Por dois anos, Faiza Abdal-Majeed carregava um véu em sua bolsa em caso de emergências.

Para uma mulher na capital iraquiana, quatro anos depois da queda do ditador Saddam Hussein, essas emergências podem incluir passar por barreiras ilegais controladas por milícias armadas, ataques-surpresa nas vizinhanças controladas por fanáticos religiosos e motoristas de táxi que se recusam a fazer a corrida a menos que a passageira cubra seu cabelo com o véu.

Além disso, o trabalho de Faiza com o ministério de assuntos femininos freqüentemente a coloca em contato com funcionários do governo, policiais e clérigos muçulmanos, que insistem para que ela se cubra antes de conversar.

“Alguns clérigos e políticos impõem a religião em nossas vidas”, disse Faiza, de 45 anos. “Estamos sendo levados de volta no tempo, mil anos atrás.”

Bagdá já foi considerada uma metrópole secular e cosmopolita, onde os costumes islâmicos raramente iam de encontro à moda das mulheres. Mas, hoje, a ideologia religiosa estendeu seu alcance e forçou metade da população a se submeter à vestimenta islâmica tradicional.

Nas ruas da capital, os modelitos mais comuns são os que as mulheres chamam de uniforme islâmico: a notável túnica preta e longa (abaya) que cobre o corpo da cabeça aos pés; o véu; e as compridas camisas de manga longa, vistas comumente em estudantes, universitários e profissionais.

As mudanças deixaram uma geração de mulheres, em especial as mais instruídas e com maior poder aquisitivo, lutando para corresponder às expectativas.

“Sempre discuto com meus amigos e minha família sobre usar ou não o véu”, disse a ativista de 21 anos Zaineb Hussein. “Não posso sair sem ele, mas o tiro assim que chego ao escritório. Eu me sinto completamente livre sem ele.”

Apesar de islâmicos extremistas exercerem influência sobre a sociedade ao longo dos últimos quatro anos, muitas mulheres consideram o parlamento do país (eleito democraticamente há dois anos) como o principal responsável pela regressão da liberdade e das escolhas de roupa do povo.
“O governo se contradiz em tudo, menos no que diz respeito aos direitos das mulheres”, disse Yanar Mohammed, presidente da Organização da Liberdade da Mulher no Iraque. “Eles usam a nova Constituição para impor a lei islâmica e diminuir os direitos da mulher.”

Por exemplo, Maysoon Al-Damlugi, que faz parte do 25% feminino do parlamento iraquiano, disse que a maioria de suas colegas da Assembléia cobrem suas cabeças. Isso é , ela disse, um indicativo de como o fervor religioso tem dominado o cenário político.

“A abaya e o hijab [o véu] são símbolos políticos”, disse Maysoom, 45, que se recusa a cobrir sua cabeça e está trabalhando em uma emenda constitucional para banir a discriminação no Iraque, inclusive contra as mulheres.

Essa mudança nas atitudes tem deixado muitas pessoas preocupadas com a possibilidade de que o Iraque se aproxime de uma teocracia similar à de seu vizinho Irã, onde as mulheres são obrigadas por lei a cobrir suas cabeças, enquanto outros países na região avançam notavelmente no que diz respeito à liberdade feminina.

Bushra Yousef, 51, é a editora-chefe de uma revista feminina iraquiana. Ela fugiu de Bagdá para Damasco em dezembro depois de ser ameaçada de morte. Ela disse que as mulheres na capital Síria têm mais autonomia para se vestirem do que as iraquianas.

“As mulheres sírias têm mais liberdade para escolher o que vestir”, Bushra comentou por telefone. “As mulheres no Iraque são freqüentemente forçadas a vestir o uniforme islâmico, até mesmo as mulheres cristãs.”

Ragadaa Manuale, uma cristã de 36 anos, confirmou esse ponto de vista.

“Às vezes os homens me ofendem quando vou buscar minha filha na escola”, contou Ragadaa, uma secretária que vive no centro de Bagdá, e faz parte da minúscula população cristã iraquiana. “Eu só uso o véu por segurança.”

Fonte: Portas Abertas

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