Na lista de 90 parlamentares notificados na semana passada pela CPI dos Sanguessugas, acusados de envolvimento com esquema de compra de ambulâncias superfaturadas, tem de tudo: de promotor de justiça a pecuarista, de militar reformado a médico. Chama a atenção, no entanto, a presença dos parlamentares da chamada frente parlamentar evangélica.
E há três razões para isso.
A primeira é o volume: foram arrolados 29 nomes de bispos, pastores e obreiros de igrejas evangélicas, o que representa quase metade da frente de 62 parlamentares. A segunda razão é o fato de tais parlamentares terem sido eleitos brandindo a bandeira da moralização. “A maioria vêm de igrejas pentecostais que apontam a política como espaço demoníaco e defendem a eleição de homens de Deus, indicados por elas, para exorcizá-la”, observa o pesquisador Leonildo Silveira Campos, da área de ciências da religião da Universidade Metodista de São Paulo.
Um deles dos acusados, o bispo João Mendes de Jesus (PSB-RJ), que teria recebido em espécie do esquema dos sanguessugas, até escreveu um livro nessa área, com o título Servindo a Deus na Vida Pública. O livro foi lançado pela editora da igreja à qual ele pertence, a Universal do Reino de Deus.
Fundada e dirigida por Edir Macedo, essa igreja de inspiração neopentecostal é a que mais investe na política. Curiosamente, também é a mais envolvida nas denúncias: 17 dos 18 deputados da Universal estão na lista.
Em segundo lugar aparece a Assembléia de Deus, com 9 deputados sob suspeita. As outras são as Igrejas do Evangelho Quadrangular, com dois nomes, e a Internacional da Graça e a Batista, cada uma delas com um parlamentar citado.
O envolvimento dos evangélicos também chama a atenção por causa da freqüência com que isso vem acontecendo. Em 1993, quando emergiu o escândalo dos deputados que enriqueciam manipulando emendas orçamentárias, na CPI do Orçamento, descobriu-se que um dos artífices do esquema, Manoel Moreira (PMDB-SP), representava a Assembléia de Deus na Câmara.
No ano passado, ao explodir o escândalo do mensalão, o bispo Carlos Rodrigues (PL-RJ) foi apontado como um dos articuladores do esquema. Acuado, ele renunciou antes de enfrentar a cassação.
O nome de Rodrigues, que perdeu o título de bispo e o cargo de coordenador político da Universal, também apareceu nas CPIs dos Bingos e dos Correios. E agora em maio, no arrastão que a Polícia Federal promoveu para prender os envolvidos no esquema dos sanguessugas, ele foi um dos primeiros.
Freqüentemente, ao serem acusados, os evangélicos reagem com a afirmação de que são vítimas de perseguição religiosa. Foi o que disse Rodrigues quando o então deputado Roberto Jefferson denunciou a participação dele no mensalão. Agora também se repetem comentários deste tipo.
Afirma-se que o alto número de arrolados seria vingança do deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), da CPI dos Sanguessugas. Defensor de propostas liberalizantes na área dos costumes, como a regulamentação da profissão de prostituta e a parceria entre homossexuais, Gabeira sempre foi atacado pelos evangélicos.
O deputado Pastor Reinaldo (PTB-RS), vice-presidentes da frente evangélica, não descarta a hipótese de perseguição de Gabeira; e insiste que o fato de o parlamentar ter sido incluído na lista não significa que seja culpado. Por outro lado, acredita, o escândalo pode estimular igrejas a reforçar suas comissões de ética: “Esses episódios nos entristecem. A maioria dos evangélicos que vieram para cá tinha o propósito de trabalhar com ética e moralidade. Infelizmente a carne fraquejou. É lamentável, mas aconteceu.”
Apesar do escândalo, os evangélicos mantêm a meta de dobrar o número de deputados este ano. De acordo com estudioso Ari Pedro Oro, do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, algumas igrejas, especialmente a Universal, costumam dizer aos fiéis que a presença do demônio é tão forte no Congresso que até homens enviados por Deus sucumbem: “Em seguida dizem que é preciso reagir ao demônio, enviando homens mais fortes e em maior quantidade.”
João Batista, o das malas, é um dos citados
A Igreja Universal do Reino de Deus foi atingida de várias maneiras pela CPI dos Sanguessugas. Além de reunir quase todos os representantes daquela denominação religiosa na Câmara, a lista de notificados pela CPI inclui alguns notáveis.
