Otis Moss 3º, pastor da antiga igreja do presidente dos EUA, Barack Obama, em Chicago, falou recentemente a favor do apoio do presidente ao casamento gay.
Em uma entrevista para a “Spiegel Online”, Moss fala sobre sua decisão de defender Obama e argumenta que não são os relacionamentos de mesmo sexo, mas sim o desemprego elevado e a falta de ensino que estão destruindo a instituição do casamento.
[b]Spiegel: Quando o presidente Obama declarou recentemente seu apoio ao casamento gay, surgiram queixas dentro da comunidade negra. Alguns pastores negros, entre eles pastores da Convenção Batista, criticaram fortemente Obama. O senhor adotou uma posição forte em defesa da decisão do presidente e escreveu uma carta criticando os pastores negros que atacaram Obama. O que fez o senhor tomar uma posição?
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Moss: Bem, inicialmente, a posição que assumi foi em resposta aos ministros que disseram especificamente que não apoiariam o presidente. Eu estava respondendo a um certo grupo de ministros que se retirariam e encorajariam as pessoas a não votarem. Eu disse que deveríamos dar apoio ao presidente e apoiar os direitos de todos na democracia pluralista que chamamos de amor. E nós vivemos nossa fé; nós não legislamos nossa fé. O segundo fator foi minha crença de que o presidente deve ser presidente dos Estados Unidos, não necessariamente presidente da Convenção Batista.
[b]Spiegel: Há algo nas escrituras que leva o senhor a apoiar o casamento gay?
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Moss: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça” [nota do editor: João 3:16]
[b]Spiegel: Que tipo de reação sua carta provocou em sua comunidade e junto aos outros pastores?
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Moss: Apoio extremo da igreja. Eu recebi uma enxurrada de cartas dizendo coisas como “Nós nos orgulhamos de você. Obrigado por articular o que não pudemos articular”. Minha primeira função foi dar às pessoas domínio da língua, para que quando fossem abordadas por pessoas, elas pudessem dizer que há uma diferença ortográfica entre “rights” (direitos) e “rites” (ritos) –em outras palavras, os legisladores cívicos e conselhos eclesiásticos têm responsabilidades diferentes– e que não são os relacionamentos de mesmo gênero que estão destruindo o casamento. O que de fato está destruindo o casamento é o desemprego elevado, o encarceramento, a falta de ensino e ministros vivendo em contradição, onde falam sobre santidade, mas vivem em adultério.
[b]Spiegel: O quanto a religião influencia o voto negro?
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Moss: Eu acho que tem influência. Desde o movimento dos direitos civis, a igreja negra sempre encorajou as pessoas a utilizarem seu direito de voto, que é um direito que foi adquirido com luta. E a primeira declaração feita por Jesus é de que o espírito deve pregar a boa nova para os pobres. Essa declaração sempre repercutiu nos corações da igreja negra, de modo que somos convocados a falar em prol dos pobres, em prol dos oprimidos.
[b]Spiegel: Mas agora ela critica o casamento gay. Se a religião e os ensinamentos da Bíblia são tão importantes para os negros, porque eles não votam com mais frequência nos republicanos?
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Moss: Parte do motivo é que há apenas duas posições que o Partido Republicano adotou que o clero mais conservador adotou, que são as questões do casamento gay e do aborto. Mas quando você olha para a agenda republicana, é uma agenda antieducação, antissindicalismo, anti meio ambiente, antirreforma do sistema carcerário e antirreforma econômica. Muitas pessoas são bastante sofisticadas e elas dizem: “Espere um minuto. Vocês querem que nos concentremos em questões bastante pessoais, se alguém deve fazer um aborto ou sobre se alguém decide se casar, que não afetam ninguém economicamente. Não afeta o sistema escolar. Não afeta o meio ambiente”. E assim muitos afro-americanos estão dizendo: “Espere um minuto. Eu sei que as políticas do Partido Republicano afetam o sistema escolar. Elas afetam meu emprego. Elas afetam o meio ambiente. Elas afetam as empresas que são literalmente autorizadas a escapar impunes de roubo”. As questões de aborto e casamento gay empalidecem em comparação ao que a Enron fez, ao eliminar milhares de empregos, ou que Wall Street fez, ao deixar 50 milhões de pessoas desempregadas.
