templo luxuosoQuem transita diariamente pela Avenida Celso Garcia, importante corredor de ônibus que leva a população da zona leste de São Paulo para o centro, é surpreendido pelo edifício espelhado de cerca de 40 metros de altura, em meio aos prédios degradados do Brás. Será um hospital ou escritório?

Não há placa indicativa, mas se trata da sede da Assembléia de Deus Ministério Madureira, denominação evangélica que possui 1.000 congregações no Estado.

O templo terá capacidade para 5 mil pessoas, distribuídas em nave central e galeria. A construção de vidro, granito e metal aparente será inaugurada dia 15 de novembro. O surgimento de igrejas monumentais em grandes cidades brasileiras é um fenômeno recente que surpreende especialistas. Em Niterói (RJ), o conjunto arquitetônico de Oscar Niemeyer prevê uma Catedral Batista.

‘Os protestantes sempre desconfiaram da estética como canal de evangelização’, afirma o cientista social Edin Sued Abumanssur, que defendeu tese de doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) sobre o tema. O trabalho rendeu o livro As Moradas de Deus (Editora Cristã Novo Século, 200 páginas, 2005). ‘Isso está ligado à prosperidade do rebanho, que ascendeu na pirâmide social’, diz.

A Assembléia Madureira não está sozinha nem mesmo na região onde foi construída. Em frente, fica a catedral da Igreja Universal do Reino de Deus, em estilo neoclássico com destaque aos vitrais. A Universal comprou terrenos vizinhos e anunciou planos de ampliar a igreja, que tem capacidade para cerca de 4 mil pessoas.

A poucas quadras dali, na Radial Leste, perto do Viaduto Bresser, a construtora Incosul, uma das maiores de São Paulo, escava os três subsolos da futura sede da Assembléia de Deus Ministério Belém, denominação com cerca de 2.000 congregações em São Paulo.

O futuro edifício, também espelhado, terá capacidade para 7 mil lugares. O pastor e engenheiro Wilson Pereira da Costa, responsável pela obra, conta que a idéia de erguer o prédio surgiu com o crescimento da Assembléia Belém. ‘Fomos obrigados a dividir os eventos porque não tínhamos um espaço para reunir a todos’, diz.

O pastor não desmente, porém, que a edificação de vidro de 46 metros de altura foi projetada para marcar a presença da igreja na entrada da principal via de acesso à zona leste. ‘A intenção sempre será chamar a atenção da população para a adoração a Deus, mas, no prédio, a preocupação foi a funcionalidade e o conforto das pessoas que irão freqüentá-lo.’

A dimensão gigante do projeto – 600 vagas de garagem e tanque com capacidade para 2 mil batismos diários, por exemplo – está relacionada ao tamanho da denominação na cidade. ‘Os materiais usados serão simples, mas isso não quer dizer descuido. Lemos na Bíblia a preocupação de Salomão na construção do templo que guardava a arca do tesouro’, afirma.

Não há previsão para a conclusão da obra, tocada há dois anos conforme o volume de oferta dos fiéis. Custo é assunto interno da igreja. Até o momento, 20% do edifício já foi construído. O terreno onde está localizado foi comprado há oito anos da fábrica Tapetes Bandeirantes.

As novas igrejas não são construções simples. Para o arquiteto e professor de Arquitetura Paulo Bastos, a teologia e os valores das denominações acabam impressos nas paredes. Responsável pela reforma da Catedral da Sé, Bastos foi contratado para projetar o Museu da História Presbiteriana, no Alto de Pinheiros, zona oeste, que também terá serviços religiosos disponíveis à população.

‘Os presbiterianos são diferentes neste aspecto, porque têm larga tradição cultural, de apego à música clássica’, considera. ‘O problema é a feição mercadológica que alguns desses templos têm, a escala desumana, uma coisa dos novos ricos da religião’, diz Bastos.

Cidade Universitária

No caso dos presbiterianos, o projeto bem poderia ocupar a Cidade Universitária que não destoaria dos prédios modernistas de concreto. Localizado na entrada do Alto de Pinheiros, o futuro museu-igreja terá um terço do terreno gramado e auditório para cerca de 1.800 pessoas. ‘Será uma edificação muito vista’, adianta Bastos.

