Considerado por muitos o principal artista gospel do Brasil, Davi Sacer, do grupo Trazendo a Arca, fala da saída do Ministério Apascentar e diz que quer ser conhecido pela espiritualidade. “não estou nisso por dinheiro, nem quero ser conhecido. Deus não nos chamou pra ser artistas, mas levitas”

Quando subiram ao palco do Credicard Hall, em São Paulo, no começo de abril, para receber seu primeiro prêmiono Troféu Talento 2008, os integrantes do Ministério Trazendo a Arca tiveram uma recepção completamente inesperada. Repentinamente e de forma totalmente espontânea, o público que lotou a casa começou a entoar a canção Marca da promessa e promoveu um emocionante momento de adoração e espiritualidade. Foi demais para o coração de Davi Sacer, compositor, vocalista e um dos líderes do grupo, ao lado dos amigos e irmãos na fé, Ronald Fonseca e Luiz Arcanjo.

Sem nenhum medo de exagerar, o grupo é hoje o principal representante da música gospel brasileira – situação bem diferente daquela experimentada no ano passado, quando deixaram o Toque no Altar, ligado ao Ministério Apascentar, e foram severamente criticados como rebeldes e mercenários.

As portas de muitas igrejas se fecharam para eles. “Foi um tempo difícil, em que chorei muito e pensei mesmo em desistir”, admite Sacer. Águas passadas. Hoje, de norte a sul do país, todos cantam as músicas do ministério. Apesar do sucesso, Sacer, 32 anos, casado com Verônica e pai de dois filhos, define-se como “um servo”. Entre as muitas viagens, o que gosta mesmo é de estar com eles. “O Davi é um homem caseiro, que se realiza com coisas simples, como passear com a família e levar as crianças ao parquinho”, conta Verônica, também vocalista e que conheceu o artista quando os dois ainda sonhavam ser missionários.

Davi Sacer nasceu em família evangélica. Ele conta que, até os três anos, sofreu com uma paralisia infantil que lhe tirava todos os movimentos da cintura para baixo – “até receber a cura”, exulta. Depois disso, as manifestações sobrenaturais não teriam mais parado e o tema sobrenatural é elemento fundamental de suas músicas.

“O Davi é um cara tranqüilo, um irmão com quem podemos dividir lutas e vitórias”, testemunha o companheiro Luiz Arcanjo. Em meio à corrida agenda, Davi Sacer madrugou para receber a reportagem de ECLÉSIA para uma entrevista exclusiva em seu hotel, durante a premiação do Troféu Talento. Falou sobre a música evangélica, fez revelações sobre a separação do Ministério Toque no Altar e conclamou os cristãos brasileiros a renovar o compromisso com Deus.

Grande parte das músicas de vocês falam sobre compromisso, santidade e sacerdócio. Em um tempo em que tais temas parecem fora de moda na Igreja, por que usar um nome como Trazendo a Arca e enfatizar esses conceitos?

Obedecer a Deus é um princípio, segundo a Bíblia. Uma das histórias que mais me tocam é a do rei Saul. Ele foi escolhido pelo Senhor, e não por homens, mas não o obedeceu e isso acabou com seu ministério. Já Davi fez exatamente o contrário. Sua primeira preocupação, ao assumir o trono de Israel, foi trazer a arca de seu Senhor – e olhe que sua vida não foi pautada por acertos o tempo todo. Ele pecou e cometeu erros graves. Mas seu grande desejo, no fundo, era buscar a Deus e fazer sua vontade. É apenas isso que o Senhor nos pede. Jesus também reafirmou isso, quando disse que aqueles que o amam guardam seus mandamentos. Além disso, a arca simbolizava a presença do Senhor. Dentro dela estavam o maná, a vara de Arão e as tábuas da Lei. Também nós precisamos trazer hoje, dentro de nós, a Palavra de Deus, sua autoridade e provisão. Essa é nossa missão e queremos levar a presença do Senhor às pessoas.

Qual é, afinal, a importância do louvor e da adoração musical?

Cantar é uma ferramenta didática, que pode motivar a pessoa e trazê-la à adoração. O que deve atrair as pessoas a Cristo é a mensagem da cruz, do Evangelho genuíno; não aquele barato, pelo qual o indivíduo vem atrás de bênçãos, quer ser curado ou receber algum bem material. Da mesma forma, o louvor deve refletir o Evangelho do ser, estimular as pessoas a seguirem os passos de Jesus e saber que o demais será acrescentado, onde e quando Deus quiser. A música facilita à pessoa aprender esses valores. Ela torna mais fácil o entendimento e une emoção e razão.

Na sua opinião, como vai a música gospel no Brasil, que tem sido tão criticada por valorizar demais o mercado?

Muita coisa precisa ser consertada, sim. Mas é um erro esse negócio de querer voltar ao passado. Muita coisa mudou; o contexto em que vivemos é diferente. Na minha adolescência, por exemplo, não tínhamos tantos ministérios e grupos de louvor. Atualmente, há mais profissionalização, mais qualificação e menos improviso. Para quem conhece seu chamado para com Deus, isso não é necessariamente ruim. Enquanto assistia à cerimônia de entrega do Troféu Talento, prestei atenção em todos que subiram ao palco. Alguns cantaram; outros ministraram, adoraram, tentaram conduzir a coisa para um lado mais espiritual do que artístico.