[b]Spiegel: Diante do fato de tantos afro-americanos estarem enfrentando dificuldades econômicas, como é possível que o maior protesto da comunidade negra até o momento, nos quatro anos de governo Obama, tenha sido em resposta à questão do casamento gay?
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Moss: Não foi um protesto da comunidade. Foi um protesto dos pastores. A congregação não protestou.
[b]Spiegel: Mas a palavra dos pastores conta. E há um motivo para o senhor ter reagido tão fortemente às críticas deles. Qual é o problema deles com o casamento gay?
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Moss: Muitos pastores negros foram educados em escolas evangélicas. Eles foram ensinados que é preciso se posicionar contra isso em particular. Mas as congregações meio que deram de ombros e disseram: “Nós vamos sair e apoiar. Por que vocês estão adotando essa posição?” Muitas pessoas nos bancos das igrejas estão dizendo: “Espere um minuto. Eu tenho um filho que é gay. Eu conheço alguém que morreu de HIV, que devastou nossa comunidade”. Logo, você tem uma maior sofisticação nos bancos das igrejas do que nos púlpitos.
[b]Spiegel: Os negros parecem ter um maior problema como a homossexualidade do que os americanos brancos. Por quê?
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Moss: Eu sei que há certa homofobia em nossa comunidade, mas também há homofobia forte por toda a sociedade americana, particularmente por todo o sul, seja branco ou negro. E como muitos de nós migraram do sul, pode ser que haja uma forte conexão, mas não tenho nenhum estudo que apoie isso. Mas eu não diria que somos necessariamente mais homofóbicos do que qualquer outra comunidade. Eu acho que as dúvidas sobre a sobrevivência da comunidade negra surgem devido ao contexto na América, onde constantemente nos expressamos vigorosamente sobre coisas como paternidade, reprodução, a preservação da comunidade. Isso se torna bastante sensível devido ao contexto histórico.
[b]Parte 2: ‘A opção de não votar representa um cuspe na face de nossos ancestrais’
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[b]Spiegel: Eu me deparei com um argumento interessante apresentado por um escritor negro. Ele escreve: “Nós fomos ensinados que a instituição da escravidão nos privou de nossa masculinidade e temos que manter o que restou”. O senhor concorda?
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Moss: Eu não sei se deve ser equacionada heterossexualidade com homem ou mais homem. Eu não alegaria isso, mas acho que há alguns mitos que continuam sendo perpetuados. Nunca houve um diálogo real, mas é preciso entender que essa conversa e protestos são coisas mais recentes do que nos anos 40, 50 e 60. Havia uma política “não pergunte, não diga” em muitas comunidades sulistas, e isso mudou nos anos 70 e 80, para uma querendo erradicar certas pessoas –novamente, porque havia mais pastores oriundos dessas escolas muito conservadoras. E eles foram ensinados que é preciso se posicionar no púlpito e condenar certo grupo que faz parte de sua congregação. Mas as pessoas que são mais velhas, com 80 ou 90 anos, digamos, dizem. “Ora, nós sempre tivemos pessoas com orientação diferente na igreja. Em nossa comunidade não era incomum e elas faziam parte da comunidade, e não havia tentativas de expulsá-las da comunidade.”
[b]Spiegel: Por que alguns na comunidade negra não conseguem relacionar a luta dos homossexuais à luta por aceitação que eles próprios tiveram que travar?
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Moss: Eu acho que você vê os pastores tomando essa posição. É uma posição dominada por homens. Você não vê muitas mães que são pastoras, e as mães adotam uma posição muito diferente e dizem: “Eu posso não necessariamente concordar com tudo o que meu filho faz, mas eu mesmo assim amo meu filho”. O ponto de vista masculino não segue na mesma direção, e como muitas de nossas igreja contam com grande número de mulheres e grande número de mães, há uma posição diferente, dizendo que é muito difícil para você falar contra seu filho, alguém de sua família. Você pode discutir com eles, não pode condená-los. Você não pode expulsá-los, porque Deus não fez isso conosco. Nós não podemos fazer isso com ninguém.
[b]Spiegel: O quanto o senhor acha que a posição do presidente mudará a postura em relação ao casamento gay dentro da comunidade negra?
