Gilberto Nascimento
BBC News Brasil
O Diário da República de Angola, órgão oficial do país africano, comunicou formalmente o resultado de uma assembleia da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), no dia 24 de junho, que determinou a dissolução de sua diretoria e a destituição do bispo brasileiro Honorilton Gonçalves de sua cúpula.
Considerada uma entidade de direito angolano, a Igreja Universal local alegou como base para suas decisões, segundo o órgão oficial, a “violação sistemática aos estatutos e direitos dos membros”, tais como “a discriminação racial e violação das normas estatutárias”; a “imposição e coação à castração ou vasectomia aos pastores”.
Também são citadas a suposta “privação aos pastores e suas respectivas esposas de acesso à formação acadêmica, científica e técnica profissional”; a suposta falsificação de atas, “abuso de confiança da direção da Igreja ao passar procurações com plenos poderes a cidadãos brasileiros para exercer atos reservados à assembleia geral” e “abuso de confiança na gestação dos recursos financeiros e patrimoniais”, entre outros pontos.
A Assembleia Nacional de Angola (órgão legislativo máximo do país) indicou nova equipe de gerência e uma “Comissão de Reforma” da Igreja Universal, com o bispo angolano Valente Bezerra Luís como seu coordenador.
Bezerra Luís, de acordo com a ata, passou a ser o novo líder da igreja no país. Também foi destituído “de todos os seus poderes”, conforme a assembleia, o então presidente do conselho de direção da Universal, bispo Antonio Pedro Correia da Silva, e encerrado o serviço eclesiástico de missionários brasileiros da Universal em todo o território de Angola.
A publicação da ata no diário oficial — com data de 24 de julho —, foi bastante comemorada e interpretada por religiosos locais como a oficialização da perda do controle do bispo brasileiro Edir Macedo sobre a Universal no país.
Para Mathias Alencastro, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), que acompanha a situação de Angola, o governo local está endossando os pastores angolanos e realmente oficializando a tomada dos templos.
“Acabou para a Universal. Coloca pedra e cal na estratégia da Iurd de tentar retomar seus templos. E mostra como foi inconsequente e desastrada a tentativa do Itamaraty de resgatar a Iurd. Já estamos vendo a consequência dessa submissão a interesses evangélicos”, diz Alencastro, doutor em Ciência Política pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
O próprio presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, havia tentando interceder em favor da igreja de Macedo, seu aliado e eleitor na campanha à Presidência.
Bolsonaro enviou uma carta, no início de julho, ao seu colega de Angola, João Lourenço, manifestando preocupação com os acontecimentos no país e pedindo o aumento de proteção aos brasileiros.
O deputado federal e filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), postou a carta no Twitter. Uma comissão de senadores e deputados brasileiros também pretende visitar Angola na segunda semana de agosto para pedir ao governo local que seja garantida a “reciprocidade de tratamento” a cidadãos brasileiros, tal como os angolanos usufruem no Brasil.
O senador Major Olímpio (PSL-SP), membro da Comissão de Relações Exteriores do Senado, avalia que os direitos de brasileiros ligados à igreja estariam sendo desrespeitados. Também devem integrar o grupo os senadores Nelsinho Trad (PSD-MS) e Marcos do Val (Podemos-ES).
Tomada de poder
Bispos e pastores angolanos decidiram, no final de junho, assumir o comando dos templos da Igreja Universal no país e romper definitivamente com o grupo do antigo chefe Edir Macedo.
O movimento desses religiosos começou em novembro de 2019, com a divulgação de um manifesto com críticas à direção da Universal.
Os religiosos acusaram os brasileiros por supostos crimes como evasão de divisas, expatriação ilícita de capital, racismo e discriminação. Eles afirmam ter o controle atualmente de 220 dos cerca de 300 templos da igreja. A Universal diz que seriam apenas 30.
A direção brasileira da Universal contestou a ata da assembleia divulgada no diário oficial angolano. Em nota distribuída em Angola, considerou falso o documento e disse que dissidentes “convocaram ilicitamente e de forma fraudulenta uma pretensa assembleia geral extraordinária”.
A cúpula da igreja prometeu adotar “todas as medidas necessárias para reagir à publicação ilícita da ata em causa” no diário oficial, “na convicção de que as autoridades administrativas e judiciais da República de Angola não deixarão de fazer respeitar a lei e a Constituição, bem como os estatutos da igreja”, condenando “a atuação ilícita daqueles que se intitulam agora de ‘Comissão de Reforma’ da IURD”.
A Universal apontou ainda em sua nota que esses religiosos não são os seus “legítimos representantes” e voltou a afirmar que integrantes da chamada “Comissão de Reforma” foram expulsos da igreja “devido à prática de atos ilícitos e à violação do código de conduta moral”. A nota é assinada pelo bispo Antonio Miguel Ferraz, citado ainda como atual vice-presidente.
Autoridades angolanas têm evitado se manifestar sobre o conflito. Ministros angolanos procuraram tratar o tema como um problema interno da Universal, rejeitando a ideia de um embate entre angolanos e brasileiros e negando supostos casos de xenofobia.
No dia 24, a Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (Erca) advertiu no país a TV Record e a TV Zimbo (que transmite programas religiosos da Universal) devido à divulgação de ataques e críticas a religiosos angolanos. As duas emissoras, segundo a Erca, deveriam se limitar às suas transmissões religiosas e não a outros fins.
O embaixador brasileiro em Angola, Paulino Carvalho, disse, em um programa da Igreja Universal, que as autoridades do país estão preocupadas com supostos ataques a brasileiros.
“As autoridades angolanas com as quais tenho conversado e visitado para levar as nossas preocupações afirmam com todas as letras que isso é algo inaceitável, criminoso e que tem de ser punido.”
‘Tentativa de nacionalizar problema’
O pesquisador Mathias Alencastro disse não ver xenofobia e perseguição a brasileiros em Angola.
“Essa é uma narrativa para brasileiro que não está acompanhando o caso em Angola. Não há nada contra brasileiros e sim contra a administração da igreja. Por acaso, ela é controlada por brasileiros. Em nenhum momento estamos vendo situações que configurem ataques e agressões contra brasileiros. Basta perguntar para qualquer brasileiro que vive em Angola”, diz o representante do Cebrap.
“Essa é uma tentativa da Iurd de nacionalizar um problema dela”. Alencastro avalia que o governo angolano já desejasse diminuir o poder e a influência da igreja no país e agora “deu o respaldo legal ao processo”.
Fonte: BBC Brasil via Terra