A decisão da equipe do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos), de impedir que uma equipe do jornal O Globo participasse de uma entrevista coletiva na manhã de hoje, recebeu críticas de entidades de defesa da liberdade de expressão e de especialistas ouvidos pelo UOL.
Na avaliação deles, o prefeito violou a Constituição e agiu com autoritarismo ao proibir a entrada da reportagem do jornal.
O advogado Marcus Vinícius Cordeiro, diretor de comunicação da seccional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no Rio, a atitude de Crivella fere os direitos de imprensa.
“Essa determinação representa, no plano da ação do agente público, uma arbitrariedade que se choca com a Constituição. A Constituição prevê a liberdade de expressão e informação, o que pressupõe que os órgãos de imprensa tenham ampla liberdade de trabalhar”, afirmou.
Cordeiro observou que esse tipo de atitude tem se tornado cada vez mais frequente na relação de autoridades com a imprensa. Ele cita como exemplo as retaliações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contra a Folha de S.Paulo —excluída de uma licitação federal e alvo de constantes ataques por parte de Bolsonaro e seus auxiliares.
“Quando o agente público impede um veículo de participar de uma cobertura ele escolhe a quem falar. É uma forma de criar uma imprensa chapa branca. Vemos isso com gravidade. Isso está perpassando os poderes constituídos. Desde o presidente proibir que a Folha participe de licitações até essas ações da prefeito contra O Globo”, completa.
Diretora executiva da ONG Artigo 19, especializada em direitos humanos e acesso à informação, Denise Dora ressalta que, ao atacar O Globo, Crivella acaba acertando a população, que tem o direito de receber informações por fontes diversas.
“Autoridades governamentais brasileiras têm anunciado o corte de assinaturas de jornais em repartições públicas, exclusão de licitações, boicote a anunciantes e deliberada recusa em fornecer entrevistas ou informações. Estes atos e declarações contra jornais, como O Globo e Folha de S.Paulo, que têm uma longa história na cena nacional, representam um ataque à liberdade de imprensa e à liberdade das pessoas de receber informações por fontes diversas. Parte do pressuposto que uma opinião —a sua— é suficiente para informar uma nação. Trata-se de autoritarismo expresso que não combina com os deveres de governantes eleitos em regras democráticas de diversidade de opiniões e escolhas”, afirma.
A ABI (Associação Brasileira de Imprensa) também repudiou o ato de prefeito. Em comunicado, o órgão afirma que a decisão de Crivella “representa uma afronta ao princípio da publicidade da administração pública, à liberdade de expressão e ao direito dos cariocas em terem acesso às informações sobre a gestão municipal”.
Questionada pelo UOL quanto ao porquê de vetar a presença da reportagem de O Globo em entrevista coletiva, a prefeitura afirmou, por meio de nota, que “a coletiva era para imprensa. O Globo não é um jornal, mas sim um panfleto político, sempre interessado em trocar notícia por verba de publicidade”.
Em nota, O Globo informou que vai continuar noticiando as questões do município, “pois o compromisso é com os leitores, não com governos”.
No domingo (1º), Crivella já havia anunciado que a sua equipe de comunicação não responderia mais a demandas do jornal. De acordo com ele, o veículo seria tendencioso ao publicar notícias negativas sobre a sua administração.
O fato ocorreu após o jornal publicar reportagem sobre investigação do MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) a respeito da existência de um suposto balcão de negócios na prefeitura para a liberação de verbas a empresas mediante pagamento de propina.
A denúncia gerou reação de vereadores da oposição na Câmara Municipal, que iniciaram o processo para a abertura de uma CPI que pretende investigar o prefeito. O UOL procurou a assessoria de imprensa de Crivella que ainda não se manifestou sobre a investigação e sobre a articulação da CPI.
Barrados em coletiva
Repórter e fotógrafo do jornal O Globo chegaram ao hotel Fairmont, na orla de Copacabana, na zona sul do Rio, na manhã de hoje. No local, seria realizada uma entrevista para divulgação de detalhes sobre a festa de Réveillon.
Na recepção do hotel, onde onde a imprensa aguardava, os jornalistas de O Globo foram abordados por assessores de imprensa da Prefeitura do Rio e informados que o jornal estava proibido de subir ao local onde ocorreria a coletiva de imprensa.
Os assessores afirmaram que o veículo não fora convidado. Em solidariedade, equipes de TV Globo, Globonews, G1 e CBN, que fazem parte do mesmo grupo de comunicação, também se retiraram.
Fonte: UOL