Li todos os livros de Nelson Motta sobre música popular brasileira. Não o considero, necessariamente, um grande escritor, mas seus relatos são uma preciosidade histórica de alguém que viveu de perto muitas das fases de nossa música. Seus livros são leitura fácil, com narrativas despojadas e acima de tudo sinceras, sem concessões. Talvez por isso mesmo eu tenha ficado tão irritado com a decisão da rede Globo de alterar o filme sobre Tim Maia, baseado no livro de Nelson Motta, “Vale Tudo-O Som e a Fúria de Tim Maia”.
O filme “Tim Maia” é sucesso de público e crítica, os atores escalados para viver Tim na juventude e na vida adulta, Babu Santana e Robson Nunes estão fantásticos, a trilha musical ficou excelente; material de primeira, fácil, fácil de conseguir patrocinadores, produto “mamão-com-mel”, sucesso garantido para qualquer emissora. Por que cargas d’água então a rede Globo resolveu mexer no filme? Onde fica a máxima de que “não se mexe em time que está ganhando”?
O motivo não poderia ser mais mesquinho; A emissora ao alterar o conteúdo do filme, buscou preservar a imagem de um de seus mais lucrativos contratados, o “Rei“ Roberto Carlos. Quem leu o livro sabe que um dos capítulos mais importantes retrata a relação entre Tim Maia e Roberto Carlos, amigos e companheiros de banda no início de suas carreiras. Tim , depois de uma temporada mal sucedida nos Estados Unidos, procurou Roberto Carlos, pedindo ajuda financeira e profissional e foi rejeitado. Essa situação terminou por impulsionar Tim a buscar outras vias e direcionar sua carreira de outra forma, portanto, foi um episódio extremamente importante em sua biografia.
Entre as mudanças, a Globo resolveu transformar o filme em uma minissérie de dois capítulos. Até aí, tudo bem; não é o ideal, mas nada que já não tenha sido feito antes com filmes como “O Poderoso Chefão” e “E O Vento Levou”, por exemplo. O problema, é que a Globo não só retirou da série a cena na qual Roberto Carlos rejeita ajuda a Tim Maia, mas chegou ao desplante de convocar os atores originais com figurino, cenário e tudo mais para refilmar toda a cena, só para que o “Rei” ficasse, literalmente, bem na fita. Que desplante!
A decisão da Globo de mutilar o filme é absurda e até mesmo inaceitável. Pouco importa se a emissora detem os direitos sobre o filme. Nada justifica essa agressão a uma obra autoral, ainda mais por motivos tão mesquinhos e fúteis.
Há quem discorde do relato original de Nelson Motta e afirme que ele exagerou, que Roberto Carlos não foi assim tão frio com Tim Maia e até o ajudou. Mas, isso não vem ao caso; se querem discordar do filme, que o façam em um documentário, uma entrevista no Jornal Nacional, chamem RB para um Globo Repórter especial ou coisa que o valha. Mas brutalizar uma obra desse jeito é um estupro artístico!
O diretor do filme, Mauro Lima, veio à publico recentemente para expressar seu desgosto com a situação e até propôs um boicote à minissérie da Globo. Tarde demais, me parece; ele deveria ter prestado mais atenção às letras miúdas do contrato.
Mas, de forma geral, esse episódio todo não é nada surpreendente em se tratando de uma rede de televisão que altera o nome de times de vôlei, de equipes de formula 1 e de estádios para não dizer o nome de patrocinadores e até mesmo suprime informações importantes de eventos dos quais não detem os direitos de transmissão. A ética parece que passa bem longe da cúpula executiva da rede Globo…
Um abraço,
Leon Neto