Os esforços para expandir grandemente o tratamento para combater o vírus da Aids em países pobres não estão alcançando uma ampla maioria de crianças que precisam dele, disse uma autoridade da Organização Mundial de Saúde na quarta-feira (16/8).

A autoridade, Kevin M. de Cock, que dirige o programa de Aids da organização, disse que em torno do mundo estima-se que 2,3 milhões de crianças de 15 anos ou menos estão infectadas com o vírus HIV que causa a Aids e que 800.000 precisavam de drogas anti-retrovirais para ficarem vivas.

Das 800.000, apenas de 60.000 a 100.000 estão recebendo os medicamentos.
Enquanto as crianças contabilizam 14% das mortes por Aids, são apenas 6% de todos que recebem drogas anti-retrovirais. Muitas das crianças são órfãs.

“Precisamos concluir que a expansão do programa até agora deixou as crianças para trás”, disse Cock em uma palestra da 16ª Conferência Internacional da Aids, que contou com 24.000 participantes. Seus comentários atraíram revisão extensiva do progresso em esforços para aumentar o tratamento anti-retroviral.

Ao mesmo tempo, Cock disse, menos de 10% das mulheres grávidas com HIV em países pobres estão recebendo o regime de remédios que pode prevenir a transmissão do vírus da Aids para os recém nascidos. Por contraste, países ricos virtualmente eliminaram a Aids pediátrica.

Cock também descreve uma iniqüidade no tratamento anti-retroviral para usuários de drogas injetáveis, particularmente na Europa Oriental e Ásia Central. Ali, esses usuários são mais de 70% das pessoas infectadas com HIV, mas cerca de um quarto recebe o tratamento.

“Uma prioridade urgente é aumentar o acesso à terapia anti-retroviral para crianças, especialmente na África subsaariana e usuários de drogas injetáveis em todo o mundo”, disse Cock.

Ele também disse que o número de mulheres em tratamento nos países em desenvolvimento era proporcional ao índice de infecção feminino e até mais e m alguns lugares. Mas em uma entrevista, acrescentou que o acesso das mulheres ao tratamento continuado pode ainda estar inibido.

Das 38,6 milhões de pessoas com HIV, cerca de 6,8 milhões em países de baixa e média renda devem morrer nos próximos dois anos na ausência dos remédios. Dessas, cerca de 1,7 milhões agora estão em tratamento, disse Cock, mas para muitas será tarde demais para ter o pleno benefício das drogas.

O milhão que hoje recebe a terapia na África é 10 vezes o número que estava sendo tratado em dezembro de 2003. Mesmo assim, esse número é 2 milhões a menos que o estabelecido por Lee Jong-Wook como objetivo quando se tornou diretor geral da organização de saúde, em 2003. O alvo era tratar 3 milhões até o fim de 2005, em um programa chamado “três por cinco”.

Desde a morte inesperada de Lee, em maio, seus defensores disseram que merecia crédito por sua visão em forçar o mundo a levar a terapia anti-retroviral para os pobres do mundo.

“O três por cinco não foi um fracasso”, disse Ruth Nduati, epidemiologista da Universidade de Nairóbi no Quênia em uma conferência com a imprensa. Ela acrescentou que os atuais esforços não teriam sido possíveis sem o “chamado à ação do três por cinco”.

Perguntado se o objetivo de tratar três milhões de pessoas poderia ser alcançado, Cock disse que não queria estabelecer data e número. O primeiro milhão de pacientes é mais fáceis de alcançar, disse ele, porque os programas de expansão começam pelas cidades, onde há número relativamente amplo de pacientes.

Alcançar pessoas em áreas rurais em países pobres “é uma tarefa mais difícil e pode demorar mais”, disse Cock.

Além disso, é necessário um quadro de funcionários treinados para ministrar o tratamento, e existem poucos profissionais em muitos países pobres.

Mesmo assim, o sucesso até agora contradiz concretamente o pessimismo expressado por muitas autoridades nos últimos anos.

Em 2001, por exemplo, Andrew S. Natsios, então administrador da Agência Americana de Desenvolvimento Internacional, provocou críticas no mundo todo quando declarou que o tratamento na África não ia funcionar porque as drogas tinham que ser tomadas em intervalos certos, e os africanos “não sabem o que é o horário ocidental. Muitas pessoas nunca viram um relógio em todas suas vidas.” Muitos críticos também disseram que o HIV ia desenvolver uma resistência às drogas se as pessoas nos países pobres não as tomassem conforme recomendado. Cock disse que a Organização Mundial de Saúde está avaliando a resistência a drogas entre pacientes recebendo a terapia e que a informação estaria disponível até o final do ano.

