Tom Shadyac tinha tudo o que um ser humano pode desejar na vida: dinheiro, sucesso, fama e reconhecimento profissional. Após dirigir comédias como “Ace Ventura”, “Bruce Almighty” e “O Professor Aloprado” , o ainda jovem Shadyac já havia ganho tanto dinheiro que nem sabia o que fazer com a sua fortuna.
Vivia sozinho em uma casa de 17 quartos em Beverly Hills, viajava de jatinho particular para onde quisesse e tinha vários projetos e propostas para novos filmes que lhe garantiriam ainda mais dinheiro.
Um prosaico e inesperado acidente de bicicleta mudou sua vida. Shadyac quebrou vários ossos, teve traumatismo craniano e ficou com sequelas que lhe deixaram com dores insuportáveis e que o fizeram largar todas as suas atividades profissionais. Durante esse tempo de recuperação, Tom Shadyac começou a questionar sua vida, seus valores e o próprio sentido da existência. Iniciou assim um período de busca espiritual que o levou a abandonar sua vida luxuosa e exagerada, e dedicar a maior parte de sua fortuna para instituições de caridade. Hoje ele mora um trailer de dois quartos e dois banheiros, não tem carro e vive com muito mais simplicidade.
Shadyac lançou recentemente o documentário “I Am” (ainda sem titulo em português), onde relata todo o seu processo de transformação e a mudança em seus conceitos e valores. De cara não dá para não ficar impressionado com a historia dele; afinal, não é todo dia que no país mais capitalista do mundo algum milionário decide mudar de vida e dedicar parte de sua fortuna para os necessitados. E ele me pareceu bem sincero e autêntico. Não pareceu em momento nenhum alguém querendo vender uma imagem falsa ou ser mais santo do que se é. Claro que o filme tem um certo teor panfletário e liberal. Afinal de contas é o que se pode esperar da comunidade hollywoodiana; mas de toda forma, traz alguns pontos de debate bem interessantes.
Foi bom ouvir dele que a idolatria do grande público pelas celebridades do show business é que gera boa parte das distorções que vemos na sociedade americana; razão pela qual um ator ou diretor como ele ganham infinitamente mais do que um professor primário. A própria sociedade é culpada por gerar essa desigualdade de valores. Segundo ele todas as profissões são importantes e deveriam ser remuneradas de forma bem mais equilibrada. E se pensarmos na realidade brasileira, então o disparate é ainda maior; basta comparar o salário do Ronaldinho gaúcho com o de uma professor de escola pública.
Shadyac exagera um pouco quando tenta estabelecer paralelos na natureza para justificar a distribuição de riquezas. Ele usa exemplos de predadores como leões e ursos que só matam presas na quantidade que precisam, sem acumular nada. E ele chega mesmo a forçar a barra dizendo que o câncer acontece quando as células passam a acumular mais do que precisam. Ora, o Shadyac parece que nunca viu uma raposa entrar em um galinheiro e matar todas as galinhas e não somente aquelas que precisa para o momento; ou mesmo nunca viu animais como lobos e carcajus, por exemplo, que caçam mais do que precisam, e enterram as carcaças para comer mais tarde; ou ainda as diversas espécies que tem machos dominante que acumulam dezenas de fêmeas em seus haréns e não dividem com ninguém. Esse negócio de criar analogias com a natureza é bem claramente uma linha evolucionista que tenta explicar tudo através da genética. Esses, deixam de ver que segundo a Bíblia, a criação deixou de ser perfeita após a entrada do pecado no mundo e agora nós vivemos sob a efígie do pecado que alterou toda a perfeição original. Ficar buscando exemplos e analogias para o comportamento humano na natureza é sempre questionável.
Apesar disso, “I Am” é um filme que tem seus méritos. É sempre bom ver alguém questionar os valores distorcidos da sociedade moderna, ainda que sob uma ótica ultra-liberal. Seria bom que as igrejas evangélicas fizessem o mesmo e repensassem como estão usando seus orçamentos e se estão fazendo diferença no meio em que estão inseridas. Seria bom que gastássemos menos com o que é supérfluo, como templos luxuosos e shows megalomaníacos e dedicássemos mais recursos para quem realmente precisa.
Um abraço,
Leon Neto