O prefeito de Salvador, João Henrique, evangélico, é candidato a reeleição pelo PMDB, e Edvaldo Brito, ligado ao candomblé, é do PTB, e seu vice. O que poderia ser um belo exemplo da mistura étnica e religiosa da Bahia, está marcado por circunstâncias eleitorais e por fatos que antecederam a formação da chapa, em maio passado.

João Henrique Carneiro é branco, de uma conservadora família de políticos de Feira de Santana (a 110 km da capital baiana) e fiel adepto da tradicional Igreja Batista da Graça, um bairro da cidade. Ele tem evangélicos de vários matizes entre os assessores mais próximos, mantém uma bíblia sobre a mesa do gabinete e costuma fazer pronunciamentos em tons emocionais, às vezes messiânicos.

Edvaldo Brito é negro, professor de Direito Constitucional e Tributário e ligado à religião de seus ancestrais, o candomblé. Freqüenta, com a esposa, o famoso Gantois e consagrou a cabeça ao orixá Ogum, entidade do ferro e das demandas, no terreiro de nação keto (que tem raízes iorubás nigerianas) de Mãe Bida, localizado na cidade de Muritiba, recôncavo baiano, onde nasceu há 70 anos.

João Henrique é candidato a reeleição à prefeitura de Salvador, pelo PMDB, e Edvaldo Brito, do PTB, é seu vice. O que poderia ser um belo exemplo da mistura étnica e religiosa da Bahia, está marcado por circunstâncias eleitorais e por fatos que antecederam a formação da chapa, em maio passado.

No dia 27 de fevereiro, uma quarta-feira (no candomblé, dia de Iansã, a Oyá, senhora dos ventos e tempestades), por determinação de uma superintendência municipal, funcionários da prefeitura destruíram o terreiro de nação angola Oiá Onipô Neto, há quase duas décadas assentado numa área residencial da Avenida Jorge Amado, no bairro da Boca do Rio, sob alegação de irregularidade legais fundiárias. Paredes foram demolidas e objetos de culto, tidos como sagrados, violados.

A ação violenta teve ampla e negativa repercussão na cidade, gerou uma crise na equipe do prefeito e mobilizou protestos de entidades do movimento negro e de comunidades ligadas ao culto, que consideraram o fato uma “ação racista e de intolerância religiosa explícita”.

Acuado, com o ‘povo de santo’ e os militantes às portas do gabinete quase todos os dias, o prefeito disse que não teve prévio conhecimento da operação realizada e destituiu do cargo a superintendente e secretária de Planejamento Kátia Carmello, que acumulava as funções. A secretária, porém, continua à frente do Planejamento.

João Henrique recebeu ainda uma representação dos que protestavam, pediu publicamente desculpas à Mãe Rosa, líder religiosa do terreiro dedicado a Iansã, e comprometeu-se em reconstruir e legalizar a casa-de-santo, no mesmo lugar.

De olho na reeleição, os líderes peemedebistas avaliaram que o episódio faria estragos nas urnas, até porque Salvador é uma cidade com forte presença de afro-descendentes. E mais, com o avanço das igrejas evangélicas nos bairros populares já aconteceram conflitos, ameaças e invasões de alguns terreiros por grupos ‘cristãos’ mais radicais. Seria necessário descolar a imagem do prefeito evangélico de qualquer postura que pudesse significar preconceito racial e intolerância religiosa.

Uma sondagem feita em abril mostrou que o advogado Edvaldo Brito, ex-prefeito de Salvador nos anos de 1978 e 79, era o preferido dos eleitores entre os quatro negros que, em princípio, pleiteavam candidatura.

Ex-secretário de Justiça do Estado nos anos 70, secretário de Negócios Jurídicos na administração Celso Pitta, em São Paulo, especialista em leis e tributos, e ainda por cima, respeitado pela comunidade afro-descendente e filiado ao PTB, um partido integrado à base aliada do presidente Lula, Edvaldo foi sondado. Em maio, aceitou ser o vice na chapa de João.

“É uma chapa que retrata a pluralidade e o ecumenismo que são características de nossa cidade”, esquiva-se Edvaldo, preferindo falar de sua experiência e de como pode ser útil numa futura administração.

É o mesmo discurso que ecoa do Palácio Thomé de Souza, sede da prefeitura, onde João Henrique, na quinta-feira passada, recebeu homenagens de bispos da Igreja Universal pelos seus 49 anos. O aniversário também foi comemorado num ato ecumênico promovido pela direção da Santa Casa da Misericórdia, com a presença de pastores evangélicos batistas e um padre católico. Prefeito e líderes religiosos cristãos dizem que as crenças do vice ‘não importam’ nesse instante, mas sim ‘a competência e a capacidade de aglutinar forças pelo bem da cidade’.

Sobre a fé do professor Edvaldo Brito, a Bahia inteira tem conhecimento. No dia 2 de julho de 1977, designado pelo governador Roberto Santos, o então Secretário de Justiça foi a uma solenidade no Terreiro do Gantois entregar a Comenda da Ordem do Mérito Dois de Julho à famosa yalorixá Mãe Menininha, já adoentada e sentada numa cama. Ele mesmo conta o acontecido:

“Quando me curvei para colocar a comenda, meus dois joelhos se dobraram e bateram no chão, assim: pá! Já não pedi licença, mas agô”. Agô é a expressão iorubana com que os adeptos pedem licença antes de prostrar-se em respeito diante da mãe-de-santo (yalorixá).

Mãe Rosa, a do terreiro que foi derrubado, resume com sabedoria: “Nessa hora da política, para ganhar, vale qualquer coisa. Sempre ouvi dos mais velhos; cuidado, porque poder e política é feito jogo e dinheiro, é coisa de exu”. Exu, nos candomblés da Bahia, é o mensageiro, o dono das encruzilhadas.

Fonte: Globo Online

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