Atualmente, com o crescimento dos evangélicos no país, surgem templos para as mais diferentes tribos urbanas, que vão dos adeptos do heavy metal aos lutadores de jiu jitsu e surfistas. São igrejas voltadas para públicos que se diferenciam pelo visual, como tatuagens e o uso de piercings. Uma aparência que, muitas vezes, incomoda o conservadorismo presente no catolicismo e nas tradicionais denominações evangélicas.
Quando a Igreja Católica surgiu, no primeiro século depois de Cristo, a religião era vista de uma forma muito conservadora pela sociedade. No Brasil, a tradição da fé católica perdurou e, até o século XIX, era a única reconhecida oficialmente. Naquela época, quem não era católico não podia trabalhar para o Estado. Entretanto, os outros cultos eram permitidos, desde que não fossem praticados dentro de edificações cujas arquiteturas lembrassem uma igreja.
De acordo com a antropóloga e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Léa Freitas Perez, o surgimento dessas novas igrejas é uma expressão religiosa de um fenômeno cultural contemporâneo. É o chamado pluralismo da religião. “A religião, como qualquer outro elemento da cultura, precisa se adaptar ao tempo. Isso é importante para o fortalecimento da crença. As igrejas tradicionais perdem fiéis porque não se adaptam às mudanças do tempo”, explica.
O fato de compartilharem da mesma fé e gostarem de rock’n roll, usarem roupas pretas e terem cabelos grandes foi um dos motivos que levou um grupo de jovens a criarem sua própria igreja: a Caverna de Adulão, que, desde 1992, funciona em Belo Horizonte. “A caverna surgiu da necessidade de se compartilhar a mensagem do evangelho com uma geração de jovens que era rejeitada nas igrejas oficiais por questões culturais”, explica o pastor Geraldo Luiz da Silva.
É entre os evangélicos que surgem as propostas de igrejas flexíveis. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, uma prancha de surfe virou púlpito para uma igreja descolada: a Bola de Neve, criada inicialmente para os surfistas. Em Fortaleza, há cerca de um ano, a Igreja Evangélica Congregacional desenvolve um projeto com alunos de jiu jitsu. No local, os jovens “Lutadores de Cristo” rezam, sobem no tatame para lutar e assistem à pregação do pastor.
“Essa foi a maneira que encontramos para alcançar os jovens que nunca entraram em uma igreja. Aqui pregamos a paz, e uma das nossas regras de conduta é não se envolver em brigas nas ruas”, diz o coordenador do projeto, lutador e seminarista Elder Pinto.
A diversidade de igrejas mostra que a religiosidade é nômade. “As igrejas que mais têm sucesso são aquelas receptivas, festivas, que não exigem uma exclusividade dos fiéis”, diz a antropóloga Léa Perez.
Bateria, baixo, tatuagens, piercings e muito amor a Deus
Cânticos em ritmo de rock, ao som de bateria e baixo, dão início ao culto na igreja Caverna de Adulão. Aos poucos, os jovens e casais com tatuagens no corpo, piercing no nariz e alargadores de orelha começam a chegar. Com uma linguagem informal, o pastor Magno Vieira começa a pregação do Evangelho. “É o maior barato a vida com Jesus. Sabemos que erramos, somos vacilões, mas estamos aqui para perdir perdão”, diz.
A reunião da comunidade cristã é realizada nas noites de quarta-feira e domingo na rua Aimorés, no bairro Funcionários, na região Centro-Sul de Belo Horizonte.
Há 17 anos, o historiador e tatuador Giordano Augusto Toniolo, 29, se tornou um frequentador assíduo da Caverna de Adulão. “Eu me converti muito cedo, aos 8 anos de idade. Comecei a frequentar a caverna junto com meus irmãos, em 1992. Aqui, aprendi que o importante para Deus é o nosso interior, e não o visual que temos”, afirma.
Para Toniolo, o grande diferencial da comunidade é a simplicidade no relacionamento com o próximo, sem discriminação. “Todos são recebidos de braços abertos, desde skinheads até travestis”, ressalta.
Entre o público que frequenta a Caverna de Adulão, além dos adeptos do heavy metal, estão homens e mulheres sem o visual estereotipado. “Não estamos preocupados com costumes. As pessoas só precisam mudar seu coração e não o jeito de vestir para estar perto de Jesus”, diz o pastor Vieira.
Avalanche de surfistas leva o Evangelho aos quatro cantos
Na Igreja Bola de Neve, com sede em São Paulo, a prancha de surfe virou marca registrada. Em um altar despojado, ela serve de púlpito para a Bíblia. A comunidade foi criada há dez anos pelo surfista Rinaldo Luiz de Seixas Pereira, 37, que se tornou evangélico após contrair hepatite, em 1992.
“O púlpito em forma de prancha foi algo que aconteceu por acaso. Os nossos primeiros encontros eram realizados no salão de uma loja de materiais para surfistas. Não tínhamos uma mesa para colocar a Bíblia e improvisamos uma prancha”, explica Seixas, que hoje também é pastor.
De acordo ele, a igreja surgiu com o objetivo de aproximar os jovens da religião. Hoje, o cultos na comunidade são embalados com músicas de louvor em ritmo de reggae e rock. “A Bola de Neve leva a mensagem do Evangelho de uma forma descontraída. Aqui, a palavra de Deus é pregada para um público alternativo, com uma linguagem mais informal. Esse é o nosso grande diferencial”, diz.
Atualmente, a Bola de Neve paulistana realiza cinco cultos por semana e reúne um público de 2.500 pessoas, de 20 a 35 anos, entre surfistas, jogadores de futebol e adeptos de outros esportes.
E a aceitação da igreja tem crescido. Hoje, ela está em sete países, além do Brasil: Austrália, Peru, Índia, Rússia, Canadá, Estados Unidos e Espanha. Em todos, conforme Seixas, um dos princípios é levar a palavra do Evangelho a todas as pessoas, sem discriminação de cor ou classe social.