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Moss: As pesquisas mostram que há uma discussão levantando as contradições: por que você está levantando essa questão, mas não disse nada sobre essa outra? Por que você está ultrajado com essa questão em particular? Assim como havia ultraje quando pessoas negras e brancas se casavam, é pessoal. Essas questões não têm nada a ver com igualdade econômica entre grupos diferentes. Não têm nada a ver com a desagregação do sistema escolar e assegurar que todo mundo seja igual. É uma decisão puramente privada. Nenhum ministro nos Estados Unidos será forçado a casar alguém que não quiser. Então por que se incomodar com o fato? É uma discussão tola.
[b]Spiegel: Por que as mesmas crenças religiosas rígidas que guiam o atual debate sobre a homossexualidade não se aplicam ao cotidiano, por exemplo, com filhos nascidos fora do casamento, lares com pais solteiros?
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Moss: Aí está uma das contradições. Há o aspecto de fazer uso de tradição católica de hierarquia do pecado. Segundo, há uma contradição nessa condenação, onde as pessoas querem condenar um grupo, mas se mantêm em silêncio a respeito do adultério e da injustiça econômica. Eu chamo isso de “ultraje seletivo” –o de ficarmos ultrajados a respeito disso, mas ninguém se erguer para falar sobre como melhorar a comunidade, por exemplo, por meio de desenvolvimento econômico, ou como podemos melhorar nossas escolas. Todas essas coisas estão interligadas e são coisas que a Bíblia nos pede para fazer.
[b]Spiegel: Os pastores que agora estão se unindo contra o casamento gay atuam de forma igualmente forte a respeito dessas outras questões?
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Moss: A maioria dos pastores que protestaram nunca se manifestou contra o racismo, qualquer tipo de injustiça ou brutalidade policial. Eles nunca fizeram nenhuma declaração sobre o atendimento de saúde. Muitos deles permanecem em silêncio sobre questões comunitárias. Eles são calados, mas agora se tornaram líderes desse movimento em particular. Entre aqueles bastante envolvidos na comunidade, apesar de seus pontos de vista poderem ser diferentes das posições do presidente, eles dizem: “Bem, eu tenho um ponto de vista diferente que o do presidente, mas eu apoio o presidente, porque ele é presidente de todo mundo”. Assim como lutarei até a morte para que alguém tenha o direito de praticar em seu templo, sua mesquita, sua igreja, mesmo que tenha uma crença diferente da minha.
[b]Spiegel: O senhor acha que a discussão do casamento gay aumentará a conscientização a respeito de todas as outras ameaças ao casamento que discutimos?
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Moss: Eu gostaria que sim, mas parece que as pessoas ficam mais à vontade com o ultraje privado, porque quando você fica ultrajado a respeito desse assunto, isso não exige nenhum trabalho. Você não precisa fazer nenhum trabalho quando fica ultrajado com um casal gay. Mas há trabalho a fazer se você quiser ver os pais negros criando seus filhos. Há trabalho a fazer se você quiser ver o desenvolvimento das escolas. Isso exige trabalho. Isso exige recursos. Isso exige políticas. Isso exige organização. Ficar ultrajado a respeito de dois homens e duas mulheres não exige nenhum trabalho. Então você pode ficar ultrajado e ser um ativista de sofá, engajado em nada e simplesmente pegar o microfone e dizer: “Eu não acredito em X, Y e Z e é terrível”, e então citar nomes. Você não precisa se dedicar a isso. Mas se você realmente for a favor da família, então será preciso dizer, como podemos mudar nosso sistema escolar, como podemos consertar a política tributária, para que nossas famílias tenham apoio?
[b]Spiegel: O quanto o senhor está preocupado com os negros optando por não votar?
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Moss: Eu ainda estou muito preocupado com isso, mas eu acho que a maré está mudando. A energia em torno disso está dispersando e as pessoas reconhecem que temos escolhas claras se quisermos promover mudanças em nosso país. Mas não votar, para mim, é uma das piores coisas que poderiam acontecer em nossa comunidade. Você pode votar em quem quiser, mas a opção de não votar representa um cuspe na face de nossos ancestrais, que lutaram por nosso direito de votar.
[b]Spiegel: O senhor teme que sua igreja possa novamente se transformar em um alvo político?
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Moss: Nem um pouco.
[b]Fonte: Der Spiegel[/b]