Anna Virginia Balloussier
Folha de S. Paulo

Entre 1991 e 2010, os católicos caíam 1% ao ano, e os evangélicos cresciam 0,7%. Segundo José Eustáquio Alves, doutor e pesquisador em demografia, são várias as indicações de que a queda do primeiro grupo passou para 1,2% nos últimos anos, a e a subida do segundo, para 0,8%. 

Se aplicar estas taxas num modelo de projeção geométrica, diz o demógrafo, após cinco séculos de predomínio católico, chegará a era da maioria evangélica.

Hoje, católicos são metade do país, segundo pesquisa Datafolha feita nos últimos dias 5 e 6 de dezembro. E foram os evangélicos que melhor ocuparam esse espaço vago, seguidos por pessoas que se declaram de outras religiões ou sem nenhuma delas (este grupo, no período, expandiu-se em torno de 0,4% por ano).

Alves, que se aposentou neste ano do IBGE, projeta que a partir de 2022, o ano em que o país comemora sua independência, os seguidores do Vaticano devem encolher para menos de 50% e, dez anos depois, seriam 38,6% da população. 

Já os evangélicos alcançariam em 2032 a marca dos 39,8%, superando os católicos. O segmento protestante teria então maioria simples, mas não absoluta —mais do que a metade populacional.

“Não sei se este crescimento vai continuar. Não existe nenhum determinismo nesta questão”, diz Alves. “Mas é uma possibilidade que está aberta, e os evangélicos podem, sim, ser maioria absoluta lá pelos idos de 2050. O futuro dirá?”

De tão dinâmica, essa placa tectônica de fé fez o próprio pesquisador reajustar suas expectativas. Em artigo de 2017, Alves calculou que evangélicos ultrapassariam católicos até 2040. Esse deslocamento demográfico aligeirou, contudo, o que o levou a antecipar essa tendência em alguns anos.

Para o pesquisador, palavras-chave para essa aceleração: ativismo evangélico, passividade católica e maior interação entre igrejas evangélicas e política. E pode colocar nessa equação o apoio em massa dos maiores líderes do segmento ao presidenciável Jair Bolsonaro em 2018.

Para Clemir Fernandes, pastor batista e sociólogo do Iser (Instituto de Estudos da Religião), um cuidado a ser tomado diz respeito ao potencial de dilatação dos evangélicos. “Todos os movimentos têm tetos de crescimento, pois estão em interação com muitos outros.”

Cravar se o grupo religioso vai ou não ser majoritário no país entra no terreno da futurologia, afirma. Mas comparações com fenômenos vizinhos seriam possíveis.

Fernandes lembra da Coreia do Sul. O país tem um número significativo de pessoas sem quaisquer filiações religiosas (56%, segundo censo de 2015). O maior bloco de fé é o protestante, com quase 20%, excedendo budistas e católicos.

Essa dianteira, contudo, se estabilizou, aponta o sociólogo. “Nos anos 1980 e 1990, evangélicos sul-coreanos aumentaram em taxas muito elevadas. Já nos anos 2000 isso arrefeceu, e a Igreja Católica voltou a crescer.”

Para ele, são multicausais os fatores que levaram evangélicos ao atual patamar no Brasil. Se pararmos para pensar, o grupo propulsionou sua presença a partir da redemocratização, “quando a sociedade tradicionalmente católica passa por mudanças, e havia espaço para novas possibilidades, incluindo novas crenças”. 

Fora que a oratória evangélica, sobretudo a neopentecostal, parece ser o número dos nossos tempos, diz Fernandes. “A pregação católica é mais coletivista, e o mundo se tornou mais individualista, procurando resolver problemas de maneira mais individual. A evangélica tem uma pregação que conjuga esse tipo de apelo.”

E ela atende também a tempos mais apegados à customização. “Essas igrejas têm uma diversidade enorme de discursos diferenciados para movimentos, tribos e classes sociais. Tem para todos os gostos, e é bom que se diga sempre, até para LGBTs, o que não acontece tanto no mundo católico, de certa homogeneidade.”

Uma senhora com mais de dois milênios, a Igreja Católica pode ser mais lenta para se adaptar a novas realidades, mas não dá para menosprezar uma tradição de séculos, e parada ela também não está. A Renovação Carismática dos católicos é um bom exemplo de reação, segundo Fernandes. 

“O declínio seria muito maior se não fosse a atuação forte dessa corrente em meios de comunicação, com um estilo de pregação e uma estética litúrgica muito parecidos com os pentecostais e neopentecostais, segmento que mais cresce no mundo evangélico.”

Fonte: Folha de S. Paulo

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