Lá encontra-se o presidente da igreja, deputado João Batista – o mesmo que foi preso pela Polícia Federal em julho do ano passado, num hangar da TAM, quando tentava embarcar num avião com sete malas cheias dinheiro. Afastado na época do PFL, hoje ele está filiado ao PP de São Paulo.
A lista também inclui a irmã do fundador da igreja, a deputada Edna Macedo (PTB-SP). Ela aparece no grupo dos parlamentares que teriam recebido em dinheiro do esquema de superfaturamento de ambulâncias. O filho dela, Otávio Bezerra, foi preso no início da Operação Sanguessuga, acusado de corrupção passiva e formação de quadrilha. Ao defendê-lo na Câmara, Edna chorou.
Evangélico lamenta atitude de colegas de bancada
Integrante da Frente Parlamentar Evangélica, o deputado Walter Pinheiro (PT-BA), que não se envolveu no caso, lamentou que parlamentares que se dizem evangélicos tenham participado de um esquema de corrupção. Pinheiro acredita que o fato de parlamentares apontados como cabeças do esquema — caso de Lino Rossi — serem evangélicos facilitou a abordagem à bancada:
“A tendência era atrair as pessoas mais próximas deles. Claro que isso também não justifica. Por que nunca me procuraram? Sabiam que jamais eu entraria numa dessa”.
Os deputados evangélicos fazem culto toda quarta-feira mas apenas metade da bancada, cerca de 30, participa. Pinheiro comentou essa relação da política com a religião:
“Muitos desses políticos encostam na igreja e a transformam num curral eleitoral, o que é inadmissível. Eles não mancham apenas o Evangelho, mas toda a igreja, que é quem vai pagar pelos seus atos”.
Ambulância sai de garagem apenas duas vezes por mês
Além de superfaturamento, há ociosidade na utilização das ambulâncias adquiridas por entidades filantrópicas. O Reencontro Obras Sociais, de Niterói, comprou três ônibus equipados para tratamento médico e odontológico e três ambulâncias com dinheiro repassado pelo Ministério da Saúde, mas a frota só sai da garagem duas vezes por mês.
“Não temos dinheiro para contratar médicos e dentistas”, afirma o presidente da instituição, Samuel Fiúza. Ele diz que assumiu a direção no ano passado e encontrou os veículos lá. A entidade recebeu R$ 809,9 mil do Fundo Nacional de Saúde de 2002 a 2004.
No depoimento que deu à Justiça Federal, Luiz Antonio Vedoin, proprietário da Planam, empresa que fornecia as ambulâncias superfaturadas, disse que pagou comissão de R$ 12 mil ao presidente da Reencontro, no começo de 2005, e que o dinheiro foi entregue, em mãos, pelo representante da empresa no Estado do Rio, Nylton Simões.
Segundo Samuel Fiuza, o presidente da entidade, na época, era o pastor batista Nilson do Amaral Fanini. O conhecido pastor teve um canal de TV no Rio de Janeiro, que hoje pertencente à Rede Record.
O advogado do pastor Nilson do Amaral Fanini, Silva Neto, negou a acusação de Vedoin de que seu cliente teria recebido R$ 12 mil na compra de ambulâncias. Segundo o advogado, Fanini estava em tratamento médico nos Estados Unidos no período apontado pelo empresário.
Condenação do TCU
Outra entidade filantrópica do Rio de Janeiro acusada por Vedoin de receber comissão na compra de ambulâncias é o Sase –Serviço de Assistência Social ao Evangélico, dirigido pelo pastor presbiteriano Isaias de Souza Maciel.
Essa entidade foi condenada pelo TCU, em 1999, por desvio de dinheiro recebido do extinto Ministério da Ação Social. No processo,consta que ela recebeu o equivalente a US$ 348,54 mil, mas não comprovou a aplicação de um quarto dos recursos. O processo está em fase de execução de cobrança, segundo o TCU.
Nos últimos dois anos, o Sase recebeu do Fundo Nacional de Saúde R$ 1 milhão para compra de ambulâncias e R$ 400 mil para equipamentos hospitalares. Em depoimento, Vedoin citou nominalmente o pastor Isaias como tendo recebido R$ 12 mil de comissão.
O pastor marcou entrevista com a Folha de São Paulo no escritório da Ordem dos Ministros Evangélicos do Brasil, no centro do Rio, mas não compareceu ao encontro.
O assessor executivo do Sase, pastor Carlos Cortes, negou que a acusação de Vedoin contra o presidente da entidade tenha fundamento. Ele disse que várias empresas disputaram as licitações das ambulâncias e que o Sase é uma entidade com tradição na área médica, com cerca de 4.000 atendimento pelo SUS (Sistema Único de Saúde) por dia.