A figura do ministro de louvor não tem sido incensada demais?

O ministro de louvor tem que saber que sua única função é servir à Igreja. O problema surge quando a pessoa faz sucesso sem ser discipulada dessa maneira. Aí, vêm os excessos. Mais uma vez volto a Davi: depois do fracasso de sua primeira tentativa de trazer a arca a Jerusalém, ele procurou se enquadrar na vontade de Deus, antes de repetir a empreitada. Mesmo assim, a cada seis passos, o cortejo parava e sacrificava. Na música, precisamos fazer a mesma coisa – primeiro, entender a forma como Deus quer que levemos o ministério. Segundo, sempre sendo humildes. Terceiro, parando a cada trecho e verificando o que precisamos sacrificar, tendo claro na mente para quem estamos trabalhando.

Hoje, a música evangélica brasileira parece ser uma repetição de temas e estilos. Por que isso acontece? Falta criatividade aos compositores ou todos preferem seguir o que faz sucesso?

Creio que a culpa é dos modismos. Nos anos 1990, a moda eram as comunidades evangélicas. Quando um novo templo era inaugurado, ninguém queria que fosse chamado de igreja, mas de comunidade. Quando passou a febre, muita gente mudou a placa de volta. É bem verdade que, neste começo de século, há um movimento muito forte de adoração extravagante, que é mais contundente e exige entrega, compromisso. Com ele vieram também elementos como o uso do shofar e a introdução de novas eclesiologias, como a unção do riso, e muitas outras coisas, a meu ver, importantes – desde que usadas com equilíbrio. Fui a um congresso com mais de 5 mil pessoas. Devia ter uns 300 shofares sendo tocados ao mesmo tempo. Resultado: ninguém conseguia cantar, parecia o estouro de uma boiada. Muitos que fazem isso são sinceros, mas outros acompanham a onda porque vêem que está dando certo. Quer ver outro modismo? As longas repetições. Elas empobrecem e pasteurizam a música. A mesma coisa é a insistência em temas como seguir o rio de Deus ou estar apaixonado pelo Senhor. Cada um tem riquezas próprias de Deus para compartilhar, não é necessário copiar. Em nosso caso, o primeiro disco que gravamos, Toque no altar, foi quase que inteiramente de uma adoração mais vertical. Aos poucos, Deus começou a nos dar outros tipos de canção, na medida em que estudávamos a Palavra e entendíamos o verdadeiro significado do sacerdócio. O levita é aquele que não apenas está diante de Deus o tempo todo, mas também está diante do povo. Claro que é impossível não ser influenciado de alguma forma pela boa música. Eu gosto de ouvir gente como Pastor Cirilo, David Quinlan, Nívea Soares. Também ouço músicas antigas de Sérgio Lopes, Vitorino Silva e Oséias de Paula. Apenas não ouço música secular, coisa que tenho como princípio particular. Quero tudo que é bom, mas não preciso imitar os outros.

Qual é o processo de composição de sucessos como Marca da promessa?

Essa música, por exemplo, surgiu há dois anos. Curiosamente, não estávamos passando por situações de luta. Pessoalmente, não gosto de fazer música em cima daquilo que estou vivendo. O ser humano tem a tendência de colocar muito mais sua alma ferida e sua adversidade na canção do que a inspiração divina. Quando vamos compor, separamos tempo, oramos e estudamos a Palavra. Quando lemos a Bíblia, alguma revelação salta aos olhos, conversamos e novas revelações vão surgindo. Em algumas situações, também surge inspiração em momentos de adoração. Em nosso processo criativo, temos a preocupação de entender o que Deus está querendo dizer às pessoas e o que queremos falar a ele. Aí, colocamos essa verdade descoberta de forma poética, com uma melodia.

A popularização das novas tecnologias de transmissão e armazenagem de arquivos digitais está afetando o mercado fonográfico. Além disso, a pirataria é uma realidade consolidada. De que forma a crise pode afetar o segmento evangélico?

Aí há duas coisas. Existem tendências que já estamos sentindo no mercado cristão e são naturais, às quais precisamos nos adaptar. Mas outra coisa é a pirataria. Se não posso ter o original, não consumo o pirata. E não falo apenas de discos. Muitos cristãos não conseguem enxergar o pecado que estão cometendo ao participar da pirataria. Em relação às mudanças tecnológicas, em breve sentiremos com mais força seu impacto. Por isso, o ministério estuda alternativas, como vender músicas pelo site e melhorar a qualidade de nossos produtos e eventos, para que as pessoas queiram adquirir o original. Entretanto, isso não me preocupa, pois creio que o ministério é do Senhor e ele vai nos sustentar. Não estou nessa por dinheiro, mas por causa do Evangelho.

