Eleição ocorreu um ano e meio após queda do ditador Hosni Mubarak. Junta Militar promete transferir o poder no fim do mês; opositores dizem temer ditadura religiosa da Irmandade.

Berço do islã político moderno, o Egito será o primeiro país árabe a ter um chefe de Estado islamita democraticamente eleito, um ano e meio após a deposição do ex-ditador Hosni Mubarak.

Uma multidão na praça Tahrir, epicentro da revolta contra Mubarak, explodiu em festa quando a comissão eleitoral confirmou o nome de Mohamed Mursi, da Irmandade Muçulmana, como o novo presidente do país.

Comprovando a profunda divisão do país, Mursi foi eleito com 51,7% dos votos, derrotando no segundo turno o general da reserva Ahmed Shafiq, último premiê de Mubarak e visto por seus opositores como representante do antigo regime.

Temido por muitos eleitores seculares, mulheres e entre a minoria cristã, Mursi adotou um tom conciliatório em seu primeiro pronunciamento como líder eleito, prometendo ser “presidente de todos os egípcios”.

Num sinal de que a vitória é só o começo de mais uma etapa da queda de braço entre islamitas e a Junta Militar, a campanha de Mursi convocou seus seguidores a manter a ocupação da praça Tahrir até que os poderes do presidente sejam restituídos.

Há uma semana, pouco após o fechamento das urnas, os generais emitiram decretos se apropriando de prerrogativas do presidente, como o poder de declarar guerra e o orçamento militar.

Dias antes, uma decisão do Supremo dissolvera o Parlamento dominado pelos islamitas, incumbindo aos militares o Poder Legislativo.

As medidas, vistas por islamitas e ativistas pró-democracia como um “golpe brando”, aumentaram a desconfiança sobre a transição conduzida pelos militares, que prometem transferir o poder ao presidente no fim do mês.

Mursi deixou claro ontem que não pretende recuar. “A revolução continua até que seus objetivos sejam alcançados”, disse, desafiador.

Ainda que as limitações tenham tornado a Presidência um cargo parcialmente simbólico, a vitória de Mursi significa uma conquista histórica para a Irmandade, que passou a maior parte de seus 84 anos de existência na clandestinidade política.

Vidrado na TV de um café lotado perto da praça Tahrir, o dentista Ibrahim Abdelghami, 28, chorou de alegria quando a comissão eleitoral anunciou o resultado.

“Esta é a vitória da revolução e uma pequena homenagem aos mártires que caíram lutando contra a ditadura de Mubarak”, disse Abdelghami. “Mas é só o primeiro passo. Agora começa uma longa luta contra os militares.”

Em contraste com os protestos de 2011, que uniram seculares, religiosos, muçulmanos, cristãos e partidários de diversas correntes políticas, a celebração de ontem na Tahrir teve um tom predominantemente islamita.

Uma ilha de depressão no meio da festa era o famoso café Riche, de propriedade de cristãos e tradicional ponto de encontro de intelectuais e ativistas liberais.

“Saímos de uma ditadura militar e estamos entrando numa ditadura religiosa”, lamentava Amir Salem, advogado de famílias de manifestantes mortos na revolta do ano passado no julgamento que condenou Mubarak à prisão perpétua.

Nos últimos dias, tanques foram postos na periferia da capital e em volta do Parlamento, pelo temor de distúrbios. Mas não havia soldados ontem na Tahrir, e os islamitas ficaram livres para tomar conta do centro do Cairo.

O governo dos EUA parabenizou Mursi e prometeu “trabalhar com todas as partes no Egito para manter a longa parceria”.

Israel, onde a iminente vitória islamita vinha causando nervosismo sobre o futuro do acordo de paz, disse “respeitar o processo democrático” no país vizinho.

“Israel espera continuar a cooperação com o governo do Egito com base no acordo de paz”, disse o premiê Binyamin Netanyahu. Em seu discurso, Mursi prometeu a preservação de “todos os acordos internacionais”.

[b]Fonte: Folha de São Paulo[/b]

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