O fenômeno é facilmente percebido por quem anda pelas ruas de Fortaleza: as igrejas evangélicas estão em franca expansão. As arquiteturas são as mais variadas, desde os grandes templos até as sedes mais modestas, construídas a partir de residências ou lojas.

A Federação das Igrejas Evangélicas do Estado do Ceará estima em 3,5 mil a quantidade de templos evangélicos na Capital. Segundo o site da Arquidiocese de Fortaleza e agentes de Pastoral, são 140 igrejas católicas, o que daria uma proporção de 25 templos evangélicos para cada igreja católica.

A avenida Leste-Oeste, no trecho que liga os bairros Jacarecanga à Barra do Ceará, pode ser vista como um microcosmo das mudanças ocorridas no perfil religioso da cidade. Das 22 igrejas contabilizadas por O POVO ao longo da via, 19 são evangélicas, duas fecharam as portas e apenas uma é católica. Alguns quarteirões chegam a ser ocupados por até três denominações religiosas.

Em uma noite de sexta-feira, O POVO esteve no local e conversou com fiéis e pessoas que trabalham nos cultos de duas igrejas – a Tocha Viva e a Assembleia de Deus Sião Celeste, que funcionam uma de frente para a outra. À esquerda da Tocha Viva, outra entidade realizava seu culto: a Deus é Amor.

O diácono João Batista Pinheiro, 48, passou por diversas denominações religiosas, como a Igreja de Cristo e a Igreja Universal do Reino de Deus, até chegar à Tocha Viva. “Meu dom não estava sendo utilizado”, explica. A origem do templo em que atua hoje foi sua própria residência, na rua Monsenhor Rosa, 918, no Jacarecanga. Com o passar do tempo, o número de fieis aumentou e o espaço tornou-se pequeno. A solução foi alugar parte de uma panificadora.

A rotina de atividades é ininterrupta: há ensaios na segunda e na terça; cultos de cura e libertação na quarta; dia de oração para senhoras na quinta; culto doutrinário na sexta; consagração e mais um culto no sábado e, fechando a semana, evangelismo no domingo à tarde. Esse é o momento em que os membros da igreja saem às ruas pregando a palavra de Deus.

João Batista está presente em quase todas essas ações, sempre no papel de supervisor. Além da função ministerial, trabalha em um órgão público durante o dia. O tempo para descanso ocorre nas brechas do sábado e do domingo. Tornar-se pastor é o passo seguinte, mas, segundo ele, “ainda não é chegado o tempo”. “Deus está preparando o meu caminho. Se eu for chamado, eu vou”, garante.

Mesmo com tamanha dedicação, as duas filhas de João Batista não frequentam o templo em que ele é diácono. A mais velha participa da Igreja Manancial das Águas Vivas, enquanto a mais nova assiste aos cultos no templo-sede da Tocha Viva. “Elas não deixam de servir ao Senhor, mas se estivessem aqui seria melhor. Creio que Deus possa trazê-las para formar um conjunto de mocidade aqui”, aguarda.

Manter o controle sobre o surgimento dos templos é tarefa quase impossível. Muitos dos imóveis estão no nome de pessoas físicas. Na Secretaria de Finanças do Município (Sefin), há apenas 54 imóveis registrados como igrejas, o que lhes garante isenção no pagamento do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU). Onde está o restante?

O presidente da Federação das Igrejas Evangélicas, o pastor Gabriel Evangelista, informa que, para a igreja ser reconhecida, ela precisa ser uma organização, do ponto de vista financeiro, e um organismo, do ponto de vista espiritual. “Tem de ser as duas coisas. Tem de ter CNPJ, estatuto e ata de fundação. Muitas vezes as pessoas só veem o lado espiritual e não se preocupam em tirar seu CNPJ. Cerca de 30% não têm o documento”.

De acordo com o pastor, a Prefeitura desconhece muitos templos evangélicos, bem como as empresas de água, energia e telefone. “Nossa intenção é inscrever na Sefin. As igrejas não podem ser tratadas comercialmente”.

E-MAIS

> Em frente à Tocha Viva, um animado grupo de fiéis da Assembleia de Deus Sião Celeste também participa de um culto doutrinário. A agenda semanal de atividades de ambas é bastante semelhante. Das cerca de 20 pessoas que organizam o grupo, todas são voluntárias. Dentre elas, está o secretário-geral Leandro Fernandes, 30. Ele explica que nem mesmo o pastor recebe salário, haja vista a pequena quantidade de dizimistas.

> O aluguel do imóvel, uma antiga loja de tecidos com jeito de residência, custa R$ 480 e pesa no orçamento da congregação. “Temos cerca de 80 membros. Teríamos de ter 250 a 300 para alcançarmos a independência financeira”, avalia Fernandes.

> Sobre o grande número de igrejas localizadas em uma mesma avenida, o secretário afirma não haver concorrência, mas sim, “estilos diferentes”. “Temos um trabalho voltado para o louvor. As pessoas se sentem mais atraídas e preenchidas. As outras igrejas têm um estilo mais tradicionalista”, compara.

> A carência financeira dos membros faz com que muitos deixem de contribuir com o dízimo. Segundo Fernandes, alguns fiéis são ajudados “em espécie”. “A palavra de Deus não mata a fome. Temos de agir com o material”, explica.

Fonte: O Povo

Comentários