E quem diria que o “funk” viraria música gospel? Pois é; segundo reportagem recente da revista Eclésia, o tal gênero invadiu o meio evangélico e tem sido muito usado em shows e Cd’s.
Para a minha geração, falar em “funk”, é se reportar a grupos e cantores dos anos 70 tipo “James Brown”, “Kool and the Gang”, “A Taste of Honey”, “Earth, Wind and Fire”, e “Commodores”, entre outros. Ritmo contagiante, originado a partir do “Rythm ‘n Blues” e da “Soul Music” , o funk reinou supremo do final dos anos 60 até meados dos anos 80 e fez a fama e fortuna de diversos selos especializados em “Black Music”.
O funk influenciou artistas como “Prince” e “Michael Jackson”, na fase boa, e até mesmo a recente onda do “Hip-Hop”. Os “riffs” de contra-baixo dos sucessos dos anos 70 e 80, até hoje são “sampleados” descaradamente e remixados em sucessos atuais. Um exemplo disso é o medíocre “Gabriel, o Pensador” que usa e abusa deles em seus discos.
A influência do funk na música gospel norte-americana também é bastante visível em artistas como “Ron Kenoly” e “Kirk Franklin”, e mesmo em diversos cânticos que usamos em nossas Igrejas.
Contudo, o funk à que a reportagem da Eclésia se refere, é uma versão “primo pobre” do funk original. Trata-se daquela desgraça que surgiu nas periferias do Rio de Janeiro nos anos 90, cuja melhor tradução é o abominável “Bonde do Tigrão” e seus sub-produtos tipo “Dança da Motinha”. É esse gênero que diversos artistas cristãos estão elegendo como principal veículo de seus ministérios.
Obviamente, muitos líderes eclesiásticos têm se escandalizado com essa nova “onda” e levantado suas vozes contra a utilização de um ritmo tão associado à imoralidade sexual e violência. Certamente que as referências que temos em relação ao funk carioca não são das melhores. Os bailes funk, onde o ritmo surgiu e se desenvolveu, são verdadeiras orgias, e há quem diga que existem até mesmo ligações entre o tráfico de drogas e a industria do funk.
Porém, não faz muito tempo, outros gêneros também sofreram perseguições semelhantes. Nos anos 70, a grande discussão em relação á música evangélica, era a utilização do rock por bandas cristãs. Cheguei a participar de inúmeros estudos que advogavam a origem satânica do rock e da influência maligna de seu ritmo. Livros e documentários foram feitos sobre o tema, uma verdadeira caça às bruxas. Hoje, ninguém mais lembra de nada disso e o rock é utilizado sem o menor problema por bandas de diversas denominações.
Também não faz muito tempo que questionamentos era feitos em relação ao samba e outros gêneros de música brasileira. Muito por conta da origem “afro” e profana de diversos ritmos, estes foram como que banidos da música evangélica. Mas hoje, pouca gente ainda questiona esse aspecto, e praticamente todos os inúmeros ritmos brasileiros são utilizados em gravações evangélicas , Brasil à fora, com grande liberdade.
E se formos investigar de forma mais aprofundada, o conflito entre o que é profano e o que é sacro, tem feito parte de toda a história do protestantismo. Na época de Lutero, inclusive, todos os instrumentos musicais foram banidos do culto. Mais tarde, o próprio piano, que hoje é parte fundamental da maioria das Igrejas evangélicas, foi considerado profano e instrumento de “cabaret”, até o final do século XIX. O violão, instrumento ligado a serestas e boemia, foi proscrito das Igrejas por quase cinqüenta anos.
Portanto, os aspectos culturais são muito mais preponderantes do que os teológicos, nessas discussões.
Na minha opinião, o que faz toda a diferença em uma música, é a sua letra. Se tem base bíblica, se tem coerência e respaldo na doutrina cristã, então pouco importa o ritmo utilizado.
Acho o tal do funk evangélico de péssimo gosto e qualidade musical sofrível. Mas, se de alguma forma vai cumprir o objetivo de evangelização e edificação da igreja, não me oponho à sua utilização de forma alguma. Provavelmente jamais vou comprar um Cd do gênero nem ir a uma das “Baladas de Jesus”, mas se os artistas estão dando um bom testemunho e se as letras comunicam verdades bíblicas, que usem o funk à vontade.
Até porque qualidade musical nunca foi sinônimo de edificação. Basta ver exemplos na música clássica, como Erik Satie e Richard Wagner, que utilizavam suas brilhantes composições para divulgar ideais pagãos e racistas.
Um abraço,
Leon Neto