Toda vez que o carnaval aponta no horizonte começa aquela discussão que parece não ter fim: “Pode um músico cristão tocar no carnaval?” Tenho muitos amigos e ex-alunos que se defrontam com esse conflito todo ano.
Afinal de contas, para quem é musico profissional, carnaval é a melhor época do ano, onde se faz mais dinheiro e quando as melhores oportunidades profissionais aparecem. Como então ficar de fora do meio musical numa hora dessas?
Muita gente acha que músico cristão só pode tocar na igreja, mas se olharmos tudo sob essa mesma ótica, então arquiteto cristão só pode projetar igrejas, professor cristão só pode ensinar em escola evangélica, medico cristão só pode clinicar em hospital batista ou coisas do gênero.
Especialmente quem trabalha com música instrumental não tem muita chance de sobreviver sendo músico de igreja no Brasil; poucos são os que recebem alguma ajuda de custo ou cachê semanal e quase nenhum é contratado em tempo integral. Ou por acaso você conhece algum baterista que receba salário suficiente da sua igreja e que não precise fazer mais nada para complementar a renda familiar?
Talvez alguns músicos profissionais até preferissem dedicar todo o seu tempo para o ministério, se isso fosse possível, mas nem todos se realizariam totalmente dessa maneira e eu não vejo nenhum problema nisso. Não é muito diferente de quem é musico erudito e divide seu tempo entre a ministério de música de sua igreja e a orquestra sinfônica. A verdade é que nós somos muito mais tolerantes com a música clássica do que com a popular, mas em essência é tudo a mesma coisa e alguns ambientes de orquestra e opera são tão corrompidos e às vezes até mais do que os de música popular.
Agora, realmente temos que convir que o ambiente dos bailes de carnaval não é a melhor coisa do mundo para quem é evangélico. Mas, o músico profissional nem sempre pode escolher onde vai tocar. E para muitos músicos brasileiros, no carnaval e no São João é onde se faz quase que 70% do orçamento anual.
Então o que fazer nessa época do ano? Como, pessoalmente, nunca tive que enfrentar esse tipo de conflito, é fácil falar que todos deveriam simplesmente declinar os convites e perder a grana que se ganha no carnaval. Mas, para quem depende dessa verba para sustentar a família, a estória fica bem mais complicada.
Não tenho resposta para esse dilema e acho que os conflitos vão continuar acontecendo. Cabe a cada igreja tratar seus músicos profissionais da maneira que achar mais coerente. Tenho visto alguns pastores reagirem de forma extremamente radical e não permitirem de forma alguma que seus membros atuem em uma orquestra de frevo ou coisa similar, chegando mesmo ao exagero de uma exclusão do rol de membros, em alguns casos. Mas também conheço pastores que são mais abertos e procuram até mesmo prover apoio espiritual para os que tem que enfrentar a maratona carnavalesca. E sei de vários músicos que inclusive vêem essa época como uma oportunidade de evangelismo e de testemunho.
Só sei que precisamos acabar com a hipocrisia e a visão limitada de “dois pesos e duas medidas”; conflitos éticos estão presentes em todas as profissões e não só na de músico. Da mesma forma que os músicos são confrontados com as oportunidades do carnaval, outras profissões também podem viver conflitos semelhantes: imaginem um engenheiro cristão que é contratado para construir uma boate, ou um publicitário evangélico convidado para produzir uma propaganda de cigarro. Cada um deve fazer suas escolhas da forma que achar mais condizente com a doutrina cristã e seus princípios.
E nós como igreja, deveríamos ter a mesma atitude e critérios para com todos os casos e não endurecer o jogo só para com os músicos.
Um abraço,
Leon Neto