Um estudo dos economistas Francisco Costa, Angelo Marcantonio e Rudi Rocha revelou que crises econômicas têm impulsionado a expansão da população evangélica no Brasil, com reflexos sobre a balança política, pois esse movimento favorece a eleição de candidatos ligados a essa fé.
Pela primeira vez, o estudo aferiu o impacto da abertura comercial dos anos 1990 em diferentes regiões do país sobre as preferências religiosas da população.
A hipótese dos autores é que os brasileiros adversamente atingidos por crises se tornam mais suscetíveis à forte retórica religiosa de cura dos problemas pela fé apresentada pelas religiões evangélicas.
Simulação feita pelos autores a pedido da Folha de S. Paulo indica que problemas como o aumento do desemprego e a queda da renda nas áreas afetadas pelo choque econômico explicam um crescimento de cerca de 10% no número de adeptos a denominações como as pentecostais e neopentecostais, entre 1991 e 2000.
Isso representou a adição de 1,3 milhão novos evangélicos apenas naquela década.
Os pesquisadores conseguiram mensurar a queda salarial explicada apenas pelo choque da abertura comercial ao comparar o que ocorreu com a renda e o desemprego em diferentes regiões do país, descontando o impacto de fatores como educação, gênero e idade entre 1991 e 2000.
A partir da conta, calcularam o quanto a redução de rendimento afetava a expansão da população evangélica.
Sua conclusão foi que, para cada 1% de queda esperada da renda, a adesão ao pentecostalismo cresceu 0,8%, nos anos 1990. Em termos estatísticos, é um efeito significativo.
A pesquisa mostra ainda que parte dos evangélicos convertidos pela crise é dissidente do catolicismo, que, embora ainda seja a religião dominante no Brasil, vem encolhendo.
Para Costa, que é professor da FGV EPGE (Escola de Economia e Finanças da FGV), as conclusões relacionadas à esfera política chamam a atenção para um risco sobre o qual o país precisa refletir:
“Mesmo em estados democráticos laicos, como o Brasil, esses choques econômicos abrem espaço para o florescimento de grupos religiosos partidários que podem levar ao retrocesso de valores democráticos que possibilitaram sua ascensão”.
Para os dois economistas, é possível inferir que outros eventos recessivos das últimas décadas no Brasil tenham contribuído tanto para alimentar o contínuo crescimento da população evangélica quanto para alavancar sua representação política.
“O que descobrimos ao fazer essa pesquisa parece bater muito com o voto recente no [presidente Jair] Bolsonaro”, diz Rocha.
O capitão reformado foi eleito em 2018 com forte apoio da bancada evangélica, em um período em que o Brasil vivia uma lenta recuperação econômica após uma das recessões mais severas da história.
A percepção de que a necessidade de apoio espiritual e atenção individual aumenta em momentos de crise pode estar contribuindo para a criação de novas igrejas.
Foi o que motivou Gilson Alves, por exemplo, a criar a Igreja Apostólica Livres para Adorar, de orientação neopentecostal, no bairro do Capão Redondo, em São Paulo, há quatro anos. “Vi que era mais fácil acolher as pessoas em um ministério pequeno”, diz.
Antes disso, Alves —conhecido como bispo Gilson— foi ligado às denominações Paz e Vida e Mundial.
Além dos 40 frequentadores assíduos, os cultos no salão instalado no primeiro andar de sua própria casa recebem outros visitantes ocasionais, como um casal de venezuelanos refugiados que esteve na igreja recentemente.
“Somos procurados por pessoas com problemas como alcoolismo, drogas e dificuldades financeiras”, afirma bispo Gilson, que, além de administrar a igreja, cuida dos três filhos pequenos, enquanto sua mulher trabalha como empregada doméstica.
RELIGIÃO AVANÇA NO MUNDO POR OFERECER UMA REDE DE PROTEÇÃO
O fenômeno de expansão de religiões evangélicas não é exclusividade do Brasil. Pesquisas mostram que essa é uma das denominações cristãs que mais crescem no mundo.
No país, ministérios como o fundado por bispo Gilson fazem parte de uma terceira onda de renovação do movimento evangélico, iniciada nos anos 1970. Rocha, Costa e Marcantonio ressaltam que essas igrejas se destacam por sua interpretação mais literal dos textos sagrados.
Segundo especialistas, a rede de apoio criada pelos evangélicos e a abordagem feita nos cultos sobre os problemas do dia a dia ajudam a explicar a atração de novos adeptos em crises econômicas.
“Faz muito sentido [a conclusão do estudo]. Os brasileiros de posições mais conservadoras se sentem muito isolados nos centros urbanos. Os evangélicos são uma exceção porque têm a igreja”, diz Breno Barlach, gerente de projetos da consultoria Plano CDE.
Segundo ele, que coordenou um estudo feito neste ano sobre o perfil dos conservadores brasileiros, os templos se tornaram tanto um espaço de convivência como de troca.
“É ali que o pequeno empreendedor constrói sua rede de contatos, que a mulher, deslocada do mercado de trabalho, se torna vendedora”, afirma.
A participação nessa rede —que os estudiosos do tema chamam de clube— exige uma contrapartida elevada dos participantes. “Você não pode se dizer evangélico se não frequenta assiduamente os cultos”, diz Barlach.
Mas, como ressalta Costa, da FGV, o custo de oportunidade dessa escolha despenca durante crises econômicas.
“A queda da renda reduz a capacidade de consumo mundano e torna o consumo etéreo oferecido pela religião mais atraente”, diz.
Para o economista Rodrigo Soares, professor da Universidade Columbia, uma questão suscitada pelo estudo é o papel de outros atores em crises econômicas. “Por algum motivo, as igrejas evangélicas parecem ter exercido um papel que nem o Estado nem a Igreja Católica conseguiram.”
Outro caminho para mais investigações apontado pela pesquisa é a relação entre a expansão da população evangélica e o aumento do voto em políticos associados à religião, segundo o economista Claudio Ferraz, professor da Universidade British Columbia.
Assim como Soares, Ferraz leu o estudo de Rocha, Costa e Marcantonio. Para ele, a pesquisa comprova, de forma sólida, a relação entre a desaceleração da abertura e a conversão ao pentecostalismo.
“A dificuldade vem em saber se um aumento de eleitores pentecostais atraiu políticos ou se políticos e a mídia que dominam têm um efeito de persuasão que aumenta a fatia de pentecostais”, diz.
Desde os anos 1990, o pentecostalismo tem um crescimento significativo no Brasil. Só naquela década, a população evangélica dobrou, de 13,2 milhões para 26,2 milhões.
Como mostra a estimativa feita pelos autores do estudo, parte desse aumento pode ser atribuída às consequências do choque comercial em regiões prejudicadas pela abertura.
Resta identificar outras causas da expansão. Não há dados recentes do Censo sobre preferências religiosas, mas dados do Datafolha indicam que a fatia de evangélicos na população brasileira continuou crescendo. Depois de atingir 22,9% em 2010, voltou a pular, para cerca de 31%, em 2019.
Embora Rocha e Costa acreditem que as dificuldades econômicas recorrentes do país tenham continuado a impulsionar a procura por igrejas pentecostais, o estudo não incluiu uma análise da dinâmica evangélica nos anos recentes.
Para medir a alta no número de adeptos ao pentecostalismo, os autores analisaram os dados até 2010. O impacto político foi mensurado até 2014.
Fonte: Folha de S. Paulo