Ortodoxos, católicos ou protestantes, veem na hipótese de o regime baathista ser derrubado, o risco de que emerja um fundamentalismo muçulmano.
“Somos sírios antes de sermos cristãos”: por muito tempo esse foi o mote da comunidade cristã em Alep, Damasco e Homs, três cidades onde está ancorada. Entretanto, são como membros de uma minoria (de 5% a 10% da população, segundo estimativas) preocupada com sua sobrevivência que muitos cristãos parecem estar reagindo, desde o início dos protestos na Síria, no dia 15 de março.
Ortodoxos, católicos ou protestantes, muitos veem na hipótese de o regime baathista ser derrubado não a esperança de uma nova ordem, mas sim o risco de que emerja um fundamentalismo muçulmano. “Seríamos, assim, as primeiras vítimas”, acredita um religioso.
Essa angústia é alimentada em parte pela propaganda do governo, que tem brandido a ameaça islâmica desde o início dos levantes. A posição oficial foi repassada por diversos membros do alto clero, que reafirmaram sua lealdade ao presidente Bashar Al-Assad e alertou contra a desestabilização do país.
Mas o medo também se explica por razões mais profundas, dentro de uma comunidade que teme uma erosão final de sua presença. A Síria foi uma das principais terras no Oriente Médio a acolherem iraquianos que fugiam do caos depois de 2003. Os relatos dos refugiados cristãos iraquianos chocaram seus correligionários sírios. A angústia também se fundamenta naquilo que parece ser uma deterioração nas condições dos cristãos na região.
“No Egito, a sociedade se mostra cada vez mais explicitamente muçulmana, aos olhos de muitos cristãos da Síria. Esse é um modelo que eles rejeitam: tornar-se uma comunidade que seja somente tolerada”, explica ao “Le Monde” o padre Paolo Dall’Oglio, jesuíta italiano morando há quase trinta anos na Síria e responsável pelo mosteiro de Mar Moussa (norte de Damasco). Os cristãos, que há muitos anos se preocupam com a ascensão do islamismo, sobretudo em Alep, também viram um bastião em um governo que se declara laico.
Os que participam das manifestações são somente uma minoria, segundo diferentes religiosos entrevistados. Uma maioria optou pelo silêncio frente aos acontecimentos: “A comunidade não está mais à vontade dos que os outros. Ela sabe bem que vive sob um regime ditatorial. Todos aspiram à democracia. Mas os cristãos acreditam que, permanecendo neutros, eles garantem seu futuro, independentemente do sistema que saia vitorioso. E muitos não se reconhecem no movimento atual”, explica um prelado libanês que costuma efetuar missões na Síria.
Porém, esse silêncio, reforçado pelo pavor despertado pela repressão, corre o risco de “marginalizar os cristãos”, teme Samir Franjié. Esse intelectual libanês, grande nome da coalizão do 14 de Março, fez um apelo para a comunidade para que “não tenham medo”.
Além disso, alguns cristãos aderem à teoria oficial do regime, que acusa a mídia estrangeira de estar fabricando notícias sobre a revolta. Ou, pelo menos, insistem na “confusão” local, na violência “de ambos os lados”, como faz uma jovem de Homs, cidade sitiada pelo Exército em maio. Essas palavras são ainda mais surpreendentes vindas da boca daqueles que, como ela, antes do levante rejeitavam em voz baixa um governo liberticida.
Durante anos, cristãos de fato lutaram muito por mudanças, promovendo o espírito crítico e a liberdade, denunciando a corrupção e o sistema policial, livres do olhar das autoridades e do alto clero. Uma parte de seus membros era criticada por sua proximidade com o governo.
[b]À mercê do regime
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Embora reconhecessem gestos de abertura por parte de Bashar Al-Assad em relação aos cristãos, muitos nunca se deixaram enganar. As igrejas – assim como outros cultos – continuaram sendo vigiados. A comunidade nunca se sentiu representada só por ter deputados. “É: ‘seja bonitinha e fique quieta’. Se não fizermos nem críticas, nem reivindicações, estamos tranquilos”, resumia um bispo antes da revolta. Ele traduzia um sentimento difuso, de estar à mercê do regime, mais do que de ser um parceiro em um sistema de aliança das minorias promovido pelo clã alaouita dos Assad.
Para o padre Paolo, “nós, cristãos, não podemos apostar em uma identidade repressiva, mas sim na possibilidade de que a sociedade evolua com nossa participação.” Ele diz “ainda ter esperanças de que a presidência guie o Estado para um processo democrático, obtido sem uma guerra civil. Mas essa esperança vai diminuindo a cada dia.” O religioso pede por esforços diplomáticos, sobretudo por meio do Vaticano, para se chegar a uma mediação e afastar o fantasma de um conflito interno, temido pelos cristãos.
[b]Fonte: Le Monde[/b]