Daniel Ortega na frente da bandeira da Nicarágua (Foto/Montagem: Canva Pro e Folha Gospel)
Daniel Ortega na frente da bandeira da Nicarágua (Foto/Montagem: Canva Pro e Folha Gospel)

A Polícia Nacional da Nicarágua, controlada pelo governo de Daniel Ortega e de sua mulher e vice-presidente, Rosario Murillo, publicou um comunicado acusando a Igreja Católica de vários crimes, como lavagem de dinheiro, uma acusação que não tem fundamento segundo os defensores dos direitos humanos.

O comunicado diz que a polícia fez “investigações que levaram à descoberta de centenas de milhares de dólares, escondidos em bolsas encontradas em instalações pertencentes a dioceses do país”, como as de Matagalpa e Estelí.

O texto também diz que com as investigações “foi confirmada a retirada ilegal de recursos de contas bancárias que haviam sido congeladas por ordem da lei, bem como outros atos ilícitos que ainda estão sendo investigados como parte de uma rede de lavagem de dinheiro descoberta em dioceses de vários departamentos”.

No dia anterior, segundo noticiado por vários meios de comunicação, o regime havia ordenado o congelamento das contas das dioceses e paróquias do país.

O comunicado de sábado (27) dizia que a Procuradoria-Geral da República, a Superintendência de Bancos e a Unidade de Análise Financeira, organizações controladas pelo regime, “confirmaram movimentações criminosas com fundos que entraram no país de forma irregular para as dioceses e são investigados, e procedimentos foram abertos para todos esses crimes”.

O texto também diz que a Superintendência de Bancos pediu à Conferência Episcopal e ao arcebispo de Manágua, cardeal Leopoldo Brenes, a apresentação dos documentos que mostram as movimentações das contas bancárias das dioceses “para que em todo momento as leis do país sejam cumpridas, evitando os atos ilícitos que vem sendo cometidos”.

“É ridículo”

Félix Maradiaga, ex-candidato presidencial e defensor dos direitos humanos exilado nos EUA, disse hoje (29) à ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI, que “é impossível que a polícia tenha encontrado estes supostos dinheiros ilícitos na diocese de Matagalpa, porque essa diocese esteve, tanto a casa paroquial como muitas das paróquias, sob intervenção policial durante os últimos seis meses”.

“Isso é absolutamente inaceitável, mas também é orwelliano. É ridículo que a própria casa paroquial, da qual foi retirado dom Rolando Álvarez, seja agora apontada como foco de atos ilegais”, disse Maradiaga, que foi deportado para os EUA em 9 de fevereiro junto com mais de 200 outros ex-presos políticos.

Dom Rolando Álvarez, bispo de Matagalpa, foi preso pelo regime durante meses, antes de ser condenado injustamente a 26 anos e 4 meses de prisão, pena que cumpre desde 10 de fevereiro.

Maradiaga disse que, com as acusações policiais contra a Igreja, “o regime está usando argumentos totalmente desproporcionais para desmantelar a presença das dioceses, especialmente de Matagalpa e Estelí”.

“A perseguição à Igreja Católica na Nicarágua continua. A ditadura não cessa de tentar calar a voz profética e pastoral da Igreja”, lamentou.

“Guerra contra toda a Igreja”

Martha Patricia Molina, advogada e pesquisadora nicaraguense, autora do relatório “Nicarágua, uma Igreja perseguida?”, disse à ACI Prensa que com o depoimento da polícia “a ditadura confirma sua guerra contra toda a Igreja nicaraguense, e mais ainda com a opção de ter bloqueado as contas bancárias das diversas dioceses do país, das paróquias e também das escolas paroquiais”.

“A ditadura faz uso do poder judiciário, da justiça nicaraguense, que não cumpre a Constituição política nem as leis do país, mas apenas cumpre as ordens do que diz o casal presidencial nicaraguense”, disse.

“Sem dúvida, este é um processo cheio de arbitrariedades do começo ao fim. Acho que já prepararam a sentença que vão entregar à Igreja Católica Nicaraguense, lembrando que Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, e sua esposa, a vice-presidente, se referiram várias vezes à Igreja Católica como uma máfia organizada, terrorista e criminosa”, disse Molina, que atualmente mora no exílio.

