Evangélicos brancos compõem uma parcela fundamental do eleitorado norte-americano: em 2008, eram 26% dos eleitores, e a maioria se declarou republicana nas últimas eleições presidenciais.
Ralph Reed está claramente desfrutando de seu renascimento. Há apenas seis anos, o homem que transformou a Coalisão Cristã em uma força política tão poderosa que foi chamado de “braço direito de Deus”, era tido como liquidado e apresentava a reputação maculada devido a seus laços com o infame lobista Jack Abramoff, que à época foi derrotado em sua campanha para se tornar vice-governador da Geórgia, nos Estados Unidos.
Mas, após vários anos passados no purgatório político, Reed encontrou o caminho de volta.
Durante a convenção do Partido Republicano, realizada em Tampa, no Estado norte-americano da Flórida, ele foi procurado por figurões da agremiação política e foi acomodado no local de maior status possível: um quarto no mesmo hotel em que Mitt Romney estava hospedado. E, em breve, Reed pretende lançar uma operação sofisticada e super-focada para obter os votos dos evangélicos que, ele acredita, poderá gerar uma margem para a vitória de Romney caso o candidato seja capaz de se manter próximo de Obama na disputa pelos votos.
Há alguns dias, sentado em um escritório revestido com fotografias emolduradas e que lembram seus dias de glória – em uma imagem ele aparece com o ex-presidente George W. Bush durante a festa de Natal da casa Branca; em outra, com o papa João Paulo 2º no Vaticano -, o sobrenaturalmente jovem obreiro evangélico de 51 anos apoiou suas botas pretas de couro de avestruz em estilo caubói sobre a mesa de centro e fez o que considera ser uma previsão audaciosa: a de que um número recorde de protestantes evangélicos socialmente conservadores vão participar da primeira eleição da história que não conta com um candidato protestante no Partido Republicano.
“Deus”, disse ele em meio a uma risada, “tem senso de humor”.
Pode ser, mas Reed tem um plano. E ele tem o dinheiro necessário para levá-lo adiante: cerca de US$ 10 milhões a US$ 12 milhões de doadores de vários setores do círculo republicano, segundo uma lista parcial de doadores e pessoas que têm conhecimento direto de sua operação.
Há três anos, Reed formou a Coalisão Fé e Liberdade e começou a reunir o que ele chama de a maior base de dados da história formada por eleitores religiosos confiavelmente conservadores. Nas próximas semanas, segundo Reed, cada um desses 17,1 milhões de eleitores registrados em 15 Estados-chave dos Estados Unidos receberão três ligações telefônicas e pelo menos três correspondências via correio. Sete milhões deles receberão e-mails e mensagens de texto. Dois milhões serão visitados por um de seus mais de 5 mil voluntários. Mais de 25 milhões de guias para eleitores serão distribuídos em 117 mil igrejas.
Os evangélicos brancos compõem uma parcela fundamental do eleitorado norte-americano: em 2008, eles eram 26% dos eleitores, e a imensa maioria desses 26% se declarou republicana nas últimas eleições presidenciais, segundo mostram pesquisas de boca de urna. Com tão poucos eleitores verdadeiramente ainda indecisos, aumentar a participação dos evangélicos em Estados-chave como Colorado, Flórida, Iowa, Nevada, Carolina do Norte e Ohio muito provavelmente ajudará Romney.
Mas o sucesso da campanha de estímulo à participação desses eleitores nas urnas por parte de Reed dependerá de uma série de fatores, especialmente da possibilidade de esses eleitores sentirem uma aversão tão grande a algumas das políticas do presidente Barack Obama que conseguirão superar sua desconfiança da religião Romney – que é mórmon – e as mudanças de opinião do candidato em relação temas como o aborto. E, em uma eleição dominada pelas questões relacionadas aos empregos e à economia, ainda permanece em aberto se temas culturais polêmicos, como o apoio de Obama ao casamento de pessoas do mesmo sexo, serão tão potentes quanto foram no passado.
Em 2004, Reed foi o arquiteto da tática de atração dos eleitores evangélicos que, acredita-se, tenha ajudado Bush a se reeleger. Depois disso, ocorreu o escândalo de tráfico de influência envolvendo Abramoff. Apesar de Reed não ter sido acusado criminalmente no caso, o trabalho que sua empresa de consultoria fez para os clientes de Abramoff – uma tribo indígena que explorava casinos -, que se opunha aos planos de casinos concorrentes, manchou sua reputação entre os cristãos conservadores, muitos dos quais são contrários aos jogos de azar. Reed reconhece que avaliou mal a situação.
“Dinheiro e poder sempre dão um jeito de andar juntos e, às vezes, é difícil resistir ao poder de atração dessa combinação”, disse Clint Austin, lobista cristão que trabalhou com Reed. “Eu digo isso com muita humildade, pois não sou ninguém para julgá-lo. Mas existiam tantas razões para preocupação que muitos de nós sentimos que ele necessitava se retirar e redirecionar seu foco. E acredito que foi isso que ele fez”.
