Os coptas são o grupo que corre o risco de ser mais prejudicado que qualquer outro pelo rumo atual sendo seguido no Egito, após a queda de uma autocracia impopular.

A violência de domingo (9) no Cairo assinala uma novidade de tenebrosa na história da revolução egípcia inacabada. É uma notícia péssima, por várias razões.

Para começar, ela revela de maneira mais inequívoca que nunca o papel dúbio que o Exército vem exercendo. Relatos de testemunhas oculares deixam claro que foram disparos feitos pelo Exército, seguidos pelo esmagamento repetido de manifestantes desarmados por um carro blindado, que converteram uma manifestação pacífica pedindo justiça em um enfrentamento violento que deixou 24 mortos.

As redes do Twitter e Facebook estão fervilhando de teóricos conspiratórios especulando se isso teria sido o Exército buscando desculpas para adiar as eleições, ou se não passou de táticas desajeitadas de controle de multidões por parte de oficiais repressores. De qualquer maneira, é o enfrentamento mais direto entre Exército e manifestantes visto há muitos meses.

Mais especificamente, a violência é péssima notícia para a assediada minoria copta do Egito –a comunidade cristã antiga que compõe entre 10% e 15% dos 82 milhões de egípcios e que é de longe a maior comunidade cristã da região.

Os coptas são o grupo que corre o risco de ser mais prejudicado que qualquer outro pelo rumo atual sendo seguido no Egito, após a queda de uma autocracia impopular. Neste momento eles estão diante de um futuro incerto, com um largo espectro de resultados possíveis, desde uma democracia liberal até uma república islâmica, ou, o que é o mais provável, uma continuação do governo pelo Exército, apenas com fachada diferente.

Há décadas os coptas temiam que o fim do regime de Mubarak pudesse ser seguido por violência sectária. Três anos atrás eu assisti a alguns workshops organizados pelo editor de jornais copta Youssef Sidhom, com o objetivo de preparar seu povo para a ascensão da Irmandade Muçulmana, algo que muitos coptas acreditavam ser inevitável.

Editor do “Watani”, o maior jornal copta do Egito, Sidhom achava que o diálogo entre as duas comunidades religiosas era uma necessidade urgente e que os coptas teriam que aprender a conviver com os islâmicos e chegar a um entendimento com um agrupamento político que eles temiam havia muito tempo.

“Após o êxito dos Irmãos Muçulmanos nas eleições, não podemos mais ignorá-los”, ele me disse em 2008. “Precisamos começar um diálogo, para esclarecer quais são as políticas deles em relação a nós e para acabar com a desconfiança mútua.”

Não é de hoje que os coptas sofrem discriminação mesquinha. Mas o fortalecimento dos islâmicos nos últimos anos deixou a posição dos coptas mais intranquila, e as perspectivas deles, mais incertas, do que estavam havia séculos. Ao longo dos anos 1990, os coptas, especialmente no alto Egito, foram alvos dos guerrilheiros islâmicos do Gama’a Islamiyya.

Desde então, o Gama’a renunciou à violência, e os islâmicos se concentraram em chegar ao poder pelas urnas, coisa encorajada pela política passiva do regime Mubarak em relação ao salafismo. Os coptas reagiram recuando mais e mais para uma postura defensiva sectária, polarizando o país mais ainda.

Uma geração atrás, a maioria dos egípcios escolhia para seus filhos nomes que podiam ser cristãos ou muçulmanos, como Karim ou Adel. Hoje eles tendem a dar a seus filhos nomes como Mohammed ou Girgis (Jorge), que definem sua filiação sectária imediatamente.

Do mesmo modo, a adoção quase universal do hijab pelas mulheres muçulmanas deixou as mulheres coptas expostas e às vezes sujeitas a ameaças e abusos. Diante da polarização e discriminação crescentes, os coptas tendem a formar suas escolas e seus clubes sociais próprios, guardando distância da maioria muçulmana. Isso é algo que foi encorajado muitas vezes pelo clero copta, tão conservador quanto o muçulmano.

Ao mesmo tempo, os coptas viram sua influência política declinar pouco a pouco. Sob o governo Mubarak, ainda havia um governador de província copta e dois ministros coptas. Mas, contrastando com a situação vigente nos tempos de Nasser e Sadat, não há figuras seniores da polícia, juízes, vice-reitores de universidades ou generais militares coptas.

No entanto, mesmo que os coptas enfrentassem alguma discriminação institucional, o próprio Mubarak era em grande medida favorável à comunidade. Ele fez alguns gestos importantes em direção a ela, como converter o Natal em feriado nacional e liberalizar as regras sobre a construção de novas igrejas.

Os coptas tinham plena consciência que, sem ele, as coisas poderiam piorar muito para o lado deles.
Em um primeiro momento as manifestações na praça Tahrir foram um modelo de boa convivência sectária, com manifestantes muçulmanos e cristãos protegendo uns aos outros contra a violência da polícia e dos capangas do regime.

Mas, em meio à incerteza e violência crescentes que se seguiram à queda de Mubarak, vários tumultos anti-coptas de violência crescente explodiram em Cairo e Alexandria, que o Exército fez muito pouco para reprimir. Em março, um pequeno choque em um subúrbio do Cairo terminou com o Exército enviando um xeque salafista para promover uma reconciliação.

Em maio, igrejas foram atacadas por multidões salafistas enfurecidas no subúrbio cairota de Imbaba, depois de serem espalhados rumores de que uma muçulmana teria sido sequestrada por coptas, e salafistas lançaram um chamado no Twitter a seus seguidores para se reunirem em massa e “libertarem uma irmã muçulmana”.

O Exército assistiu sem intervir enquanto igrejas eram incendiadas, fato que incentivou radicais a tomarem a lei nas próprias mãos em outros lugares também. Ontem a mídia controlada pelo Exército foi um passo mais longe, incentivando cidadãos patrióticos a defenderem o Exército assediado pelo que ela descreveu como sendo “uma turba cristã”.

O dilema e os medos dos coptas espelham os das minorias cristãs em todo o Oriente Médio. Assim como o idoso papa copta Shenouda apoiou Mubarak até o momento da queda deste, fosse o que fosse que os coptas individuais estivessem fazendo na praça Tahrir, as igrejas na Síria estão dando apoio público a Assad, mesmo que muitos ativistas cristãos estejam na vanguarda da oposição. As hierarquias cristãs não se esquecem da devastação da comunidade cristã iraquiana.

A repressão violenta pelo Exército de um protesto cristão no Cairo reflete o perigo crescente à minoria copta do Egito desde a queda de Saddam, quando metade da população cristã iraquiana –cerca de 400 mil pessoas– foi forçada a deixar o país em meio a uma onda de pogroms islâmicos.

Teme-se que a primavera árabe possa assinalar o início do derradeiro inverno cristão para os fiéis esquecidos do Oriente Médio. Apenas eleições e o advento de governos democráticos estáveis e solidários em toda a região poderiam abrandar esses temores. Lamentavelmente, essa perspectiva parece ser menos provável a cada dia que passa.

[b]Fonte: Folha.com e Guardian[/b]

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