de Janeiro: Imago, 1913/1996.
FREUD, S. Psicologia das Massas e Análise do Eu. Edição Standard Brasileira das Obras Completas, v. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1921/1996.
FREUD, S. O Mal-Estar na Civilização. Edição Standard Brasileira das Obras Completas, v. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1930/1996.
LACAN, J. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.