Confira os nomes dos evangélicos acusados e quanto receberam
João Mendes de Jesus (PSBRJ) — No fim de 2004, recebeu R$ 40 mil, em 2005 mais R$ 45 mil e em 2006 outros R$ 70 mil. Sempre em dinheiro.
Magno Malta(Senador PL-ES) — Fez pessoalmente um acordo com o senador, prometendo 10% sobre uma emenda de R$ 1 milhão. Como “adiantamento”, entregou ao parlamentar um carro Fiat Ducato, mas Magno Malta descumpriu o acordo e não apresentou a emenda.
Marcos de Jesus (PFL-PE) — Ganhou R$ 24 mil, dos quais a metade em dinheiro, no próprio gabinete.
Pastor Amarildo (PSC-TO) — Também falou diretamente com os prefeitos sobre as fraudes. Ganhou um microônibus com palco para usar na campanha. A contabilidade registra dois repasses de R$ 30 mil no total. Tem emendas acompanhadas pelos empresários dos esquemas.
Agnaldo Muniz (PP-RO) — Recebeu R$ 10 mil de propina, na conta de Floripes Santos.
Bispo Wanderval (PL-SP) — Ganhou R$ 50 mil na conta de um assessor. Outros R$ 50 mil foram pagos a uma concessionária em Brasília como parte do pagamento de uma BMW comprada pelo parlamentar.
Almir Moura (PFL-RJ) — Ganhou R$ 20 mil, pagos no estacionamento de um restaurante no Rio. É radialista e ministro evangélico.
Almeida de Jesus (PL-CE) – No livro caixa eletrônico da Planam, é atribuído ao deputado um repasse de R$ 10 mil por intermédio de um terceiro. “Dep. Almeidinha de Jesus – CE”, informa a planilha. Está sob investigação em inquérito no Supremo. Membro e Obreiro da Igreja Universal do Reino de Deus.
Neuton Lima (PTB-SP) – Nos grampos, Luiz Antônio informa a seu pai que mandou “dez” (R$ 10 mil) para o deputado. Foi coordenador da bancada Parlamentar da Igreja Assembléia de Deus (1999-2002).
Jefferson Campos (PTB-SP) – Em novembro de 2005, o deputado liga para Darci Vedoin marcando um encontro. Outros empresários do esquema demonstram, nas escutas, conhecer o deputado. É radialista, advogado, e Ministro do Evangelho. Foi secretário de Ação Política do Estado de São Paulo.
Edna Macedo (PTB-SP) – As escutas mostram contato constante e direto da deputada com a quadrilha. Luiz Antônio pede (e obtém) os dados bancários de Otávio Bezerra, filho de Edna, preso na Operação Sanguessuga. É irmã do bispo Edir Macedo da Igreja Universal do Reino de Deus.
João Batista (PP-SP) – Há referência, nas escutas, a um suposto pagamento de R$ 5 mil para “Marcelo do João Batista”. De fato, o deputado tem em seu gabinete funcionário com esse nome. Os grampos mostram que Darci teria agendado encontros com o deputado e que acompanhava de perto suas emendas. Está em seu primeiro mandato político.
Lino Rossi (PP-MT) – Conforme a planilha contábil da Planam, teria recebido R$ 26,6 mil. Nas escutas da PF, o deputado ajuda o esquema: indica Darci Vedoin a dirigentes da Assembléia Legislativa de Mato Grosso, que deseja comprar ambulâncias. “Um negócio bom”, diz ele. É investigado em inquérito do STF. É radialista e apresentador de televisão.
Isaías Silvestre (PSB-MG) teria recebido R$ 82 mil, segundo Vedoin
Vieira Reis (PRB-RJ) – Teve um funcionário seu __ Cristiano de Souza Bernardo _- preso da Operação Sanguessuga. Conforme os documentos da PF, os integrantes do esquema tinham as senhas pessoas do deputado para acompanhar emendas na Saúde. Reis é radialista está em seu primeiro mandato político.
Carlos Nader (PL/RJ) – Vedoin conta que ele exigiu propina até de um negócio que não deu certo, com um hospital do Rio. Foram R$ 32 mil,em espécie, no gabinete. Depois, recebeu R$ 40 mil de adiantamento por emendas, mas “revendeu-as” a um concorrente de Vedoin.
Embolsou mais R$ 72 mil.
