O crescente número de evangélicos registrado nos últimos anos faz do segmento um atraente nicho de potenciais eleitores. De 1940 a 2000, passaram de 2,6% para 15,4% da população brasileira. Hoje, são cerca de 30 milhões de fiéis em todo o país. Por outro lado, rejeição por parte de setores laicos ou ligados a outras religiões e falta de unidade entre as igrejas têm limitado o poder político do rebanho.
Nestas eleições municipais, a representatividade política da Convenção Geral das Assembléias de Deus (CGADB) apresentou queda de quase 9% em relação ao resultado obtido em 2004. A igreja possui aproximadamente 8,5 milhões de fiéis, segundo dados do IBGE no Censo 2000, o que faz dela a mais numerosa do país, com 28% de todos os evangélicos do país. No pleito de 2004, a CGADB emplacou 1.080 vereadores. Este ano, dos 1.400 nomes lançados, 920 foram eleitos.
O presidente do Conselho Político da CGADB, pastor Ronaldo Fonseca, acredita que não há motivos para preocupação. Para ele, a variação é leve e natural, fruto de um acaso derivado do quociente partidário – que representa o número de vagas que cada partido ocupará, resultado da divisão entre o número total de votos obtidos e de vagas destinadas ao cargo em questão. “Nosso trabalho nessas eleições aumentou. Essa queda é pequena e não muda nada”, avalia.
Apesar de não ser tão significativo, o número representa o descompasso que o segmento vive. O número de fiéis aumenta, mas a penetração política não. O surgimento de igrejas evangélicas com orientações diversas e sem articulação entre si é apontado como um obstáculo para a coordenação do poder de eleição dos fiéis.
“Cresceu bastante o número de igrejas, mas é muito fragmentado. No segmento católico, é bem mais fácil articular, pois é uma única igreja. Nós temos inúmeras denominações, cada uma com um líder”, explica o deputado João Campos (PSDB-GO), presidente da Frente Parlamentar Evangélica no Congresso.
As facilidades para abrir uma nova igreja evangélica e a ausência de normas rígidas de controle são motivos de fragmentação das vertentes políticas de cada denominação. O pastor Celso Carbonara, de uma congregação da Assembléia de Deus em Brasília, admite a independência. “Não é como abrir um McDonald’s, que toda loja tem que seguir um padrão. É como abrir uma empresa, pode-se usar o nome sem autorização da matriz”, relata.
João Campos justifica, assim, a dificuldade para obtenção de dados concretos sobre a influência política dos evangélicos. Até o momento, a frente desconhece o número de candidatos eleitos apoiados pelas igrejas este ano, e mesmo, nas eleições passadas. No entanto, o deputado acredita que a diversificação deve ser encarada com otimismo.
“É positivo não ter a supremacia de uma só denominação evangélica. Assim, diversificamos mais a representação”, avalia.
Diversidade partidária garante mais votos
De fato, uma tendência das lideranças do segmento é se espalhar pelos mais variados partidos políticos. Criado em 2005, com a intenção de unificar a bancada evangélica no Congresso, o PRB abriga, hoje, políticos de outras religiões. A abertura se estende também aos candidatos apoiados pela legenda. “Temos um estatuto do partido, mas não entra religião. Seria contra a democracia”, revela o pastor Aguinaldo de Jesus (PRB), secretário de Esportes do DF.
Em sua primeira participação nos pleitos municipais, o partido fez, este ano, mais de 300 vereadores e 37 prefeitos, entre eleitos pela legenda e coligados, afirma o pastor Aguinaldo. Para ele, a estratégia de permitir a entrada de políticos de outros credos é importante para trazer nomes que aglutinam votos.
Entre os “famosos” que compõem a legenda, estão o vice-presidente José Alencar, o ministro de Planejamento Estratégico, Mangabeira Unger, ambos católicos, e o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, senador Marcelo Crivella (RJ).
“Orientação” para direcionar votos
O potencial dos fiéis como eleitorado reside na relativa facilidade de os líderes evangélicos “orientarem” parte dos fiéis a votar em candidatos escolhidos pela igreja. Pastor Ronaldo admite que, entre a comunidade de baixa renda, é mais fácil direcionar o voto. “Classe mais baixa é mais fácil de ser orientada”, diz.
Segundo pesquisa do IBGE sobre orçamento familiar (2003), o menor rendimento médio mensal do Brasil foi encontrado em famílias com evangélicos pentecostais (R$ 1.271) – os pentecostais representam o maior grupo entre os protestantes brasileiros.
A partir de 2000, a liderança de percentual regional de evangélicos foi ocupada pela região Norte (19,8%), uma das mais carentes do país. Em Rondônia, por exemplo, os evangélicos chegam a 27,2% da população total.
O Conselho Político da Convenção Geral das Assembléias de Deus foi criado em 2002, para disciplinar a candidatura de membros da igreja e de fora dela. Para evitar que líderes locais conduzissem o rebanho aleatoriamente na direção de candidatos que não interessavam à igreja, a CGADB decidiu interferir no processo.