Reed recomeçou se alinhando a Romney durante a campanha das prévias contra o senador John McCain, o candidato republicano à presidência em 2008, disse Deal W. Hudson, amigo de Reed e presidente da Rede de Católicos da Pensilvânia. Reed distribuiu um filme, “Amendment 6” (“Emenda 6”, em tradução livre), que vincula a ideia de tolerância religiosa à aceitação, por parte dos evangélicos, da religião mórmon.
“Esse filme foi um grande exemplo de como Ralph trabalha”, disse Matt Towery, analista político do Estado norte-americano da Geórgia. “Ele é um oportunista – e eu não estou falando isso de maneira pejorativa. Quando ele encontra uma oportunidade, ele vai atrás dela – e ele vai fundo”.
Com grande parte do trabalho que antes era realizado pelos comitês partidários e de campanha atualmente terceirizado para os supercomitês de ação política e a outros grupos externos, Reed detectou outra oportunidade. Em 2008, a campanha de Obama venceu a disputa pela participação do eleitorado nas urnas usando tecnologia e dados vinculados ao crescimento das compras feitas pela internet, que permitiram o foco direcionado.
A Coalisão Fé e Liberdade, formada em 2009, é a tentativa de Reed de fazer o mesmo pela direita. Para identificar os eleitores religiosos que apresentavam uma maior probabilidade de votar no Partido Republicano, o grupo utilizou 171 indicadores.
O grupo também adquiriu listas de membros de grandes igrejas, além de ter coletado registros públicos sobre os detentores de licenças de embarcações e permissões de caça e realizado pesquisas independentes com pessoas que responderam “sim” à pergunta “Você lê a bíblia?”. O trabalho também detectou quem fez o download de livros com temática conservadora, como “Going Rogue”, de Sarah Palin, em seus dispositivos eletrônicos de leitura, e se essas pessoas também dirigiam picapes. O grupo foi ainda mais fundo, buscando os eleitores casados e com filhos, preferencialmente proprietários de residências com valor superior a US$ 100 mil.
Por fim, os nomes de pessoas que se repetiram em pelo menos uma dúzia de indicadores foram sobrepostos aos registros eleitorais para obter uma base de dados com os endereços e, em muitos casos, os endereços de e-mail e números de celular de mais de 17 milhões de eleitores religiosos aptos a votar – e não apenas dos evangélicos, como também dos católicos que costumam ir à missa. O grupo também está tentando obter o apoio dos quase 2 milhões de pessoas que nunca se registraram para votar.
Uma medida da influência potencial da coalisão são seus doadores, que representam um grupo de eleitores republicano bem mais amplo do que a mera direita religiosa. O grupo não é obrigado a revelar a identidade de seus doadores, mas uma lista parcial foi obtida pelo jornal “The New York Times”.
Por exemplo, o doador Bernard Marcus, co-fundador da varejista de produtos para casa e construção Home Depot, apoia o direito ao aborto, mas quer a redução do tamanho do Estado. Por outro lado, o administrador de fundos mútuos Foster Friess apoia causas religiosas de natureza conservadora e foi um dos principais doadores de um supercomitê de ação política que apoiou Rick Santorum. Outro doador é John M. Templeton Jr., que dirige uma fundação voltada à busca de “novos insights situados na fronteira entre teologia e ciência”.
Além de sua campanha de incentivo de comparecimento às urnas no dia da eleição, o grupo pretende se concentrar em dois referendos estaduais: uma proposta constitucional para proibir o casamento entre pessoas do mesmo sexo em Minnesota e um esforço para convocar novamente o voto de um juiz da Suprema Corte de Iowa, que se declarou favorável à legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo no estado.
Reed e seus aliados concordam que somente as questões sociais não serão capazes de causar uma reviravolta nas eleições.
O casamento entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo, “não faz ferver o sangue da maioria dos católicos que costumam ir à missa”, disse Hudson, acrescentando que, apesar de ainda se configuraram como uma preocupação, “as atitudes em relação aos homossexuais mudaram muito nos últimos anos”.
E o grupo planeja vincular sua mensagem social a uma mensagem econômica mais ampla. A reforma do sistema de saúde realizada por Obama será pintada tanto como um grande gasto por parte do governo quanto como um ataque à liberdade religiosa. Isso porque a lei exige que os funcionários de organizações vinculadas a ordens religiosas, como hospitais, universidades e instituições de caridade, tenham acesso gratuito a métodos contraceptivos por meio de seus planos de saúde.
Além disso, o relacionamento atribulado de Obama com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, uma questão importante para muitos evangélicos, será ressaltado, disse Gary Marx, diretor-executivo da Coalisão Fé e Liberdade.
Alguns especialistas que atuam no Partido Republicano duvidam que Reed seja capaz de mobilizar um novo exército evangélico.
Mesmo assim, um teste prévio foi o trabalho da coalisão realizado em 2009, durante a campanha para o governo do Estado da Virgínia, quando as pesquisas de boca de urna mostraram que a parcela de evangélicos do eleitorado saltou para 34%, a partir dos 28% registrados em 2008.
“A organização de Ralph desempenhou um papel incrivelmente importante”, disse Phil Cox, gerente da campanha do candidato republicano eleito na Virgínia, Bob McDonnell. “Ele fala a língua da política com fluência”.
[b]Fonte: The New York Times[/b]