Atraídos pelo fenômeno midiático, ou para fugir de um enquadramento padrão, muitos adolescentes que não tiveram registro de conflito de gênero na infância, mas são sugestionáveis, têm se identificado como transexuais.

A maioria, de acordo com observação de especialistas no Brasil e também na Europa, Canadá e Estados Unidos, são meninas que se reconhecem no comportamento masculino. 

“Logo depois da puberdade, elas passam a querer ser meninos, sem nunca antes terem apresentado qualquer característica do gênero”, afirma o psiquiatra Alexandre Saadeh, que trabalha há 25 anos com a população transexual adulta, e há nove com crianças e adolescentes.

Coordenador do AMTIGOS (ambulatório transdisciplinar de identidade de gênero e orientação sexual do instituto de psiquiatria do Hospital das Clínicas da faculdade de medicina da USP), Saadeh percebeu que “jovens confusos e instáveis podem ser atraídos por esse novo paradigma, para extravasar a dificuldade de pertencer a um grupo já existente, ou para ser uma ‘celebridade midiática’ de pouco tempo”.

Na entrevista abaixo, para o blog do Paulo Sampaio, do UOL, ele explica que a divulgação da existência de pessoas transexuais e a popularização dessa informação ajudou muita gente a sair da invisibilidade, mas, por outro lado, banalizou a questão de gênero.

“Na verdade, a disforia de gênero existe em um número bem reduzido de pessoas, menos de 1% da população.”

Leia a entrevista abaixo:

Blog — Por que, de uma hora para outra, se observa tanta gente assumindo novas identidades de gênero?

Acredito que o aumento do debate e a divulgação do assunto favoreceu, especialmente entre adolescentes sugestionáveis, uma maior adesão às variações de gênero como fenômeno midiático. Muitos adolescentes e adultos jovens, para fugir de um enquadramento social padrão, buscam novos enquadramentos, considerados mais modernos e plurais, para se encaixar — mas acabam se colocando em novas “caixas”.

Blog — Isso é um fenômeno mundial?

Sim. Na medida em que a mídia divulga a existência de pessoas trans e isso se populariza, muitos transexuais podem sair da invisibilidade, e isso é importante, mas o fenômeno também atrai pessoas confusas e instáveis que se enquadram nesse novo paradigma como forma de extravasar sua dificuldade em pertencer a um grupo já existente ou para ser uma “celebridade midiática” de pouco tempo. Um ponto que merece cuidado e estudos aprofundados é o aumento do número de meninas que querem ser meninos (rapazes trans), sem nenhum registro pregresso de conflito de gênero. Isso tem sido verificado não só aqui no Brasil, mas também na Europa, Canadá e Estados Unidos.

Blog —  Qual seria a causa desse fenômeno?

Ainda não sabemos. Existe muita especulação e teorias. O maior acesso de jovens à internet e explicações teóricas sobre identidade de gênero podem causar um movimento de inserção ou identificação tardia com o gênero masculino. Mas são só especulações; precisamos buscar algumas evidências explicativas.

Blog — É possível afirmar que a questão de gênero tem sido banalizada?

Sim. Ela existe num número bem reduzido de pessoas (cerca de menos de 1% da população). A maioria continua sendo cisgênera e heterossexual. Muita gente tenta fazer das diferenças identitárias uma bandeira política ou de engajamento social. Se, por um lado, isso divulga a existência de pessoas transexuais, por outro pode tornar a questão banal e fazer dela uma moda, gerando confusão. Ser transexual é confirmar que se é diferente da maioria, o que gera sofrimento e necessidade de auto e hetero aceitação. Ser transexual envolve não o conhecimento racional sobre o tema, mas o reconhecimento afetivo e a vivência intensa, permanente e consistente de possuir uma identidade de gênero incongruente com o sexo em que se nasceu.

Blog — Como o senhor observa essa banalização no AMTIGOS?

Muitos adolescentes e familiares acabam buscando o AMTIGOS por uma questão de gênero que não tem relação com a transexualidade. Mas ela serve de alívio para outro tipo de sofrimento que guarda relação com o desenvolvimento da personalidade daquele/daquela jovem. Garotas que sofrem preconceitos por serem masculinizadas, ou garotos por serem afeminados entendem que a transexualidade não é a solução. Ninguém duvida da afirmação que um ser humano faz a respeito de si, mas o processo de intervenção médica para mudança corporal não é simples, pode haver arrependimento. O retorno será sempre problemático e parcial. O que pode gerar novo sofrimento, agora sem possibilidades de resolução.

Blog — Como se estabelece a nomenclatura de sexo e gênero?

O sexo é designado biologicamente: o indivíduo nasce macho, ou fêmea; o gênero é a definição sócio-cultural, ninguém nasce masculino ou feminino;  e identidade de gênero é de caráter subjetivo, uma decisão da pessoa.

Blog — Como saber se a demanda por transição de gênero — e possível cirurgia de redesignação sexual — é algo realmente desejado?

Por meio de uma avaliação minuciosa sobre quem é a pessoa que está solicitando e junto com ela entender a busca por essa modificação. Apreender a necessidade real e intensa pela modificação corporal.

Blog —  Quando se trata de fazer a cirurgia de redesignação sexual (algo mais definitivo) o número de “novidadeiros” diminui?

No processo em que se toma ou não a decisão de hormonioterapia e cirurgia de afirmação de identidade de gênero, faz parte a psicoterapia e o acompanhamento psiquiátrico. Durante esse processo, muita gente reformula sua busca e interrompe o acompanhamento, pois “descobre” que não é transexual.

Blog — O número de gêneros catalogados mundo afora chega, em alguns casos, a dezenas. Em Nova York, a Comissão dos Direitos Humanos oficializou 31; no Brasil, fala-se em 17; e na Alemanha, mais de 70. O senhor acha que a tendência é aumentar, ou as pessoas vão acabar mudando de assunto?

Como tudo que é novidade, existem muitos sinônimos e “gêneros” que só existem para aquele indivíduo. Na verdade, são nomes pelos quais a pessoa quer ser reconhecida e chamada. Acredito que isso vá diminuir com o tempo. É preciso diferenciar o que é gênero do que é identidade de gênero, que muita gente toma por sinônimos, mas não são. Como a pessoa se chama, é subjetivo e pessoal, mas, se isso demanda modificações corporais e intervenções médicas, tudo muda, pois nem nem sempre a solução para as questões desses indivíduos será a cirurgia e hormonioterpia.

Blog — Ao mesmo tempo em que se vive um momento de muito debate sobre a questão de gênero e a sexualidade, e de aparente liberdade em relação às escolhas, mais de 50% do eleitorado brasileiro votou em um candidato francamente homofóbico, sexista e conservador. O senhor acha que os dois fenômenos estão ligados?

Não diretamente. Na medida em que se força as pessoas a aceitar fenômenos muito diversos às suas realidades, muitas vezes sem explicações ou de maneira agressiva, isso pode causar reações negativas e de exclusão. O ideal seria conquistar o apoio das pessoas baseado na explicação científica e afetiva, identificando sofrimento e exclusão. Só por que existo e me sinto excluído não significa que serei aceito e incluído socialmente. Preciso me fazer entender e respeitar, para depois poder ser aceito de verdade.

Blog —  Existem muitos casos de pessoas que se arrependeram de fazer a transição?

No HC ainda não tivemos nenhum arrependimento. Insatisfação com o resultado cirúrgico e estético, sim (pouquíssimos casos).

Fonte: Blog do Paulo Sampaio – UOL

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