Quando vocês se separaram do Ministério Toque no Altar, sofreram severas críticas por parte da mídia e de igrejas. Alguns líderes evangélicos chegaram a fechar as portas a vocês e fazer campanhas para que outros não os aceitassem em seus eventos. Como foram aqueles momentos? São águas passadas e tudo já foi superado ou continua havendo oposição e mágoas?

No nosso coração, está tudo superado. Não representamos a nós mesmos, mas a Deus. É verdade que foram momentos ruins, tristes, nos quais chorei e até quis desistir. Conhecemos um lado obscuro dos evangélicos: o do partidarismo, da politicagem, dos favorecimentos, dos interesses das denominações. Alguns líderes, em vez de promoverem a paz, colocaram mais lenha na fogueira. As portas de algumas igrejas se fecharam e continuam fechadas, mas Deus abriu centenas de outras portas. O Evangelho no Brasil não é de uma denominação. Não existe nenhum líder que consiga mobilizar 100% da população evangélica a seu favor. Então, depois da separação, tivemos a oportunidade de conhecer outros pastores, outros ministérios, outras cidades. O ano de 2007, que foi o das turbulências, também foi o ano em que mais fizemos viagens internacionais com o ministério. Fomos a Israel, Inglaterra, Portugal, França e Japão. Viajamos pelo Brasil inteiro. Mas, se for convidado hoje para cantar em alguma igreja que nos criticou, vou com o meu coração aberto, amando e restaurando a paz.

Os motivos do rompimento com o Toque no Altar continuam obscuros. O que de fato houve?

É importante que as pessoas parem para pensar no significado da palavra rebeldia. Nem tudo o que se parece, é verdade. Quando saímos do Ministério Apascentar e da igreja, não levamos um membro sequer. Também não fizemos proselitismo ou montamos nova denominação. Simplesmente entendemos que, pelas situações que ocorreram, Deus estava nos dando uma outra direção, e resolvemos segui-la. Obviamente, isso causou muitos constrangimentos, porque ninguém quer perder algo que está dando certo. Infelizmente, surgiram muitos comentários, boatos e fofocas.
Um deles diz que o motivo da discórdia seria a divisão dos lucros de vendas de CDs.

E não foi?

Se fosse, eu teria ficado lá, porque não sabia que vendia tanto. Mas não foi esse o motivo. Se quisesse dinheiro, teria assinado com alguma gravadora. Nós recebemos propostas de todas as gravadoras que você possa imaginar e decidimos não fechar com nenhuma, porque não estou nisso por dinheiro, nem quero ser conhecido. Deus não nos chamou pra ser artistas, mas levitas. E, da mesma forma, o Senhor não chamou o ministério em que estávamos para ser uma gravadora. Porém, o negócio estava se tornando muito comercial. Há outros motivos que não vale a pena mencionar. Mas não houve rebeldia, até porque Deus continua abençoando o nosso ministério. O Ministério Apascentar é abençoado, e nós os amamos. Mas decidimos ouvir e obedecer a voz do Senhor. Com o tempo as coisas vão se esclarecendo, a poeira vai baixando e as pessoas vão vendo quem nós somos de verdade.

Ainda existe algum constrangimento quando confundem o Trazendo a Arca com o Toque no Altar?

Não. Até porque o Toque no Altar foi gerado no nosso ventre. Se o pastor Marcus Gregório foi o pai, tendo a visão de começar um projeto de música em tempo integral, creio que fomos o ventre que gerou esse ministério. Para mim, é um filho que está servindo a Deus. O nome Toque no Altar, inclusive, vem de uma canção que Deus deu a mim e ao Luís Arcanjo.

Você hoje é considerado por muitos o artista número 1 do gospel nacional. Como recebe isso?

Isso não me incomoda porque eu não me considero assim. As pessoas conhecem o Davi que vêem em cima do altar; Deus conhece o homem de fato. Tenho lutado contra muitas coisas em meu caráter: preciso ser um pai melhor, preciso ser um esposo melhor, preciso ser um servo melhor. Considero-me alguém que está buscando e querendo mais de Deus.

Quais são os próximos projetos do Trazendo a Arca?

Estamos produzindo um DVD com as canções dos CDs Marca da promessa e Olha pra mim, que foi o último que nós fizemos como Toque no Altar. Até o final do ano, teremos um CD inédito do Trazendo a Arca. Paralelo a isso, estou começando a fazer um CD que vai reunir canções mais antigas de louvor e adoração.

O que você diria aos milhares de jovens que também sonham em formar um ministério de louvor?

Bem, eles precisam saber que cantar não é o suficiente. A pessoa precisa entender que sua vida e ministério são para servir a Deus. Durante muitos anos, servi na casa do Senhor sem ser conhecido. Queira apenas conhecer Deus e sua Palavra. No tempo certo, o Senhor abre as portas; o nosso tempo, por exemplo, foi há três anos. Porém, não descarto o que fizemos antes. Toda nossa trajetória de fé foi maravilhosa e pude sentir, no passar dos anos, a mesma alegria e satisfação em servir a Deus.

Fonte: Revista Eclésia

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