Tem dias que eu fico
Pensando na vida
E sinceramente
Não vejo saída …
… Sei lá, sei lá
A vida é uma grande ilusão
Sei lá, sei lá
Só sei que ela está com a razão
(Sei Lá (A Vida Tem Sempre Razão) / Antonio Carlos Jobim)
A fantasia é uma alternativa de resolução de conflitos entre realizar ou não desejo. Vivemos a fantasia para distensionar psiquicamente, para viver desejo e aliviar a tensão.
Na fantasia não há quebra da realidade externa e sim uma distorção parcial da realidade. Na fantasia, vestimos o personagem para conseguir realizar o desejo.
A fantasia é o produto da mediação entre o desejo e a realidade, obedecendo ao princípio do prazer e não ao da realidade socialmente aceita.
Construímos a fantasia porque o desejo é incansável e não desiste, não cessa, não cala, não deixa de se impor.
No delírio, a distorção da realidade é total, existe uma separação total em relação à realidade. Na fantasia a ruptura com a realidade é parcial, restando sempre uma ligação com ela. Ambos, fantasia e delírio, estão ligados ao desejo. Se o desejo não pode ser totalmente satisfeito, partimos para a fantasia como uma alternativa; se a fantasia não dá conta, então o resultado é o sintoma; se o sintoma não dá conta, surtamos.
Todo sintoma é uma expressão do desejo, é uma tentativa de saúde, pois no sintoma também existe realização do desejo, ainda que parcial.
O sintoma corresponde a uma coletânea de fantasias que não deram certo; então, adoecemos para continuar tentando realizar desejo, adoecemos para tentar fazer algo com o desejo que não para de se impor, buscando satisfação.
O sintoma e a loucura também são uma maneira de dar conta do insuportável, pois, no final das contas, insuportável é não realizar desejo, visto que todo desejo traz consigo uma demanda de amor e realização.
Até que ponto, muitas vezes, precisamos fantasiar, produzir sintoma e até surtar para realizar o desejo? De acordo com Freud:
“O trabalho mental vincula-se a uma impressão atual, a alguma ocasião motivadora no presente que foi capaz de despertar um dos desejos principais do sujeito. Dali retrocede a lembrança de uma experiência anterior, na qual esse desejo foi realizado, criando uma situação referente ao futuro que representa a realização do desejo” (FREUD, 1907. p. 153).
Então, podemos compreender a fantasia como algo que atravessa o passado, o presente e o futuro, sendo que estes estão entrelaçados um ao outro pelo desejo.
A fantasia ocorre em conjunto com a sublimação, para dar conta da libido (desejo): se isso não ocorre, produzimos sintoma no corpo.
Sublimar e fantasiar é saudável, pois se não existe essa alternativa, a única saída é o sintoma, ou o surto, ou a morte. Para Freud, sublimação é o mecanismo de defesa que transforma uma pulsão sexual em algo aceito pela sociedade, quando o desejo sexual (libido) é transformado e assume um novo caráter, por exemplo, quando realizamos alguma atividade artística, ou quando estudamos, trabalhamos etc.
A propósito da sublimação, diz Freud:
“… a esta capacidade de substituir a meta sexual originária por outra não sexual, porém psiquicamente a ela atrelada, denomina-se capacidade de sublimação” (FREUD, 1908/2007, p. 168).
A fantasia, portanto, é uma tentativa de reconstruir uma realidade insuportável, elaborando, ressignificando e mudando a posição do sujeito em relação ao próprio desejo. Ela faz as vezes de mediadora entre o desejo e a realidade, mantendo-nos responsavelmente atrelados a esta.
Responsabilizar-se pelo próprio desejo significa sair do lugar de objeto e tornar-se sujeito de sua própria realidade.
… Ninguém nunca sabe
Que males se apronta
Fazendo de conta
Fingindo esquecer
Que nada renasce
Antes que se acabe
E o sol que desponta
Tem que anoitecer
De nada adianta
Ficar-se de fora
A hora do sim
É um descuido do não
Sei lá, sei lá
Só sei que é preciso paixão
Sei lá, sei lá
A vida tem sempre razão…
(Sei Lá (A Vida Tem Sempre Razão) / Antonio Carlos Jobim)
Helena Chiappetta