O Império molda o cristianismo desde os tempos do apóstolo Paulo. Identificar os sistemas imperiais na forma de pensar, sentir e viver o Evangelho é tarefa da teologia e exige um árduo trabalho de “desconstrução”, disse o teólogo metodista alemão Joerg Rieger.
O professor da Southern Methodist University, de Dallas, Estados Unidos, participou, na quarta-feira, 19, da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, organizada pela Faculdade de Teologia (FaTeo) da Universidade Metodista de São Paulo. Ele é autor do livro “Cristo e Império: de Paulo aos tempos pós-coloniais”.
Quem vive em terras latino-americanas, que sempre foram cenário da exploração de potências econômicas, consegue identificar com mais clareza a ação – e os danos – do imperialismo.
Acontece, porém, que nem sempre o imperialismo é perceptível, pois pode se apresentar de maneira pacífica e benevolente. “Este é um problema que temos hoje nos Estados Unidos. Durante o governo Bush, o Império estava claro. Hoje, há quem possa pensar que o Império acabou simplesmente porque mudou o governo”, afirmou.
Segundo relato da repórter Suzel Tunes, da FaTeo, Rieger distingue o poder “duro”, como foi o caso do exercido pelo Império Romano, do poder “brando”.
Como poder brando o teólogo metodista alemão mencionou a atuação do padre Bartolomeu de Las Casas (1474-1566) por seu posicionamento contra a escravidão indígena, mas que se tornou modelo para uma forma de colonialismo pela educação.
O pensamento imperialista molda sociedades, culturas e também moldou o cristianismo, apontou Rieger. Até mesmo teólogos de vanguarda, como o alemão Friedrich Schleiemacher (1768-1834), fundador do “liberalismo teológico”, não escapou dessa forja.
Ele teria, de acordo com o professor da Southern Methodist, o que os historiadores chamam de “fantasia colonial”. Schleiermacher achava que o cristianismo seria portador de um natural poder de atração sobre outras tradições religiosas.
Schleiermacher acreditava que todas as religiões têm experiência de Deus. Sua teologia seria, portanto, inclusiva. “Mas pense em como ele inclui as outras religiões. Quando ele diz que outras religiões têm consciência de Deus, ele estabelece uma hierarquia: as monoteístas teriam mais consciência do que as politeístas; os cristãos teriam mais consciência do que os judeus e os judeus, por sua vez, mais consciência do que os muçulmanos.”
Rieger detecta, nessa concepção, um “senso de superioridade eurocêntrica”, a serviço, portanto, do colonialismo europeu.
Para Riger, o Credo de Nicéia, resultado do Concílio de Nicéia (325 d.C.), confissão de fé aceita por católicos e protestantes, é paradigmático do Império. O Credo diz:
– Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, gerado do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, Luz da luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não feito, da mesma substância do Pai.
Afirmar que Jesus tem “a mesma substância do Pai”, alegou o teólogo alemão, é o mesmo que lhe conferir características tradicionalmente identificadas com a Primeira Pessoa da Trindade: Jesus se torna onipotente, imutável, impassível.
“É como se o menino pobre, o Jesus carpinteiro, fosse colocado num pedestal e transformado repentinamente num imperador”, afirmou Rieger. Ele propôs uma leitura alternativa do Credo: olhar o Deus Todo Poderoso à luz do camponês assalariado, sempre ao lado do povo, enxergando a Primeira Pessoa da Trindade a partir da Segunda!
Fonte: ALC