Digamos que alguém querendo comprar um iPod pesquisasse em um mercado online local, como o Craiglist, à procura de uma pechincha. A maioria das fotos desses iPods à venda exibe uma mão e pulso do vendedor segurando um produto não aberto. Mas a cor da pele da mão ou pulso importa? E se a mão que estiver segurando o iPod tiver uma tatuagem visível?
Muito provavelmente a maioria das pessoas diria que a pele de quem está segurando o iPod não importaria, enquanto uma proporção muito maior das pessoas admitiria que uma tatuagem poderia afastá-las de responder ao anúncio.
Entretanto, os economistas nunca gostaram de se apoiar no que as pessoas dizem –a maioria acredita na teoria de que as ações falam mais alto do que palavras. Segundo uma nova pesquisa de Jennifer Doleac e Luke Stein, candidatos a doutorado em economia pela Universidade de Stanford, as ações certamente falam mais alto. Ao longo de um período de um ano, elas colocaram centenas de anúncios em mercados online locais nos Estados Unidos, alterando aleatoriamente se a mão segurando um iPod à venda era branca, negra ou branca com uma grande tatuagem. Aqui estão os resultados:
Os vendedores negros se saem pior do que os vendedores brancos em várias medições de resultados de mercado: eles receberam 13% menos respostas e 17% menos ofertas. Esses efeitos são mais fortes no Nordeste dos Estados Unidos e são semelhantes em magnitude aos associados à exibição de uma tatuagem de pulso. Sob a condição de terem recebido pelo menos uma oferta, os vendedores negros também recebem 2% a 4% menos ofertas, apesar do pool de compradores autoescolhido –e supostamente menos tendencioso. Além disso, os compradores que se correspondem com os vendedores negros exibem menor confiança: eles apresentam 17% menos probabilidade de incluírem seu nome nos e-mails 44% menos probabilidade de aceitar entrega pelo correio e uma probabilidade 56% maior de expressarem preocupação com pagamento a longa distância. Os pesquisadores também encontraram evidência de que os vendedores negros sofrem resultados particularmente ruins em mercados “thin” (com poucas ofertas de compra e venda); parece que a discriminação não “sobrevive” na presença de uma concorrência significativa entre os compradores. Além disso, os vendedores negros se saem pior na maioria dos mercados racialmente isolados e nos mercados com altos índices de criminalidade, sugerindo um papel da discriminação estatística na explicação da disparidade.
E o que pode ser concluído a partir desse estudo? O resultado mais claro é que alguém que deseja vender algo online, seja negro ou branco, deve encontrar alguém branco para aparecer na foto. É possível dizer que os anunciantes perceberam isso há muito tempo e, até mesmo, deram um passo além, dizendo que a pessoa branca também deve ser uma loira bonita para aumentar as chances de uma venda bem-sucedida de produto.
É muito mais difícil, nesse ambiente, determinar por que os compradores tratam vendedores brancos e negros de forma diferente. Como notam os autores, há duas teorias principais de discriminação: discriminação racial e discriminação estatística. Por discriminação racial (animus), os economistas querem dizer que os compradores não querem comprar de um vendedor negro, mesmo que o resultado do negócio seja idêntico ao do vendedor branco. Os compradores não gostam de vendedores negros, mesmo que estes forneçam a mesma qualidade que a dos vendedores brancos. Na discriminação estatística, por sua vez, a cor negra da pele serve como substituta de outros fatores negativos: maior chance de ser enganado, uma maior probabilidade de ser roubado ou talvez ser um vendedor que vive longe demais para um encontro pessoal, de forma que a transação será muito mais problemática.
A parte mais impressionante do estudo é que os pesquisadores tentaram distinguir entre essas duas explicações concorrentes de discriminação. Como poderiam? Um fator importante foi variar deliberadamente a qualidade do anúncio. Um anúncio de alta qualidade, conjeturaram os autores, poderia fornecer um sinal capaz de superar a motivação da discriminação estatística para não compra de um vendedor negro. O resultado foi que apesar da qualidade do anúncio não influenciar significativamente os resultados raciais, isso poderia ser atribuído ao fato da diferença de qualidade nos anúncios não ser grande o bastante para importar. Os autores também exploraram o impacto de viver em uma área com mercados mais ou menos concentrados, assim como locais com alta e baixa criminalidade. Os vendedores negros se sabem especialmente mal em cidades com alta criminalidade, o que autores interpretaram como evidência de que se trata de discriminação estatística em ação.
Como exemplo do que os economistas chamam de “experimento de campo natural”, esta pesquisa tem o melhor do que os experimentos de laboratório têm a oferecer: verdadeira aleatorização, mas com o realismo que vem da observação das pessoas nos mercados de fato, e com os sujeitos da pesquisa sem saberem que estão sendo analisados.
Fonte: UOL