Bloodgood, Barren Cross, Stryper, White Cross. Se os nomes não lhe dizem nada, você deve ter andado meio por fora da música gospel internacional dos últimos 20 anos. Todas elas são bandas de heavy metal evangélicas, um estilo de música que durante muito tempo foi defenestrado pelas igrejas como “profano”, mas que parece ter vencido todas as barreiras e preconceitos possíveis e imagináveis.
Surgido como vertente mais pesada do rock’n’roll, o heavy metal ganhou força no cenário musical secular a partir dos anos 1970, mas foi só na década seguinte que o som distorcido das guitarras começou a bater à porta das igrejas. Considerado maligno por suas óbvias associações com a rebeldia, o amor livre e o consumo de drogas, o hard rock enfrentou a ira de pastores, líderes e famílias evangélicas. Porém, hoje com o passar do tempo e o impulso dado pelos precursores cristãos Petra, Larry Norman e Resurrection Band, já dá para perceber que, entre mortos e feridos, salvaram-se todos – e, pelo que se vê, quem venceu foi o entendimento de que, afinal de contas, o estilo importa menos que o coração de quem toca ou ouve o heavy gospel.
Embora não se preste tão bem à adoração e à reflexão, inúmeros artistas já descobriram que o rock pesado pode ser um poderoso – em todos os sentidos – instrumento de evangelização. Karím Midhat Serri, um egípcio de 36 anos, é membro da Comunidade Gólgota, uma igreja curitibana voltada para roqueiros. “Eu me converti em 1997. Antes, era totalmente descrente e nem mesmo acreditava em Jesus. Mas Deus me cercou de tal forma, que foi impossível prosseguir sem sua companhia”.
Dono da Silent Music, gravadora especializada em heavy metal cristão, Serri e sua mulher Deborah são, respectivamente, guitarrista e vocalista da Seven Angels, um grupo de heavy que leva a mensagem de Cristo com altos níveis de decibéis do rock.. “Se Deus achasse que não deveríamos nos misturar com outras religiões e até com pessoas incrédulas, tenho certeza que nenhum cristão estaria mais por aqui”, comenta Deborah, que se converteu aos 18 anos quando foi convidada para um show realizado em uma igreja evangélica. “Fui tocada pelas letras e melodias. Eu já procurava há muito tempo uma explicação para a minha existência e, naquele show, descobri respostas para as minhas perguntas”, conta.
A igreja do casal Serri é liderada pelo pastor Volmir Bastos, 35 anos, conhecido como Pipe, que toca em uma banda pesada, o Desertor. Ele consegue conciliar perfeitamente as duas atividades – o ministério pastoral e a música rock. O resultado é uma alquimia de fé que define a vocação da Comunidade Gólgota. “A igreja nasceu com o desejo de levar as tribos urbanas a Cristo. Os choques transculturais e os conflitos de gerações são uma realidade dentro das igrejas”, explica. “Na nossa comunidade, o louvor é feito apenas com hard rock, e muitos jovens têm sido atraídos. Não existe um estilo de música cristã, o que existem são letras cristãs”, defende. Segundo o pastor, as mudanças comportamentais hoje são muito mais rápidas do que nas gerações anteriores, e as igrejas têm perdido muitos jovens por não entenderem isso. “Há uma enorme distância entre falar de missões transculturais lá na África ou na Ásia e vivenciar isso no cotidiano com os punks, cabeludos e tatuados, que transitam pelas ruas e são tratadas como aberrações nas igrejas pelo simples fato de terem uma cultura diferente daquela que é socialmente imposta pela mídia”, discursa o pastor roqueiro.
Qualidade
Bandas cristãs têm conquistado seu espaço dentro e fora da igreja graças à qualidade musical e ao profissionalismo de seus integrantes. Um exemplo é o grupo paulistano Destra, que já vai para o terceiro CD. O baixista Ricardo Parronchi, 34 anos, professor e produtor musical, conta que até músicos não-evangélicos já integraram o Destra, e que eles tornaram-se crentes espontaneamente. “Nosso antigo vocalista, o Douglas, converteu-se no meu quarto e, duas semanas depois, já estava fazendo um show. Apesar dele não estar mais no Destra, posso afirmar que o fruto permaneceu, pois até hoje é um servo de Deus. E o mesmo aconteceu com Rodrigo, nosso atual vocalista”, conta.