Em uma entrevista na quarta-feira, Mark R. Dybul, coordenador global da Aids dos EUA, disse: “Três anos atrás, as pessoas falavam em como a terapia anti-retroviral não era eficaz para seu custo, e agora a conversa é sobre como podemos fazer mais.”

Defensores de maior disponibilidade da terapia anti-retroviral dizem que as drogas contra a Aids salvaram mais de três milhões de anos de vida só nos EUA.

Mas, advertiu Dybul: “Não garantimos bilhões de dólares e precisamos trabalhar” para obter mais fundos. “Há muitas prioridades importantes no mundo.”

Cresce envolvimento de comunidades de fé no combate à Aids, mas ainda há muito a ser feito

Líderes religiosos destacaram, na Conferência Internacional AIDS 2006, que as organizações baseadas na fé fizeram progressos desde a conferência anterior, reunida em Bangkok, há dois anos, mas ainda há muito a ser feito para que os objetivos ali fixados sejam atingidos. Eles propuseram a integração de pessoas soropositivas, que os líderes religiosos se submetam publicamente ao teste do HIV e informem o resultado.

Muitas igrejas na República Dominicana estão cumprindo os compromissos estabelecidos em Bangkok, disse o integrante da Missão Evangélica Batista Independente, Dulce Alejo Espinal. As igrejas implementaram ministérios que acompanham as pessoas portadoras do HIV e oferecem apoio aos órfãos. Contudo, para uma minoria de igrejas ainda é difícil superar a estigmatização dos afetados pela pandemia.

Também no Nepal verifica-se uma mudança positiva de atitude depois do encontro de Bangkok, assinalou Bishnu Ghimire, do Conselho Inter-Religioso do Sudeste Asiático. Não somente hindus, mas também cristãos e muçulmanos se sensibilizaram, e os líderes religiosos começaram a se fazer ouvir, a pregar e a designar recursos para responder à pandemia. Alguns religiosos, contudo, ainda relacionam HIV com o pecado, e há uma certa tendência a privilegiar a pregação antes da educação preventiva.

O diretor do Colégio Budista de Chiang Mai, Phramaha Boonchuay Doojai, falou da participação dos monges budistas da Tailândia em atividades educativas de prevenção, inclusive na formação de aspirantes a monges e na orientação pastoral oferecida em hospitais e em casas de família. Também no Laos e no Vietnã existem exemplos de respostas positivas. Doojai admitiu, no entanto, dificuldades para mudar atitudes tradicionais.

O presidente da Igreja Evangélica Luterana na América e da Federação Luterana Mundial, bispo Mark Hanson, afirmou que os cristãos demonstram cada vez mais a coragem de seguir Jesus Cristo e, em obediência a ele, chegar às pessoas as quais não chegariam de outra maneira. Ao fazê-lo, a convergência entre denominações cristãs é crescente. Hanson assinalou que as igrejas devem arrepender-se e confessar sua cumplicidade ao permitir que o estigma e a discriminação persistam, bem como seu erro ao não escutar nem aceitar a liderança de pessoas que vivem com o HIV.

O fundador da organização sul-africana Muçulmanos Positivos (Positive Muslims), professor Farid Esack, falou sobre as inquietações crescentes e a mudança de atitude na comunidade global muçulmana durante os dois últimos anos e de alguns avanços em países como o Egito, Malásia e Marrocos. Esack também afirmou que os muçulmanos ainda estão na etapa de sentir pena ou, no máximo, compaixão pelos afetados. Ainda não chegam a integrá-los ou a encarar o problema como uma questão de injustiça, que clama pela transformação de estruturas e de comunidades.

O caminho a seguir

De nada serve mais educação e mais pregação se não se tratar da pregação e da educação apropriadas, declarou o presbítero anglicano Johannes Petrus Heath, secretário geral da Rede africana de líderes religiosos que vivem com ou estão pessoalmente afetados pelo HIV ou AIDS (ANERELA+ a sigla em inglês). As comunidades de fé têm que aceitar o fato de que as pessoas que vivem com o HIV fazem parte delas, e trabalhar por sua integração total.

Hanson sugeriu que, sem deixar de constituir espaços de formação moral, as comunidades religiosas devem ser também locais onde se instrua sobre práticas de sexo seguro e onde as pessoas que vivem com o HIV sintam-se como se estivessem em casa. Também propôs que os líderes religiosos se submetam publicamente a testes de HIV e divulguem os resultados como forma de combater o estigma e a discriminação com mais eficácia.

Segundo Esack, para terminar com o enfoque discriminatório “nós versus eles” em relação às pessoas que vivem com o HIV, as comunidades de fé devem aceitar uma autotransformação. Ele lembrou que os fundadores de religiões nunca se preocuparam com a sobrevivência das comunidades, mas antes com a solidariedade com os pobres e questionar o poder quando ele não servir à justiça.

Fonte: The New York Times e ALC

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