Por Carolina Riveira e Cecília do Lago
EXAME.com
O avanço dos evangélicos na população brasileira se reflete no cenário político. Para as eleições de 2020, houve um aumento de 34% no registro de candidatos que utilizam a designação de pastores e pastoras no nome que aparecerá nas urnas, incluindo siglas e abreviações.
São 4.915 inscrições que fazem referência exclusivamente ao cristianismo evangélico, quase metade das 11.059 candidaturas explicitamente ligadas à religião. No pleito municipal de 2020, os candidatos religiosos cresceram 26% em comparação a 2016, que somavam 8.783.
A EXAME tabulou os dados atualizados do TSE para detectar candidaturas ligadas a esse tema. O levantamento foi feito considerando o nome de urna e a ocupação principal dos candidatos. O aumento é acima do esperado, já que entre uma eleição e outra o número de candidaturas evoluiu 10%, batendo recorde. A multiplicação de candidatos é um efeito da regra do fim das coligações proporcionais.
A maioria se cola à religião pelo nome que será exibido na urna. Ou seja, assim como os profissionais da saúde e os ligados às forças de segurança, há um movimento de entrada no mundo político por parte dos religiosos maior do que aquele detectável apenas pela declaração profissional dos candidatos.
O crescimento das candidaturas religiosa vem, sobretudo, do avanço do número de postulantes evangélicos ao cargo de prefeito e vereador. Candidaturas exclusivamente católicas, considerando siglas e abreviações, se mantiveram estáveis com seus 210 postulantes. Há 63 candidaturas ligadas às religiões de matriz africana e três ao judaísmo.
Quando se consideram apenas os candidatos que declararam “sacerdote ou membro de seita religiosa” como ocupação, o número cai consideravelmente: são 907 candidatos a prefeito ou vereador. Nesse aspecto, o aumento foi de 17% desde 2016.
O partido com maior entrada de candidaturas explicitamente religiosas é o Republicanos, com 863 candidatos, que também lidera entre os claramente evangélicos, 394. Essa fatia de cristãos cresceu 48% dentro do partido desde as últimas eleições. O partido é ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, e apoia a reeleição de Crivella no Rio de Janeiro. Em segundo está o PSC, que perdeu 10% de quadros abertamente evangélicos de 2016 pra cá.
Mas esses números podem ser maiores por algumas razões: nem todos os religiosos usam termos ligados à fé em seu nome de urna, dentre os que usam, nem todos são específicos. Missionário e irmão por exemplo, não são de uso exclusivo de uma só denominação cristã. EXAME separou ainda ambiguidades com sobrenomes e relações familiares, por exemplo, Evangelista e Bispo. O principal nome do Republicanos não faz parte do grupo: Celso Russomanno, ex-apresentador e deputado, pela Prefeitura de São Paulo, lidera a última pesquisa Datafolha com 27% de intenções de voto.
Pará, Rio de Janeiro e Goiás são os estados com maior proporção de candidaturas explicitamente evangélicas 72%, 42%, 37%, respectivamente, acima do que o registrado no restante do país.
O aumento de candidatos evangélicos vai em linha com o crescimento dessa frente religiosa na população do Brasil. Segundo o último censo do IBGE, de 2010, cerca de 22% dos brasileiros são evangélicos, ou mais de 44 milhões de pessoas. No censo de 1991, eram apenas 9%. O número de católicos, que já foi de mais de 90%, ficou em 65% no último censo. Há décadas que está em curso no Brasil essa mudança do perfil do cristianismo, o fiel católico está se transferindo para a fé protestante.
Religião em expansão
Os evangélicos no Brasil, em suas diferentes correntes, devem ultrapassar os católicos em número já na próxima década, segundo os estudos do demógrafo José Eustáquio Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE. O número de evangélicos cresce a cada ano em pouco menos de 1%, enquanto o de católicos diminui em proporção parecida.
Os pastores, líderes religiosos e ativos em suas comunidades, conseguem ter um contato amplo com uma parcela da população na igreja. Para o antropólogo Aramis Silva, esse é um ponto forte dos pastores como candidatos diante de parte dos eleitores.
“Antes de gerar votos, audiências produzem o capital essencial do mundo em redes: visibilidade. Ou seja, o que precisamos compreender é que os políticos evangélicos escancaram a lógica da representação contemporânea”, diz Silva, que é pesquisador do Grupo de Estudo sobre Religião e Esfera Pública vinculado ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). “Esses agentes, muitas vezes mal compreendidos como simples reacionários, precisam ser encarados como jogadores de peso na disputa por um novo Brasil.”
Para além do crescimento dos protestantes em número de fiéis no Brasil, os políticos evangélicos se mostram mais presentes na política institucional do que seus análogos de outras religiões também por uma questão organizacional das igrejas.
Enquanto a Igreja Católica é mais centralizada, com todos os padres precisando ser ordenados por uma sede em Roma, a evangélica tem diferentes vertentes, cada qual com suas regras para ordenação de pastores ou até criação de novas frentes religiosas.
Essa centralização católica faz com que haja menor abertura para candidatos ingressarem oficialmente na política, diz Arnaldo Mauerberg Junior, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. “Há uma maior flexibilização em várias igrejas evangélicas. Caso deseje se candidatar, um pastor tende a ser menos controlado, a depender de sua igreja. Entre os católicos isso é mais difícil”, diz.
Bancada evangélica
Nas eleições nacionais para o Congresso em 2018, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) contou 91 eleitos no que chamou de “bancada evangélica”, um crescimento ante os 78 da legislatura anterior. Nessas eleições municipais, os candidatos denominados pastores estão espalhados entre uma série de partidos.
Uma vez eleitos, o fato de esses políticos serem evangélicos não deveria impactar diretamente na formulação de políticas: a Constituição prega um estado laico e, no limite, aos políticos eleitos é preciso buscar a melhor política para todos os brasileiros, não só para seus eleitores.
Embora a Constituição determine o Estado brasileiro como laico, os candidatos tendem a apelar para seu nicho, sobretudo no Legislativo, onde há mais cadeiras. No caso dos religiosos evangélicos, tem havido no discurso público promessas mais voltadas ao campo comportamental e conservador, como restrição do direito ao aborto (hoje permitido no Brasil somente em casos específicos) ou educação sexual nas escolas.
Os pesquisadores lembram também que esse grupo está longe de ser coeso e homogêneo. “Há os que fazem mais barulho defendendo pautas de comportamento, e há os mais silenciosos, que tem uma organização por trás e tendem a defender, uma vez eleitos, pautas caras à sua organização, como redução de impostos para igrejas”, diz Mauerberg, da UnB.
Há ainda uma diferença entre os políticos de eleições federais e os deste pleito municipal, diz Mauerberg. “O candidato pode até ter um discurso que converse com um eleitorado mais conservador, mas há um limite do que um vereador pode fazer em seu município em algumas dessas pautas mais amplas, porque muita coisa vem direto de Brasília”, diz.
Seja como for, para os religiosos, vale a mesma regra de outras campanhas: apesar da visibilidade que eventualmente tenham em suas comunidades, tendem a ser eleitos os candidatos com mais apoio de seu partido na campanha ou da organização por trás de sua candidatura, como uma grande igreja que financie o candidato e lhe dê exposição. O dinheiro e a organização da campanha ainda contam, e muito.
Fonte: EXAME