Igreja Católica espanhola está estudando a excomunhão de um sacerdote por ter ajudado a abortar duas meninas.

Em uma situação inédita dentro da Igreja Católica espanhola, o Arcebispado de Barcelona anunciou ontem que estuda a excomunhão de um de seus sacerdotes por ter ajudado a abortar duas meninas de 14 e 15 anos. Trata-se do padre Manel Pousa, reconhecido na cidade por seu trabalho em bairros humildes e em prisões. O “Pare Manel”, como também é chamado, revelou em um livro que tinha financiado a intervenção nas menores porque elas pretendiam abortar em sua casa, para assim evitar o risco de que morressem de hemorragia.

Pousa ajuda os moradores de bairros operários como Trinitat e Roquetes através de uma fundação que leva seu nome e que foi reconhecida, entre outros, com a Creu de Sant Jordi, o galardão máximo concedido pela prefeitura. Ele arrecada recursos sempre que pode: desde roupas que lhe dão os abonados do Clube de Natação de Barcelona até as receitas de espetáculos em que colaboram artistas como Joan Manuel Serrat ou, outrora, Pepe Rubianes.

Seu trabalho de 35 anos de sacerdócio o transformou em uma pessoa reconhecida em Barcelona, mas setores católicos conservadores o veem com reservas, pois Pousa defende posições polêmicas e incômodas a respeito de temas como o casamento homossexual (na verdade, casou vários casais na prisão) ou o sacerdócio feminino. Também é um defensor do celibato opcional e admite que vive com “uma companheira”, Conchita, embora afirme que não mantêm relações sexuais.

Todas essas reflexões foram recolhidas pelo escritor Francesc Buxeda em seu livro “Pare Manel. Més a prop de la terra que del cel” (Pare Manel. Mais perto da terra que do céu – Angel Editorial), publicado em fevereiro deste ano. O texto traz pensamentos como este: “Crer em Deus não é crer cegamente em uma norma de boa-fé, educação, bons costumes”, e sim “dar de comer ou beber” aos pobres. Também acrescenta: “Sou tão da Igreja quanto o papa. Pode ser que o que eu digo soe mal para extrema-direita, mas essa gente não vai me afastar de minha Igreja”.

No entanto, a parte do livro pela qual o arcebispo de Barcelona, Lluís Martínez Sistach, criticou Pousa foi a que conta como ele ajudou duas menores a abortar. Pousa, que anunciou ontem que não fará declarações até que acabe a investigação do arcebispado, declarou-se em várias ocasiões “antiaborto”.

Segundo ele, a decisão de ajudar as jovens foi impelida pela ideia de “cometer um mal menor para evitar outro maior”. Segundo o livro, o sacerdote tinha na cabeça a lembrança de outra menor que morreu de hemorragia depois de abortar sem qualquer assistência em casa, o que também o motivou a pagar os abortos. Pousa revelou o episódio em uma entrevista em 2008. O tema foi retomado por blogs e sites católicos. No texto se queixa de que a versão jornalística não captou o contexto em que ele tomou a decisão.

O entorno de Pousa afirma que por trás da decisão de Sistach está o grupo ultracatólico E-Cristians e os cardeais de Madri. O próprio sacerdote reconhece no livro que se estivesse em Toledo “já teriam me excomungado e tirado de padre”.

A nota da cúria em que se informa sobre o início das investigações elogia o trabalho do sacerdote: “Essas diligências preceituais pela normativa canônica não impedem de reconhecer o trabalho social que há muitos anos este sacerdote realiza a serviço dos grupos mais necessitados de nossa sociedade”.

O arcebispado diz que serão abertas diligências de ofício para esclarecer a participação do padre no aborto, para dar cumprimento ao Código de Direito Canônico. Segundo essa norma, o fato de cooperar em um aborto leva automaticamente à excomunhão “latae sententiae”, embora previamente se deva investigar.

Segundo Josep Casanovas, professor de direito na Universidade de Barcelona e Esade e especialista em tribunais da Igreja, o início da investigação “não quer dizer que se vá excomungar diretamente o padre”. Acrescenta que Pousa tem direito a colaborar dentro do processo com seu depoimento. Casanovas acredita que será difícil demonstrar que o Pare Manel foi “cooperador necessário” do aborto, isto é, que sem sua ajuda não teria sido possível realizar a interrupção da gravidez, condição para poder excomungá-lo.

Francesc Buxeda, o autor do livro, afirmou que o encontro em que Sistach anunciou a decisão ao Pare Manel “foi cordial”, embora acrescentasse que todo o episódio os distanciou. “É lógico que o arcebispado atue de acordo com seus códigos. Outra coisa é que seja coerente com a realidade social. A Igreja não está preparada para dar soluções reais aos problemas reais”, indicou o jornalista.
Pousa continua com sua vida normal e, segundo seus amigos próximos, está tranquilo. Segue uma de suas máximas: “Cada um deve ser livre para poder adaptar a religião a sua maneira de viver”.

[b]Um sacerdote perto da terra
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História de dois abortos. “Nunca recomendei a essas meninas que abortassem, lhes dei a opção de dar seus bebês em adoção ou de ajudá-las até que completassem 18 anos. Mas juraram a Ana [a educadora] que abortariam igualmente, e no último momento decidi pagar. (…) Pedir uma entrevista aos serviços sociais era lento demais, passaríamos do prazo. (…) Não sou a favor do aborto.”

Casamento homossexual. “São casais que se casaram previamente pelo civil e depois querem uma cerimônia religiosa para dar graças a Deus por seu amor. Hoje não é ilegal canonicamente. Se você disser que isso é um casamento seria ridículo. As pessoas têm direito a dimensionar religiosamente sua festa, independentemente de sua orientação sexual.”

Sacerdócio feminino. “Em minha família eclesiástica não posso condenar as igrejas que não ordenam mulheres (…) Quem quiser ser sacerdotisa que vá à anglicana.”

[b]Fonte: El País[/b]

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