Paulo Baltazar (PSB-RJ) – Na contabilidade da Planam, os repasses para o deputado e alguns assessores somam R$ 87,5 mil somente entre 2001 e 2002. Está sob investigação formal no STF. 42. Deputado Paulo Feijó (PSDB-RJ) – Contabilidade registra R$ 15 mil em repasses ao deputado, que também tem o nome de um assessor registrado nas planilhas das empresas do esquema. Enfrenta investigação em inquérito aberto no STF. Está em seu terceiro mandato como deputado federal.
José Divino (PTB-RR) – Os grampos indicam contato direto do deputado com o empresário Darci Vedoin. O número da conta corrente de Divino no Banco do Brasil estava registrado nos arquivos da Planam. Radialista, exerce seu primeiro mandato como deputado federal. Foi vice-líder do PMDB em 2004 e 2005.
Zelinda Novaes (PFL-BA) – Nos grampos, empresários do esquema comentam que falaram com a deputada e eu ela “faz fazer (emendas) também”. Em 2004, o esquema tinha senha para acompanhar pelo menos uma emenda de sua autoria. A deputada foi integrante do Conselho de Ética e presidiu o PFL Mulher
Adelor Vieira (PMDB/SC) – Líder da bancada evangélica. Teria destinado, em 2005, R$ 560 mil para compra de cinco ambulâncias e uma unidade móvel à Sociedade de Assistência Social e Educação Deus Proverá, entidade ligada à sua igreja, a Assembléia de Deus. A verba foi proveniente de emenda individual do orçamento. (Fonte: Tribuna Catarinense)
Nilton Capixaba (PTB-RO) – Na contabilidade da Planam, constam repasses de pelo menos R$ 437 mil atribuídos ao deputado e a seus assessores. Ajudaria a expandir o esquema dentro da Câmara. Tem inquérito aberto no STF. Nilton foi afastado das funções de integrante da Mesa Diretora da Câmara. PPS, PV e PSOL pediram ao Conselho de Ética abertura de processo de perda de mandato por envolvimento no esquema dos sanguessugas.
Heleno Silva (PL-SE) — Recebeu R$ 50 mil de adiantamente, mas Vedoin só ganhou R$ 9,6 mil com suas emendas. Reclama que o deputado andava “esquivando-se dele” para não devolver o dinheiro.
Pastor Jorge Pinheiro (PL/DF)No depoimento prestado à Justiça Federal, Luiz Antônio Vedoin, um dos donos da Planam, afirmou que fez um acordo com Jorge Pinheiro para pagar 10% sobre o valor das emendas que o parlamentar apresentasse na área de saúde. Apresentou emenda ao Orçamento da União de 2004, no valor de R$ 750 mil, visando a destinação de recursos para aquisição de unidades móveis de saúde nos municípios do Entorno. O parlamentar também apresentou uma emenda ao Orçamento de 2005 destinando R$ 510 mil para a aquisição de equipamentos e material hospitalar para a prefeitura de Padre Bernardo (GO).
Cabo Júlio (PMDB-MG) — Fazia reuniões em sua chácara com os prefeitos e a Planam. Recebeu 14 pagamentos na própria conta bancária. Recebeu R$ 83 mil. Outro depósito, de R$ 2 mil, foi para “comprar um presente de aniversário para o deputado”. (Fonte: Globo Online)
Gilberto Nascimento (PMDB-SP) — Reclama que o deputado não cumpriu o combinado. Por isso, não pagou nada. (Fonte: Globo Online)
Josué Bengston (PTB-PA) – Não tinha percentual fixo de propina, mas recebia “ajuda”. Dois pagamentos de propina, no total de R$ 39 mil foram feitos em nome da Igreja do Evangelho Quadrangular para “construção de um templo”.Também recebeu dinheiro na
própria conta.
Marcos Abramo (PP – SP) – Ganhou R$ 54 mil em dinheiro, numa reunião no Hotel Meliá
Raimundo Santos (PL – PA) – Fez um acordo pessoal para receber 10% do valor das emendas. Parte do pagamento da propina teria sido paga a Ubiratan Lovelino Filho, um “agiota do Pará a quem o parlamentar estaria devendo”. Para disfarçar, quem fez os depósitos foi um motorista de Vedoin. O deputado indicou contas de assessores para os outros depósitos. Reclama que pagou R$ 104,6 mil a mais que o combinado e que o deputado não devolveu o “empréstimo”.
Reginaldo Germano (PP –BA) – Recebia 10%. Sua assessora, Suelene, falava com as prefeituras para direcionar os contratos. Entre os pagamentos,um de R$ 15 mil foi feito na conta do deputado, em 23/12/2005.
Fonte: Estadão, Agência Norte de Notícias, Globo Online e Amarribo.org.br