Pessoas segurando suas carteiras de trabalho
Pessoas segurando suas carteiras de trabalho

O Brasil tem passado por uma transformação religiosa: está deixando de ser majoritariamente católico e se tornando um país multirreligioso, com mais adeptos de religiões de matriz africana, espírita ou evangélica. No caso do último ramo, o evangelismo pentecostal tem ganhado destaque. Segundo dados do IBGE, o número de evangélicos tem crescido no Brasil e deve ultrapassar o número de católicos em 2032.

Pesquisadores da UFMG que integram o projeto Religião e empregabilidade – a força dos laços fracos e fortes em grupos religiosos pentecostais acabam de divulgar suas primeiras análises. Segundo eles, o mercado de trabalho brasileiro está acompanhando a mudança do perfil religioso no país.

“Percebemos que as camadas mais pobres da população e pessoas pretas e pardas que são evangélicas conseguem, por meio de suas filiações religiosas e dos engajamentos em suas igrejas, moderar as desvantagens no mercado de trabalho. Isso mostra que o vínculo com a comunidade de fé está criando um mecanismo que propicia ganhos e oportunidades para essas pessoas”, resume o professor Silvio Salej, do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da UFMG.

O estudo foi feito com base em entrevistas realizadas em três capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Salej conta que, quando os entrevistados eram questionados a respeito de auferirem rendimentos advindos do trabalho, aqueles que se autodeclaravam pretos ou pardos tinham mais chances de não conseguirem rendimentos que os que se declaravam brancos. Considerando o gênero dos entrevistados, a chance de as mulheres não possuírem rendimentos também era maior.

No entanto, ao cruzarem essas informações com a religião dos entrevistados, os pesquisadores perceberam que pretos e pardos que se declaravam evangélicos, além de mulheres evangélicas, aumentavam suas chances de terem trabalho. “Isso era algo que já imaginávamos, mas o estudo deixou nítidos os efeitos da raça e da religião no acesso a oportunidades de trabalho. Elas são melhores para pretos, pardos e mulheres evangélicos”, diz Salej.

Segundo o professor Jorge Alexandre Barbosa Neves, também do Departamento de Sociologia da Fafich e participante do estudo, inicialmente o grupo acreditava que a igreja evangélica pentecostal funcionaria como uma rede social, tornando as redes de acesso ao emprego mais sofisticadas para pretos, pardos e mulheres. Porém, as hipóteses mudaram ao longo do estudo, passando a relacionar-se à raça e ao gênero.

“É sabido que participar de igrejas evangélicas eleva a chance dessas pessoas no mercado de trabalho, mas ainda não sabemos quais mecanismos estão envolvidos nesse processo. Temos, então, duas hipóteses. No caso da raça, parte das desvantagens se deve à discriminação. A pessoa que inicialmente carregava o ‘rótulo negativo’ de ser negro passa a carregar o ‘rótulo’ de evangélico. Assim, o novo ‘rótulo positivo’ anularia o efeito do negativo”, explica Jorge Neves.

A segunda hipótese dos pesquisadores está relacionada ao gênero. Neves destaca que os mecanismos de discriminação são diferentes para raça e gênero, e, no caso das mulheres, a literatura do campo mostra que a participação na igreja leva ao empoderamento na arena pública, o que acaba impulsionando a taxa de participação feminina mulheres no mercado de trabalho. “Elas são empoderadas pela igreja e se tornam mais motivadas e até capacitadas”, diz.

Salej acrescenta que o entendimento dos mecanismos de circulação das oportunidades de trabalho pode servir como instrumento para o governo elaborar estratégias para grupos menos favorecidos. “Nos grupos estudados, vimos que as oportunidades não estão nos mecanismos formais, mas no chamado boca a boca. Em trabalhos informais e de ganhos mais baixos, o boca a boca e as relações interpessoais são muito importantes. Dessa forma, as estratégias de inserção no mercado de trabalho precisam levar em conta esses mecanismos informais de difusão de informação.”

Silvio Salej e Jorge Neves: religião interfere na dinâmica socioeconômica (Foto: Raphaella Dias | UFMG)

Guinada religiosa

A pesquisa, que foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), usou a técnica de amostragem probabilística. Foram aplicados 300 questionários em cada uma das cidades selecionadas, e os setores censitários foram definidos levando em conta as características demográficas específicas das regiões.

Como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística não aplicou o censo em 2020, os pesquisadores extraíram informações de diferentes fontes para dimensionar a população evangélica brasileira – uma delas é a World Value Survey, pesquisa mundial de 2017. Salej conta que o grupo ainda não explorou todos os dados obtidos, e o estudo ainda vai gerar novas informações para o entendimento de como e por que o Brasil está se transformando no campo religioso.

“A religião precisa ser considerada no contexto atual do Brasil. Para explicarmos a crise econômica e política no país, é necessário entender a guinada religiosa que ocorreu aqui, pois éramos uma nação majoritariamente católica que está se tornando plurirreligiosa e com lideranças evangélicas cada vez mais destacadas. São questões relevantes que podem mudar o curso do nosso país”, conclui.

Fonte: Universidade Federal de Minas Gerais

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