Neste sábado (7/7) o Vaticano publicará o pronunciamento há muito aguardado do papa Bento 16 reinstituindo o uso da antiga missa em latim, prática rejeitada em 1969 em favor da missa celebrada na língua de cada país.

O documento, chamado motu proprio, porque trata de uma iniciativa pessoal do papa, está provocando inquietude entre os católicos liberais, que vêem nele uma neutralização das reformas resultantes do motu proprio do Concílio Vaticano Segundo de 1962 a 1965.

Acredita-se que a medida encoraje os bispos a permitir que as igrejas celebrem as missas de acordo com o antigo livro de orações em latim, padronizado no Concílio de Trento de 1945 a 1963, e desativado após o Concílio Vaticano Segundo.

Tecnicamente, o Livro de Orações em Latim nunca foi abolido. Uma igreja pode celebrar a missa em latim, contanto que tenha permissão do bispo. Mas essa permissão é geralmente concedida para ocasiões únicas, e a maioria dos bispos recusa permissão para que se continue usando o texto em latim. O motu proprio do papa sem dúvida fortalecerá o direito das igrejas de exigir a concessão dessa permissão, e reduzirá o direito do bispo de recusá-la.

Após a modernização e as reformas derivadas do Conselho Vaticano Segundo, a missa em latim se transformou em uma bandeira do catolicismo ultra-conservador. Ela foi a insígnia do arcebispo francês Marcel Lefebvre e dos seus seguidores, que rejeitaram a maior parte das reformas do Concílio Vaticano Segundo, bateram de frente com Roma e foram excomungados em 1988. Lefebvre morreu no exílio religioso na Suíça em 1991, mas os seus seguidores cismáticos, agrupados na Sociedade São Pio X, sobreviveram e atualmente exibem vigor.

A existência de um documento papal sobre esta questão é conhecida desde o ano passado. A sua importância para a Igreja Católica de todo o mundo é demonstrada pelo tempo necessário para a elaboração de todo o vocabulário técnico a fim de satisfazer o maior número possível de posições dentro do catolicismo.

Na França, onde as memórias do cisma de Lefebvre ainda estão vivas, os bispos se opuseram publicamente a relaxar as regras quanto ao uso da missa em latim. Eles dizem que isso causaria uma cisão entre as igrejas que usassem o latim e as que usassem o francês, criando duas escolas de catolicismo. Eles reclamaram também de que isso reduzirá a autoridade do bispo na sua diocese.

No Reino Unido, os bispos observaram que além da missa em si, o antigo ritual em latim inclui orações que são abertamente antijudaicas. Uma oração para a Sexta-Feira Santa fala dos perfidis Iudaeis, os judeus pérfidos; e outra é intitulada “Reza para a conversão dos judeus” e pede a Deus que “os livre da cegueira”.

Mas a Liga Católica Anti-Difamação, um movimento de mídia conservadora com sede em Ferrara, no norte da Itália, acha que os temores quanto às conseqüências do documento do papa Bento 16 são infundados. “Existe uma minoria do clero progressista, em Roma e em outros locais, que teme que a readoção generalizada da missa em latim possa lançar dúvidas sobre as reformas gerais promovidas pelo Concílio Vaticano Segundo”, afirma Pietro Siff, presidente da liga. “O fato é que existem muitos católicos que desejam a missa em latim. A sua substituição não se deu em resposta a uma demanda popular, mas foi uma decisão de alto escalão tomada por elementos progressistas na igreja”.

Siff observa ainda que a maioria das supostas frases anti-semitas já tinha sido removida antes do Concílio Vaticano Segundo, e que a frase “judeus pérfidos” em latim não é ofensiva, já que perfidis significa “contrário à fé”.

Fonte: Financial Times

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