O QUE É, O QUE É …?

Criança espiando pela porta (foto: ilustração)
Criança espiando pela porta (foto: ilustração)

Breve comentário ao ensaio de Freud
O esclarecimento sexual das crianças (carta aberta ao Dr. M. Fürst)[1]

 

O que é, o que é?
Eu fico com a pureza
Da resposta das crianças
É a vida, é bonita
E é bonita … (Gonzaguinha, 1982).

Em sua carta aberta ao Dr. M. Fürst, Freud cita o próprio Multatuli, afirmando que:

A meu ver, certas coisas são, em geral, exageradamente encobertas. É justo conservar pura a imaginação de uma criança, mas não é a ignorância que irá preservar essa pureza. Ao contrário, acho que a ocultação conduz o menino ou menina a suspeitar mais do que nunca da verdade. A curiosidade nos leva a esmiuçar coisas que teriam pouco ou nenhum interesse para nós, se tivéssemos sido informados com simplicidade. Se fosse possível manter essa ignorância inalterada, eu poderia aceitá-la, mas isso é impossível. O convívio com outras crianças, as leituras que induzem à reflexão e o mistério com que os pais cercam fatos que terminam por vir à tona, tudo isso na verdade intensifica o desejo de conhecimento. Esse desejo, satisfeito apenas parcialmente e em segredo, excita seu sentimento e corrompe sua imaginação, de forma que a criança já peca enquanto os pais ainda acreditam que desconhece o pecado (FREUD, 1907, p.124).

O texto fala sobre a necessidade de conservar a pureza das crianças com informação, sem ignorância em relação às questões sexuais. Dessa forma, a informação pode gerar um efeito de normalidade em relação às questões sexuais, sem fazer delas um tabu. A repressão da sexualidade infantil produz um efeito de ignorância psíquica e, consequentemente, repercute no corpo e na sexualidade como um todo.

Multatuli afirma que a repressão da sexualidade intensifica o desejo e atiça a  busca pelo conhecimento das questões sexuais.

A repressão da sexualidade corrompe a fantasia e esta, por sua vez, corrompe a imaginação, ou seja, se a fantasia é corrompida, logo a imaginação também o será. Uma vez corrompida a imaginação, a criança começa a pecar, enquanto os pais ainda estão acreditando na inocência da criança e negando o pecado da criança.

A ignorância e a vergonha dos adultos fazem com que eles tenham diante das crianças uma atitude repressora da sexualidade infantil. A falta de informação sobre a educação sexual leva os pais a terem essa postura repressora diante dos filhos, o que pode acarretar em comprometimento da saúde emocional da criança e do adulto.

Freud fala sobre a crença errada dos pais em relação à não existência do instinto sexual das crianças:

Na  realidade o recém-nascido já vem ao mundo com sua sexualidade, sendo seu desenvolvimento na lactância e na primeira infância acompanhado de sensações sexuais; só muitas poucas crianças alcançam a puberdade sem ter tido sensações e atividades sexuais (FREUD, 1907, p.124).

Freud fala do auto erotismo o recém-nascido, da criança. Isso se traduz por sensações e excitações de prazeres sexuais disfarçados pelo corpo, a partir da estimulação dos órgãos genitais e também de outros pontos do corpo, como a boca, por exemplo.

A puberdade apenas concede aos genitais a primazia entre todas as outras zonas e fontes produtoras de prazer, assim forçando o erotismo a colocar-se a serviço da função reprodutora. Naturalmente esse processo pode sofrer certas inibições, e em muitas pessoas (que tendem a se tornar mais tarde pervertidas ou neuróticas) não se completa senão imperfeitamente (FREUD, 1907, p.125).

A maturação da capacidade de reprodução acontece na puberdade, mas antes disso, na criança já existem estados mentais de amor, ternura, ciúmes que podem ser consideradas como manifestação psíquica da sexualidade infantil.

O mistério em torno da sexualidade infantil, não esclarecida, leva à inibição intelectual e outros problemas de aprendizagem.

Falando sobre a cegueira dos pais acerca da sexualidade infantil, Freud diz:

O pequeno Hans certamente não foi exposto a nada da natureza de uma sedução pela babá, mas, apesar disso, já havia algum tempo demonstrava um vivo interesse por aquela parte do seu corpo que ele chama de ‘pipi’. Aos três anos, perguntou à mãe: ‘Mamãe, você também tem um pipi?’ Ela respondeu: ‘Naturalmente. O que é que você acha?’ Também ao pai ele perguntou várias vezes a mesma coisa. Nessa época, ao entrar pela primeira vez num estábulo, viu uma vaca ser ordenhada. ‘Olhe só!’ exclamou surpreso, ‘sai leite do pipi dela’ (FREUD, 1907, p.125).

E continua Freud:

Ao ver sair água de uma locomotiva, exclamou: ‘Veja, a máquina está fazendo pipi. Onde está o pipi dela?’ E acrescentou, depois de refletir: ‘O cachorro e o cavalo têm pipis; a mesa e a cadeira não têm.’ Recentemente, olhava a irmãzinha de sete dias tomar banho, quando comentou: ‘O pipi dela é muito pequeno, mas vai ficar grande quando ela crescer’ (FREUD, 1907, p.126)

Freud fala de outro exemplo, da carta de uma criança à sua tia:

Sabe, tia Mali, não conseguimos compreender como as cegonhas trazem os bebês. Trudel achava que ela os trazia numa camisa. Também queremos saber se as cegonhas apanham os bebês no lago, e por que nunca vimos nenhum bebê no lago. E, por favor, diga-me como é que a gente sabe de antemão quando vai ter um bebê. Escreva-me contando tudo sobre isso (FREUD, 1907, p.127).

Freud fala da importância da educação sexual infantil ser conduzida tanto pelos pais, quanto pela escola, pois sendo a criança bem educada sexualmente, a curiosidade sexual infantil irá desaparecer ou diminuir.

O que é, o que é?

Viver e não ter a vergonha
De ser feliz
Cantar, e cantar, e cantar
A beleza de ser um eterno aprendiz

Ah, meu Deus!
Eu sei, eu sei
Que a vida devia ser bem melhor
E será!

Mas isso não impede
Que eu repita
É bonita, é bonita
E é bonita … (GONZAGUINHA, 1982).

[1] FREUD, Sigmund. Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976. O esclarecimento sexual das crianças. (1907 – v. 9).

Helena Chiappetta

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Helena Chiappetta
Maria HELENA Barbosa CHIAPPETTA é Psicanalista Clínica pela ABRAPSI. É Psicóloga Clínica (CRP - 02/22041), é também Neuropsicóloga. É Avaliadora Datista CORETEPE (CRTP-1041). Tem Especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional, e em Ciências da Religião; Licenciatura em Filosofia e em Pedagogia, além do Bacharelado em Teologia. É Bacharelanda em Psicanálise, Pós-graduanda no curso de Arteterapia, Pós-graduanda no curso de Psicanálise, Psicopatologia e Saúde Mental, Pós-graduanda em Terapia Familiar. Atualmente é Docente no SEID Nordeste e SEID Uberlândia. É Professora Convidada no Curso de Formação em Psicanálise da SNTPC. Tem experiência como docente de Hebraico Bíblico, Psicanálise e Teoria Analítica, Educação Religiosa, Artes, Teologia com ênfase em Ciências da Religião Aplicada e Liderança Institucional. Dedica-se ao estudo das neuroses atuais. É colunista deste Portal Folha Gospel. E-mail: [email protected] Instagram profissional: @h.chiappetta
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