No dia 21 de fevereiro, em ato público, Ortega disse que Cristo “vive nas cidades cristãs, não pelo exemplo que padres, bispos e Conheço cardeais e papas, são uma máfia”.

Molina disse à ACI Prensa que na investigação contra a Igreja “vai-se ignorar o princípio da inocência, ou seja, já estão vendo a Igreja Católica como culpada”.

Situação caótica

Martha Patricia Molina disse ainda que “neste momento vive-se uma situação caótica, porque, também no final do mês, todas as paróquias têm de cumprir as suas obrigações e também as escolas paroquiais, com o pagamento de serviços básicos como luz, água, telefone e funcionários”.

“Muitas famílias estão perdendo o direito ao trabalho. Os professores que dão aulas nas escolas paroquiais vão ficar sem dinheiro, sem salário. Quando alguém viola um direito humano, viola os demais”, acrescentou Molina.

“Uma vez que a ditadura congela as contas, o próximo passo que costuma dar é o confisco dos bens, e neste caso é provável que farão o mesmo. Acredito que a ditadura está tentando sufocar financeiramente a Igreja, pensando que assim deixará de levar aquela voz profética. Mas a Igreja vai além das contas bancárias”, disse.

Molina disse que na Nicarágua “as leis antilavagem estão sendo usadas exclusivamente para criminalizar pessoas e instituições que pensam diferente do governo, instituições que exigem paz, justiça e o estabelecimento da ordem democrática”, como a Igreja Católica.

“Os países também devem condenar esta ação tão injusta que está sendo feita neste momento contra o clero”, disse.

Cardeal Brenes se pronunciou

Na homilia da missa que rezou na catedral de Manágua no domingo (28), solenidade de Pentecostes, o cardeal Brenes aludiu à situação que vivem as paróquias.

O cardeal exortou os fiéis a “não perder a calma” e também “a ouvir muitas notícias, muitas publicações que exageram”.

“Eles dizem ‘fontes confiáveis’, mas a fonte confiável nunca é revelada, então vamos ficar calmos, tranquilos, e sem dúvida o Espírito Santo é quem está conduzindo esta Igreja e em breve teremos as respectivas soluções”, continuou.

“As nossas paróquias continuam trabalhando. Vivemos crises difíceis, como o tempo da pandemia, mas o Espírito sustenta as paróquias e também a generosidade de todos vocês”, disse o cardeal.

“Por isso, convido vocês a manter sempre a calma e não se deixar influenciar por redes e notícias que realmente exageram. Raramente as leio, mas às vezes me mandam e me dá vontade de rir ao ver tudo o que dizem, porque não consigo encontrar nenhum fundamento nelas”, comentou o arcebispo de Manágua.

Até a publicação deste artigo, nem o cardeal Brenes nem a Conferência Episcopal da Nicarágua se pronunciaram sobre a decisão do governo sobre o congelamento de contas bancárias, nem sobre as acusações de crimes como lavagem de dinheiro.

Sobre o que disse o cardeal Brenes, Martha Patricia Molina disse à ACI Prensa que logicamente os meios de comunicação não vão revelar suas fontes “em nenhum momento, porque sua identidade deve ser protegida”, já que, se o nome for divulgado, “imediatamente a ditadura vai iniciar um processo criminal”.

Para Félix Maradiaga, o que disse o cardeal se deve ao fato de que “a Igreja na Nicarágua foi obrigada a se calar para não comprometer a segurança de outros religiosos e outros membros do clero”.

“Cabe a nós, leigos nicaraguenses e ao mundo, denunciar o que está acontecendo na Nicarágua: uma perseguição à Igreja sem precedentes na América Latina”, disse.

Nos últimos cinco anos houve pelo menos 529 ataques de Ortega contra a Igreja, e 90 deles foram cometidos até agora em 2023, segundo o relatório “Nicarágua: uma Igreja perseguida?”

Entre os ataques, o documento detalha a prisão injusta do bispo Rolando Álvarez, desde fevereiro. Também relata 32 freiras expulsas do país, sete igrejas confiscadas pelo regime e vários meios de comunicação fechados.

Fonte: ACI Digital

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