Página sobre o tema registra empate técnico após campanhas nas redes sociais pedirem votos a favor e contra a definição de que família é ‘união entre homem e mulher’. O Estatuto da Família é um projeto de lei do deputado Anderson Ferreira (na foto ao lado de Marco Feliciano).

Quase três anos após o reconhecimento da união homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal (STF), uma enquete no site da Câmara dos Deputados reacendeu a polêmica sobre o reconhecimento da família além da “união entre homem e mulher” e seus descendentes.

No ar desde o dia 5 de fevereiro, mais de meio milhão de pessoas se mobilizaram em torno da enquete, que não tem valor científico, mas serve como termômetro para os deputados conhecerem a opinião dos eleitores. Dos 558.471 internautas que responderam à pergunta “Você concorda com a definição de família como núcleo formado a partir da união entre homem e mulher, prevista no projeto que cria o Estatuto da Família?”, até a tarde de segunda (24), 50.83% responderam “não”, 48.78 % responderam “sim”, enquanto 0.39 % não souberam opinar. O número de participantes é mais do que o dobro da segunda enquete mais votada no site da Câmara. A manutenção do poder de investigação do Ministério Público, abordado pela PEC 37, obteve apenas 230.386 votos.

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A sondagem na página da Casa sobre a “união entre homem e mulher” aborda a definição feita pela proposta do Estatuto da Família, projeto de lei do deputado Anderson Ferreira (PR-PE), membro da bancada evangélica, que determina que só poderiam se beneficiar de programas sociais direcionados à proteção da família homens e mulheres casados ou com união estável reconhecida, ou ainda pais e mães solteiros ou viúvos. A descrição exclui casais homoafetivos do conceito.

A pesquisa causou polêmica nas redes sociais. Figuras públicas militantes anti e pró-direitos dos homossexuais mobilizaram seus seguidores para fazer valer a sua opinião. Entre perfis famosos de religiosos, o deputado Marco Feliciano (PSC-SP), pastor da Assembleia de Deus Catedral do Avivamento e com mais de 500 mil fãs no Facebook, e Silas Malafaia, pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, com mais de 700 mil seguidores no Twitter, se uniram em defesa da posição de Ferreira na enquete, pedindo votos ao “sim”. Do outro lado, entre os perfis pró-direitos LGBT, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) com mais de 300 mil fãs no Facebook e o cartunista Laerte Coutinho, em seu perfil pessoal, seguido por mais de 50 mil pessoas, se mobilizaram pedindo “não”.

Pela redação atual do Estatuto, outras configurações de família, como uniões homoafetivas, são excluídas de políticas públicas como assistência gratuita e especializada a dependentes químicos e acompanhamento de adolescentes grávidas. Na justificativa entregue por Ferreira ao Congresso, ele afirma que a definição “fortalece os laços familiares” ao estabelecer o conceito de entidade familiar, junto com a “proteção e a preservação da unidade familiar, ao estimular a adoção de políticas de assistência que levem às residências e às unidades de saúde pública, profissionais capacitados a orientação das famílias”.

Ferreira diz que apenas segue a definição de família da Constituição Federal, que define união estável entre homem e mulher, e afirma que a decisão que reconheceu o casamento gay no STF é mutável, assim como o colegiado da Corte. “O STF é um colegiado que sofre modificações, e a prova disso é o mensalão. Quando houve uma mudança na composição, mudou a decisão”, argumenta.

O deputado, em seu primeiro na Câmara, já foi vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos na Casa, ao lado de Feliciano, e relator do polêmico projeto da Cura Gay. Ele nega representar qualquer igreja no Congresso, e se classifica como “cristão”. “O político não é para ser despachante de igreja, ele precisa representar o eleitor dele. Eu defendo os meus princípios”, diz. “De onde veria um norte, da política, para guiar a sociedade, vem cada vez mais ações para desestabilizar a família. Hoje vemos políticos da Dilma defendendo aborto, um ex-presidente, o FHC, defendendo legalização das drogas. Os valores estão sendo invertidos e eu, através do meu mandato, estou lutando pela sociedade.”

A proposta de Ferreira vem em contraponto ao Estatuto das Famílias aprovado pela Câmara em 2010, mas que nunca virou lei. Ele está parado à espera de análise de recursos na Mesa Diretora da Casa, pois sua aprovação causou fúria da bancada evangélica por facilitar as regras do divórcio, reconhecer uniões estáveis quando uma ou ambas as pessoas ainda forem casadas no papel, e considerar como família núcleos além do “homem e mulher”, como formações de pais ou mães solteiros e famílias de grupos de irmãos, parentes ou filhos concebidos por meios artificiais.

O advogado constitucionalista Paulo Iotti critica Ferreira pela “clara tentativa de negar direito às famílias homoafetivas”. “Faltou ao deputado em questão coragem de ser explícito, mas isso é um problema do nosso Congresso Nacional”, diz. Para o jurista, a redação atual do projeto não chega a excluir os direitos de outras formações familiares, mas acaba com a objetividade, deixando a aplicação de tais direitos à mercê da interpretação da autoridade responsável. “Pelo que está escrito no projeto de lei, ele não cria uma proibição explícita, então continua mais ou menos na mesma situação de hoje, você regulamenta uma família, excluindo a união homoafetiva. Mas para garantir direitos, o juiz pode ir além da letra da lei.”

A união homoafetiva foi reconhecida pelo STF em maio de 2011, e garantiu a casais do mesmo sexo com relação “duradoura e pública” os mesmos diretos e deveres das famílias formadas por homens e mulheres. “O STF usou fundamentos constitucionais quando decidiu pelo reconhecimento da união homoafetiva, então essa lei seria inconstitucional”, diz Iotti. “É importante ter um estatuto que proteja todas as formas de família, a heteroafetiva, a homoafetiva, a poliafetiva…”

Para a professora de sociologia da PUC-SP, Carla Garcia, é preciso ficar alerta com a redação do texto que exclui outras definições, pois ela pode criar “um monstro”. “Os estatutos devem buscar proteger aqueles que vivem em uma situação de vulnerabilidade social, como os idosos, as crianças”, diz. “A que serve politicamente um estatuto como esse? Isso gera medo para quem está envolvido nas lutas sociais.”

Apesar da polêmica, Ferreira defende o seu projeto, e volta a dizer que a família é sim uma instituição ameaçada pelas “inversões de valores”, e que a discussão em torno do projeto está reduzindo seu trabalho a “um só artigo”. “O Estatuto da Família está muito acima de um único artigo, dentro dele está a questão de fornecer direito de acesso a psicólogos, a criação de uma disciplina na escola, assistência jurídica e a criação do Conselho da Família.”

Sobre o combate de militantes pró-direitos homoafetivos, o deputado diz que é uma briga “sem sustentação”. “Meu debate não é fundamentalista, é constitucional. O movimento LGBT está travando uma guerra no vazio, porque se ele quiser mudar isso (a definição de núcleo familiar) precisa pedir uma PEC (Proposta de Emenda à Consituição), para fazer uma mudança constitucional. Decisão do STF pode mudar”, diz.

[b]Fonte: Último Segundo[/b]

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