Em 1949, quando ingressou no Seminário Menor São José, em Gravataí, o hoje arcebispo de Porto Alegre dom Dadeus Grings compartilhava alojamentos com outros 320 adolescentes.
Era tanto seminarista que alguns dormiam no chão e outros eram barrados, com a recomendação de voltar no futuro.
Seis décadas depois, caberá a dom Dadeus a tarefa de colocar um ponto final na trajetória da instituição. O arcebispo anuncia para o fim do ano a desativação do último seminário menor da arquidiocese, que hoje acolhe apenas 23 estudantes de Ensino Médio em uma área de 82 hectares.
A instituição de Gravataí será vítima de uma onda que varreu a maior parte das dioceses brasileiras ao longo da década: a de fechamento em massa dos seminários menores, aqueles onde são acolhidos estudantes dos ensinos Fundamental e Médio. Em 10 anos, o número desses seminaristas caiu pela metade no país. As desativações são fruto de uma revolução na maneira católica de recrutar e formar padres. A prioridade da Igreja agora são as chamadas vocações adultas, aquelas que desabrocham mais tarde, entre quem já fez faculdade, teve experiências no mercado de trabalho e namorou.
Quarenta anos atrás, os que decidiam se tornar sacerdotes na maturidade eram apenas 3% do total. No começo desta década, um levantamento da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) apontou que um em cada oito seminaristas gaúchos já se enquadrava na categoria de “vocação adulta”. Hoje, os vocacionados tardios se tornaram a grande maioria nos seminários maiores, onde são oferecidos os cursos de Filosofia e Teologia. Em várias dioceses, são o único tipo de padre em formação. A ordenação dessa leva de origem diferente tem o potencial de mudar a cara do clero brasileiro nos próximos anos.
– Essa geração está chegando agora, então ainda não é possível avaliar o seu perfil. Mas acho que serão padres com maior conhecimento dos problemas do mundo, da sociedade, das tecnologias e da cultura urbana – observa Tarcisio Rech, secretário executivo da CNBB no Estado.
As diferenças de perfil já são visíveis dentro das faculdades de Filosofia e Teologia. Fabiano Glaeser, 29 anos, entrou há dois anos no Seminário Maior de Viamão. Experiências não-eclesiásticas passaram a ser tão valorizadas pela hierarquia católica que ele foi estimulado, em lugar de estudar Filosofia, a concluir fora do seminário a Faculdade de História, que já freqüentava e define como “um curso tradicionalmente opositor à Igreja”. Ao chegar a Viamão, Glaeser trazia na bagagem seis anos de trabalho em uma indústria de autopeças, um punhado de namoradas e amigos que não acreditavam em Deus.
– Senti na pele o que é pegar um ônibus lotado de manhã e trabalhar 10 horas por dia para ter o salário no final do mês. Quem entra cedo no seminário não tem essa experiência. Os seminaristas sem esse tipo de vivência vêm me perguntar como é namorar, trabalhar, ter um salário – conta Glaeser.
Dom Dadeus é cauteloso em relação ao novo fenômeno
O padre com vocação adulta apresentaria pelo menos duas grandes vantagens. Por ter maior experiência de vida, estaria mais apto a compreender e aconselhar os fiéis. E em razão de já ter experimentado, teria uma vocação mais madura e menos sujeita a crises.
Responsável pela decisão de fechar o seminário de Gravataí, dom Dadeus é cauteloso em relação ao oba-oba envolvendo as vocações adultas. Para ele, entrar cedo no seminário permitia uma formação mais completa e protegia os futuros padres das complicações da adolescência. O arcebispo questiona a idéia de que as vocações tardias são mais firmes.
– Quando a pessoa teve uma experiência no campo da sexualidade, é difícil corrigir. A gente pensava: esse decidiu ser padre depois de namorar, então sabe o que quer. Na prática, pouco depois de entrar no sacerdócio ele estava namorando de novo. Mas, o seminário menor é um investimento muito alto, com pouco resultado. A vocação adulta é uma tendência que veio para ficar – defende.
Fonte: Zero Hora