“Chamamos os candidatos para reuniões e mostramos o que esperamos. Pedimos para que honrem nossos compromissos e ideais. Para ser apoiado, tem que passar pelo crivo do conselho”, explicita o presidente da instituição.
Fora os candidatos da igreja, muitos políticos recorrem ao eleitorado fiel em época de eleições. O deputado João Campos conta que uma das atividades dos líderes evangélicos nesse período é cobrar apoio a determinados candidatos. Mas nem sempre são evangélicos os postulantes que ganham suporte dos fiéis.
“Aquele conceito simplista de que irmão tem que votar em irmão não pode ser absoluto”, diz o deputado. Ele defende que é preciso ter preparo político, capacitação e perfil de candidato, além de sólida formação cristã.
Denúncia reduziu drasticamente a Frente Parlamentar Evangélica
O apoio evangélico passou a ser disputado então por políticos de diversas tendências. Já não importa o credo. O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), apesar de agnóstico, participou de cultos evangélicos poucos dias antes do segundo turno das eleições no Rio de Janeiro.
Com as mãos postas, chegou a pedir uma oração a seu favor em reunião com líderes evangélicos na Sociedade Musical 10 de Março, em Campo Grande (zona oeste do Rio).
O presidente da Frente Parlamentar Evangélica diz que não se costuma utilizar o espaço do culto para pregar apoio político. Mas nem sempre o local considerado sagrado pelos evangélicos é preservado.
O prefeito reeleito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), assumidamente católico, chegou a “aceitar Jesus” em encontro evangélico da Igreja da Comunhão Plena, em Barra Funda, distrito da região oeste de São Paulo. Entretanto, depois do evento, sua assessoria reiterou que ele não trocou de religião, conforme revelou o Congresso em Foco.
Como a Igreja Católica, as pentecostais publicam cartilhas explicando como votar e alertando para a importância de não vender o voto. Segundo o sociólogo Ricardo Mariano, professor da PUC-RS e especialista em estudos de religião e política, a alta hierarquia católica tenta impedir a participação de membros do clero nas eleições, e se opõe a manifestações de apoio ou rejeição a candidatos. Ao contrário, o trabalho dos evangélicos, notadamente os pentecostais, é bastante explícito.
Em certos casos, esse apoio pode custar caro ao candidato. Entre os pontos que podem influir negativamente sob o aspecto eleitoral, está a visão conservadora em relação a temas como aborto, união homossexual e pesquisas com células-tronco. Escândalos envolvendo políticos evangélicos complementam a resistência. Essa associação ganhou corpo em 2006, quando a CPI dos Sanguessugas atingiu a bancada evangélica da Câmara.
A denúncia de envolvimento de parlamentares evangélicos com o esquema de fraude na compra de ambulâncias reduziu de 60 para 15 o número de deputados que integravam a Frente Parlamentar Evangélica no início de 2007.
Sociedade teme o avanço dos pentecostais, diz sociólogo
A cobrança do dízimo nas igrejas pentecostais também não é bem vista por outros setores religiosos e pela sociedade laica, segundo Ricardo Mariano. Estudo do IBGE, de 2003, concluiu que os lares em que o chefe de família pertencia a religiões evangélicas apresentaram os maiores percentuais de despesas correntes.
Os gastos nesse grupo, como pensões, mesadas e doações – que incluem, entre outros itens, dízimo e outras contribuições às igrejas – foram os mais elevados, variando entre 21,4% (R$ 22,79) a 34% (R$ 59,16). “Os candidatos apoiados por igrejas pentecostais padecem desse problema de enfrentar a controversa questão que está associada à coleta de dízimo”, acredita Mariano.
No Rio de Janeiro, o bispo licenciado Marcelo Crivella viu sua candidatura a prefeito naufragar já no primeiro turno.
Ele tinha o apoio de boa parte do eleitorado fiel carioca, que chega a quase um quinto da população na capital, contava com a simpatia do presidente Lula e aparecia bem avaliado nas primeiras pesquisas de intenção de voto. Apesar disso, Crivella perdeu terreno para Fernando Gabeira, que foi ao segundo turno contra Eduardo Paes (PMDB).
Ricardo Mariano acredita que a derrota de Crivella deveu-se, em boa medida, ao seu vínculo com a Universal. “Todos os candidatos procuraram martelar nessa tecla de que ele era o candidato da Universal. Nos últimos dois meses, ele começou a reclamar que estava sofrendo preconceito por ser evangélico”, recorda.
O sociólogo avalia que há muitos setores da sociedade que temem o avanço dos pentecostais nos meios políticos. Unidos, terminam por frear o avanço dos evangélicos. “Crivella teve problemas com o projeto Cimento Social, e sua coligação era muito frágil, mas essa resistência justifica parcialmente sua derrota. O eleitorado fiel é incapaz de eleger um candidato evangélico para cargos majoritários”, aponta.
Fonte: Jornal O Girassol e Congresso em Foco