Várias localidades muçulmanas ainda dificultam ou proíbem o acesso de suas atletas à competição. Amparado por “razões culturais e religiosas”, a Arábia Saudita afasta sem rodeios suas mulheres do esporte.

“Esta é uma residência governamental e tanto a piscina como os ginásios são só para homens”, afirma o recepcionista do Palácio de Conferências de Jedá. É assim em todas as instalações públicas da Arábia Saudita, incluindo suas escolas e seus institutos.

Às portas dos Jogos de Pequim, que começam em 8 de agosto próximo, as restrições às desportistas nos países muçulmanos continuam na ordem do dia. Tamanha é a discriminação que um grupo de ativistas pediu ao Comitê Olímpico Internacional (COI) que cumpra seus estatutos (que exigem a não-discriminação por motivo de sexo) e proíba a participação dos países que excluem as mulheres das competições internacionais.

“O COI deve suspender a participação nos Jogos dos países que não permitem a atuação de suas mulheres”, pede um relatório do Instituto para Assuntos do Golfo (IGA na sigla em inglês). A pressão começou depois dos Jogos de Atlanta com o grupo Atlanta/Sydney Plus, e em 2000 se somou à Fundação para o Esporte da Mulher. Apesar de esses esforços terem se traduzido em uma maior presença feminina nas últimas convocações, o COI se mostra reticente a adotar uma medida que só foi aplicada contra a África do Sul por sua política de segregação racial.

“A passagem da tocha olímpica provocou protestos de Paris a San Francisco, devido ao tratamento que a China dá ao povo tibetano, mas ninguém protestou por outra tragédia que afeta milhões de mulheres na Arábia Saudita, no Irã e em outros países muçulmanos”, denuncia Ali al Ahmed, diretor do IGA e ativista pelos direitos humanos. “Muitas mulheres muçulmanas nem sequer sonham em participar dos Jogos porque seus países proíbem totalmente o esporte feminino, ou restringem severamente suas atividades atléticas.”

Apesar de a situação variar muito, é um fato que a presença de mulheres de países islâmicos nos Jogos Olímpicos é rara. Dos 57 membros da Organização da Conferência Islâmica só dois vetaram abertamente sua participação: Arábia Saudita e Brunei. Mas embora as equipes olímpicas exclusivamente masculinas tenham se reduzido de 35 em Barcelona em 1992 para cinco em Atenas quatro anos atrás, entre os 10 mil atletas de duas centenas de países que irão a Pequim ainda haverá um punhado nos quais a presença feminina será apenas simbólica.

A falta de promoção das atividades desportivas da mulher desde a infância ou as restrições à sua forma de vestir-se limitam a possibilidade de se dedicarem ao esporte, quanto mais da alta competição. No Irã, por exemplo, a obrigação de ocultar o corpo feminino, imposta pouco depois da vitória da Revolução Islâmica, impede a participação de suas mulheres em encontros internacionais. Corredoras, futebolistas e outras jogadoras têm de usar calças compridas, batas até o joelho e lenço, o que é proibido pelos regulamentos. Suas nadadoras só podem competir diante de público e juízes femininos. Esses empecilhos prejudicam tanto sua capacidade de se medir contra outras atletas quanto sua consideração nos circuitos esportivos.

O Irã promoveu nos últimos anos uma opção alternativa, os Jogos Islâmicos Femininos, nos quais as mulheres competem sem violar as normas de vestuário mais ortodoxas. No entanto, além de consagrar a segregação sexista, esse evento carece do nível e do reconhecimento dos Jogos Olímpicos, onde as iranianas só podem participar completamente cobertas.

Sua representante de tiro em Atenas, Nasim Hasampur, era uma ginasta destacada, obrigada a mudar sua especialidade diante da impossibilidade de se apresentar de malha em público. Dos 52 esportistas que o Irã vai enviar a Pequim, só dois são mulheres, uma atiradora de arco e uma lutadora de taekwondo.

Como resumiu Nawal al Mutawakel, a campeã olímpica marroquina de 400 metros com barreiras em Los Angeles em 1984, “a participação das mulheres no esporte é um reflexo de sua posição na sociedade em geral. Sua entrada nesses espaços esportivos coincide muitas vezes com sua entrada e participação ativa na sociedade civil e na política”.

Sem necessidade de legislação, o peso das tradições e o sistema patriarcal conseguem efeitos semelhantes em Catar, Iêmen e Emirados Árabes Unidos, que finalmente romperam o tabu enviando a filha de um xeque a Pequim. Inclusive no Afeganistão ou no Iraque, cujos novos governos aderem – pelo menos na forma – à promoção da igualdade, os islamistas radicais se aliam para desencorajar a participação da mulher. Robina Muqeemyar foi a única afegã em Atenas e correu os 100 m de calças compridas e camisa com mangas.

A vitória amarga de Hasiba Bulmerka em Barcelona foi uma lição. A argelina, que ganhou os 1.500 m e se transformou em ícone para muitas mulheres árabes, foi obrigada a transferir sua residência para a Europa diante das ameaças dos grupos fundamentalistas que a recriminavam por correr de shorts e negar-se a usar o véu nos atos públicos. Um risco com o qual também tem que contar Dana Abdul Razzaq, a única iraquiana em Pequim.

“O COI deve fazer mais para eliminar as práticas discriminatórias de seus membros, que violam a própria carta olímpica”, pede Al Ahmed, co-autor do informe do IGA. Seus olhares estão em Londres 2012. Na opinião dele, esses jogos “deverão testemunhar a celebração das atletas da Arábia Saudita, Catar, Emirados Árabes Unidos, Irã e outros países islâmicos”.

Voltando a Jedá, Lina al Maeena considera positiva essa campanha. “Talvez as pressões nos ajudem a fazer as coisas andar mais depressa”, afirma. Al Maeena é a capitã e uma das fundadoras do Jeddah United, uma equipe feminina de basquete que, como os recém-formados times de futebol e vôlei, joga na clandestinidade. “Não temos instalações nem treinadores nem árbitros, é tudo um esforço pessoal e, no entanto, o esporte poderia nos ajudar a combater muitos males sociais.” Para ela e as demais jogadoras, o encontro olímpico é um sonho. Se conformariam em poder competir, mesmo que fossem cobertas como as iranianas.

Fonte: El País

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