Em depoimentos sigilosos, dois ex-funcionários da Renascer e um advogado descreveram supostos esquemas ilegais operados pelo casal, como a emissão de duplicatas frias, o uso do dinheiro na compra de imóveis particulares, os “golpes” aplicados em fiéis e a constante preocupação em aumentar a captação de verbas.

Após pedir a prisão e a extradição dos fundadores da Renascer em Cristo, Estevam e Sônia Hernandes, o Ministério Público de São Paulo avança agora sobre a contabilidade da igreja.

Os nomes dos informantes são mantidos em sigilo pelos promotores do Gaeco, grupo especial do Ministério Público de combate ao crime organizado, que investiga o caso.

Pelo depoimento de uma das pessoas, ao qual a Folha teve acesso, os cheques doados por fiéis durante os cultos são depositados em uma das 21 contas correntes da Renascer. Os pré-datados são vendidos para factorings ou bancos.

Uma relação detalhada com centenas de números de cheque, valores e contas favorecidas foi entregue à Promotoria.

O Gaeco diz ter provas de que as doações financiaram projetos pessoais do casal Hernandes, como a aquisição do haras em Atibaia (SP) por R$ 1,8 milhão e de uma casa de praia no Estado da Flórida (EUA) por R$ 1,27 milhão.

Ajuda aos templos

As testemunhas afirmaram desconhecer a existência desses bens. Uma delas disse que o envio de dinheiro para os EUA sempre foi justificado como ajuda aos templos daquele país.

Uma das pessoas narrou aos promotores que, no período em que trabalhou no departamento financeiro da Renascer, emitiu duplicatas simuladas, que não correspondiam a nenhuma prestação do serviço.

A ordem de emissão, disse, era dada por Estevam. O filho do casal que trabalhava no mesmo setor, Felipe (Tid), segundo a testemunha, “raramente” pedia a emissão ilegal.

As operações, disse, eram feitas pelas seguintes factorings e os bancos: Terranova, Banco Daycoval, Banpar, Múltipla Factoring, Banco Safra, Schain, Banco Cidade e Bradesco.

Com exceção da Terranova, que pertence a um fiel, não há qualquer evidência de que as demais empresas soubessem da origem das duplicatas.

O advogado ouvido disse que o representante da Terranova, Sérgio Mortari, teve um prejuízo de cerca de R$ 7 milhões em créditos a receber da igreja. Amigo pessoal de Estevam, a dívida teria sido abatida com a transferência de imóveis.

As outras modalidades supostamente praticadas pela Renascer, como narrou a testemunha do departamento financeiro, envolvem os fiéis.

Numa delas, os nomes dos fiéis foram usados como fiadores de imóveis locados pela Renascer. Muitos contratos foram rompidos por falta de pagamento, e os fiéis tiveram os bens pessoais penhorados.

Segundo a testemunha, ao mesmo tempo em que a igreja se perdia em dívidas com os fiéis, tornava mais rígidas as metas de arrecadação de cada templo, ora para a aquisição de uma torre de TV, ora para a aquisição de uma rádio.

Se não cumprisse a meta, o pastor era punido com uma transferência.

O projeto mais importante, disse, é o carnê Gideão, feito por meio de faturas enviadas aos fiéis com a promessa de conquistas e vitórias. “Jamais se esqueça de que o seu milagre sempre será maior que a sua oferta”, diz o site da igreja.

Depoimentos não têm valor, diz advogado

Luiz Francisco Borges D’Urso, advogado no Brasil dos fundadores da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, disse que não irá se manifestar sobre “provas secretas” reunidas por promotores de Justiça que, segundo ele, não têm o poder de investigar -a prerrogativa seria exclusiva de policiais.

“Tais depoimentos, se é que existem -porque não vi no processo, não fui informado das oitivas e, pelo que entendo, foram colhidos de forma secreta por promotores que extrapolaram suas funções-, são obviamente ilegais, não têm valor jurídico algum”, afirmou.

Para D’Urso, Estevam e Sônia Hernandes respondem hoje a um processo que já está na Justiça, não a uma investigação sigilosa mantida pelo Ministério Público de São Paulo.

A discussão sobre o poder de investigação de promotores está no Supremo Tribunal Federal e ainda não há uma decisão final sobre isso.

Como presidente da seção paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Luiz D’Urso sempre foi um crítico do poder de investigação de promotores e procuradores.

O representante da Terranova, Sérgio Mortari, disse à Folha que não tem nenhum contrato de trabalho com a Igreja Renascer em Cristo e nem é amigo de Hernandes.
“Sou apenas um fiel, não sei nada sobre duplicatas.”, disse Mortari.

Fundadores da Renascer são monitorados por chip. Veja como funciona

Estevam e Sônia Hernandes, fundadores da Igreja Apostólica Renascer, foram soltos nos Estados Unidos nesta sexta-feira (19), mas continuam sendo monitorados 24 horas por dia. O sistema de monitoração — uma espécie de tornozeleira equipada com chip eletrônico — é um equipamento bastante utilizado nos EUA para controlar a localização dos presidiários durante seu transporte, no caso de liberdade condicional e também dentro dos centros de detenção.

Segundo empresas que trabalham na fabricação desse dispositivo, os guardas dos presídios recebem um alarme quando a peça é destruída ou removida — isso porque um sensor avisa se ela ficar 15 segundos longe da pele. Esses aparelhos enviam sinais em um tempo pré-determinado, como a cada dois segundos, para uma estação de controle que mostra exatamente onde os presidiários estão.

A tecnologia mais empregada para esse tipo de controle é a de Identificação por Freqüência de Rádio (RFID, na sigla em inglês), também conhecida como etiqueta inteligente. Nesse caso, a tornozeleira possui um chip que guarda grande quantidade de informação, como local onde residem os fundadores da Renascer, área pela qual os dois podem circular, crime pelo qual devem responder, sua nacionalidade e outros dados relevantes para a polícia norte-americana.

Esses chips emitem ondas de rádio que são lidas por antenas, colocadas dentro dos presídios e também em ambientes externos, para controlar a movimentação daqueles que estão em liberdade condicional. A antena registra a localização dos usuários dessa tornozeleira e envia os dados para um sistema de controle monitorado por policiais.

Em alguns centros de detenção dos EUA, policiais utilizam esses chips em um equipamento preso ao cinto. O aparelho tem também um botão vermelho, que pode ser pressionado em caso de emergência — dessa forma, seus colegas saberão onde o guarda está para poder socorrê-lo. A localização dos usuários — tanto de oficiais quanto de presidiários — pode ser vista em um telão que exibe com detalhes toda a estrutura física da área monitorada.

O sistema de pedágio Sem Parar, utilizado há alguns anos no Brasil, é um exemplo de como a tecnologia RFID funciona na prática. Nos próximos anos, a etiqueta inteligente deve ser colocada em produtos de supermercados, para que as redes varejistas possam obter mais informações sobre os itens vendidos (como prazo de validade) do que oferecem atualmente os códigos de barra.

Fonte: Folha de São Paulo e G1

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