Os estilos arquitetônicos e a demonstração de poder é o que mais chama a atenção dos acadêmicos. Segundo o sociólogo evangélico Gedeon Alencar, diretor do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos (Icec), a construção de megatemplos está restrita às denominações que praticam a centralização do caixa de ofertas. ‘E nisso entra o aspecto negativo de que, enquanto a sede é rica, a congregação de periferia continua alugando garagens e outros tipos de imóvel de má qualidade.’

Migrante nordestino, Alencar é espectador privilegiado da mudança de tempos e dos templos evangélicos. O pai construía de forma voluntária congregações da Assembléia de Deus em Crateús, interior do Ceará. ‘Com certeza há um empoderamento (sic) do membro da igreja, que se sente importante em um prédio desses. Como se dissesse: ‘Na minha casa não tem mármore, mas na minha igreja tem’.’

Niemeyer

A Catedral Batista projetada por Oscar Niemeyer em Niterói ainda não saiu do papel. A igreja é uma das construções do Caminho Niemeyer, conjunto arquitetônico idealizado em 1997, meses depois da inauguração do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da cidade. Depois de Brasília, seria o maior conjunto arquitetônico assinado por Niemeyer. O caminho ocupa uma área de 72 mil metros quadrados às margens da Baía de Guanabara e de outros pontos da orla de Niterói. O templo batista não será a única construção religiosa do projeto, que terá também a Catedral Católica.

Lei do Império proibia igrejas

Para investir em arquitetura, os evangélicos venceram uma tradição cultural que remonta ao Brasil Imperial. No livro As Moradas de Deus, Edin Sued Abumanssur recorda o artigo 5 da Constituição de 1823, de d. Pedro I, que proibia a construção de qualquer edificação protestante que se assemelhasse a um templo.

‘O culto não era proibido, desde que fosse feito em casas’, explica Abumanssur. ‘Daí o fato de muitas igrejas brasileiras serem construções simples, que muito se parecem com casas, ao contrário do que se vê em outros países’, diz o cientista social.

Abumanssur tinha como objetivo investigar o porquê de os evangélicos não terem definido o espaço do sagrado. ‘Eu estranhava o fato de qualquer tipo de imóvel poder ser transformado em uma igreja.’

A proibição começou a ser superada com a chegada dos ingleses -de maioria protestante – para a construção das ferrovias.

Teses debatem sobre a pouca contribuição à cultura do País

Tanto Edin Sued Abumanssur quanto Gedeon Alencar são unânimes em dizer que a contribuição dos evangélicos à cultura brasileira é pequena. ‘Para a arte arquitetônica é praticamente nula’, diz Abumanssur.

Para ele, a mescla de estilos é a maior prova disso. ‘Houve um tempo em que se defendeu o neogótico como estilo tipicamente protestante, mas não há nada disso no País’, afirma. As duas únicas igrejas que têm estilo aproximado ao neogótico são a Assembléia de Deus do Ipiranga, na zona sul, e a Catedral Presbiteriana, no centro.

Autor do ensaio Protestantismo Tupiniquim – Hipóteses Sobre a (Não) Contribuição Evangélica à Cultura Brasileira (Arte Editorial), o sociólogo Gedeon Alencar, que professa a mesma fé, manifesta posição crítica em relação a algumas manifestações das igrejas. ‘O problema da nossa produção cultural é que a gente entra no mercado não para alterar alguma coisa, mas seguindo os padrões vigentes de produção, de consumo, de estética e, dizem as más línguas, de falcatrua. Isso é mais evidente em relação à chamada indústria de música gospel’, escreve o sociólogo.

Sobre as construções, Alencar vê de forma positiva a ocupação do espaço urbano por um movimento religioso que vem da periferia, porém faz ressalvas à adoção de hábitos de consumo de uma cultura, para ele, descartável. ‘Em última hipótese, o dinheiro do fiel está sendo aplicado ali, então, a opinião dele vale mais do que a de um intelectual’, afirma.

Gedeon Alencar também desconfia da expectativa de público desses templos e costuma classificar as estatísticas dos pastores como ‘evangelásticas’. ‘A Marcha para Jesus é um exemplo da importância do número em detrimento da falta de objetivos. Marcham muitos sem saber direito porquê’, considera Alencar.

Fonte: Estadão

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