O pastor Sandro Baggio, 39 anos, ligado à Igreja do Evangelho Quadrangular, é um entusiasta do gênero. Ele está à frente do Projeto 242, uma congregação que abre espaço para o rock daqueles bem barulhentos. O objetivo, claro, é falar de Jesus. “Nós damos oportunidade para apresentações de bandas de rock pesado com propósito evangelístico, mas muitas que se apresentam não são cristãs”, explica. Baggio é autor do livro Música cristã contemporânea (Editora Vida), no qual desmistifica algumas práticas duvidosas atribuídas ao rock metal, tal como o backward masking – aquela história de se ouvir discos no sentido inverso, o que supostamente revelaria mensagens subliminares de inspiração satânica. Para o pastor, adorar a Deus em espírito e em verdade é possível por qualquer estilo musical: “Desde o silêncio e a monofonia dos cânticos gregorianos, passando pelo ritmo dançante do reggae até a energia eletrizante do rock, do punk ou do metal. E também na fusão desses estilos”, conclui.
De acordo com Jason Freitas, 28 anos, integrante do Eterna, grupo católico de rock, o que vale é viver a realidade cristã, ainda que de maneiras diferentes. O músico acrescenta ainda que conjuntos de rock protestantes e católicos realizam shows lado a lado, sem problemas entre as duas correntes, o que é ainda incomum na música gospel. “Acreditamos que o respeito é o mais importante. Já tocamos em eventos católicos junto com bandas evangélicas e vice-versa. Existe espaço suficiente para que, juntos, levemos o nome de Jesus com muito mais força e para muito mais gente”, garante.
De fato, mesmo dentro das fileiras do pop secular, muitos artistas expressam – de sua maneira, é verdade – fé em Jesus. O mais conhecido de todos é Bono Vox, da banda irlandesa U2, que nas letras que compõe e nos discursos que profere, sempre dá um jeito de falar coisas ligadas a Deus. Muitos roqueiros declaram-se adeptos do cristianismo, como Dave Mustaine – líder da banda Megadeth –, e Brian Head Welch, ex-integrante do Korn. Até mesmo o bardo Alice Cooper, que nos anos 1970 notabilizou-se por suas constantes referências ao ocultismo e à bruxaria, deu uma guinada e agora admite crer em Jesus.
“Riqueza cultural”
No exterior, a simbiose entre fé e rock já se cristalizou há muito tempo. Lá fora, são organizados até megafestivais reunindo bandas crentes, como o de Cornerstone (“Pedra angular”, em bom português), nos Estados Unidos, um dos mais famosos do gênero. O Bob Fest, na Suécia, reunia as principais bandas européias. Já o Rock on the Rock, realizado na Itália, expandiu o seu cast e abriu o leque para gêneros ainda mais proscritos pelos evangélicos conservadores, como o punk e o hip-hop. Os festivais são uma das armas de alcance na Europa laica e materialista de hoje, reunindo milhares de jovens do Velho Mundo. Também multiplicam-se as igrejas alternativas baseadas no estilo, como a Sub Church, na Noruega, e a Jesus Freaks, na Alemanha. O alemão Herbie Langhans, vocalista da banda Seventh Avenue, descreveu, em entrevista à revista Sacred Sound, publicação especializada em rock cristão, que esses movimentos são “verdadeiras ilhas de alcance para os jovens europeus, que possuem pouco conhecimento de Jesus”.
Para Cláudio Tibérius, 41 anos, editor de imagem da TV Bandeirantes e redator da Sacred Sound, este tipo de música encerra uma riqueza cultural da qual a Igreja deve se aproximar. Porém, ele adverte que este universo tem uma dinâmica própria. E cita a si mesmo como exemplo: “Quando me converti, eu curtia heavy metal, e achei que não precisava mudar meu visual para servir ao Senhor”, lembra. “A necessidade de se envolver neste meio para influenciá-lo por meio do Evangelho é urgente. Mas o que tenho visto ao longo desses anos é o desejo de muitas bandas serem vistas em seu próprio território, realizando eventos voltados para o público cristão, com uma capa de evangelismo, organizando shows nas igrejas ou levando bandas cristãs para tocar em bares ou casas de espetáculos. Não sou contra quem produz eventos nas igrejas, desde que se proponha a criar algo diferente do que já foi feito à exaustão”, pondera.
Fonte: Revista Eclésia
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