O papel exercido pelo cardeal Ortega na libertação de uma centena de presos políticos colocou os católicos no centro do jogo político.

O novo seminário católico de San Carlos e San Ambrosio se encontra a 13,5 quilômetros de Havana, na estrada Monumentale, pouco depois de Combinado del Este, sinistra prisão escondida pela vegetação. O papa João Paulo 2º havia colocado sua pedra angular em 1998, durante sua memorável visita a Cuba, mas a construção se estendeu de 2004 a 2010, dependendo de financiamentos. Desde janeiro, cerca de quarenta seminaristas ocupam o moderno prédio em forma de concha ao redor da capela, que pode acolher uma centena de candidatos ao sacerdócio.

Este ano, estavam previstas sete ordenações, um recorde: “A crise do socialismo cubano está favorecendo um reavivamento da religiosidade”, explica o vice-reitor do seminário, Pablo Alvarez. “Mas algumas crenças crescem mais rápido que outras, sobretudo a santeria [cultos afro-cubanos]”.

O antigo seminário, no centro histórico da cidade, é um monumento colonial do século 18, construído junto à catedral barroca e voltado para a baía de Havana. A forma irregular do terreno havia obrigado os construtores a irem contra as linhas clássicas. Em volta de um elegante claustro, o imóvel surpreende pelas diagonais que quebram as formas.
O diretor do lugar, o padre Yosvany Carvajal, tem orgulho de sua nova missão: transformar a antiga construção em um centro cultural capaz de atrair ao mesmo tempo a elite e um público popular. “Cuba nasceu aqui”, diz o jovem padre. “Berço da nação, esse seminário nos ensinou a pensar como cubanos, bem antes da independência de 1898.” O centro levará o nome de um pároco abolicionista e independentista, Félix Varela (1788-1853).

Caminhando por entre os andaimes, o padre Carvajal mostra a futura biblioteca, as paredes destinadas ao museu de arte sacra e profana e às exposições temporárias, o auditório onde acontecerão as conferências e os recitais. A inauguração está prevista para 16 de setembro, mas uma conferência sobre “A participação política em Cuba” foi como uma espécie de pré-estreia, já no mês de julho.

Nessa ocasião, um jovem intelectual reformista, Julio César Guanche, defendeu a “democracia republicana” e uma cidadania ampliada diante de um público que misturava oficiais, diplomatas, personalidades e alguns dissidentes. Um sucesso, diziam os presentes: “A Igreja é hoje o principal fator de mudança em Cuba”, garante o ex-prisioneiro político Oscar Espinosa Chepe, um dos convidados.

O papel exercido pelo cardeal Jaime Ortega na libertação de uma centena de opositores voltou a colocar no centro do jogo político a Igreja Católica, que, no entanto, é minoritária. Na falta de uma sociedade civil digna desse nome, a instituição religiosa é a única a se beneficiar de uma verdadeira independência em relação ao governo. Defensora de uma “teologia da reconciliação nacional”, a Igreja prega a tolerância e o diálogo entre todos os cubanos. Por sua carga simbólica, o centro cultural Félix-Varela deverá ocupar um lugar fundamental nessa ação.

“Os cubanos não são um povo dado à conciliação”, reconhece o padre Carvajal. “Nosso objetivo não é leva-los a pensarem todos da mesma forma, mas promover o encontro entre as diferentes opiniões. A própria Igreja simboliza a unidade dentro da diversidade.”
Na falta de uma universidade católica, o centro proporá um ensino de alto nível destinado a formar os laicos. Mas num momento em que Havana vem tomando o rumo de uma economia mista ao abrir-se para o setor privado, os diretores do centro estão selecionando quarenta cubanos interessados em fazer um mestrado em Administração de Empresas. “Até há pouco tempo, o empreendedor era visto como um criminoso em potencial”, lembra o padre Carvajal. Um mestrado em Psicologia também está previsto.

As conferências e debates que estão por vir visam mostrar que “a troca de ideias não representa perigo, e sim um enriquecimento para todos”, afirma Gustavo Andujar, vice-presidente da Signis, a associação católica mundial para a comunicação. A revista dos laicos da arquidiocese de Havana, “Espacio Laical”, passará a ser hospedada dentro do antigo seminário e encarregada de coordenar as discussões já presentes em suas páginas e em seu website.

Em uma sociedade desprovida de espaços de expressão pública, ávida por participar da vida da cidade, esse projeto aumentará a pressão proveniente das duas margens, os opositores e os oficiais. “Muitos alimentam a esperança de que a Igreja abrirá um espaço para suas próprias propostas, excluindo a dos outros”, afirma Roberto Veiga, diretor da “Espacio Laical.”

“O debate de ideias não é compatível com o desprezo ou a agressão”, ele diz. “O pluralismo pressupõe empregar argumentos com fundamentos, enunciados em uma linguagem respeitosa, propícia ao diálogo. Ora, há pessoas que querem provocar incidentes, desestabilizar. Outras se autoexcluem por ódio ou ressentimento.”

Essa posição não satisfaz Oswaldo Paya, o dissidente democrata-cristão, ganhador do Prêmio Sakharov do Parlamento Europeu em 2002, que se queixa de ter sido afastado pela hierarquia católica. “A Igreja teve uma atitude solidária com aqueles que sofrem”, ele reconhece. “Nós nunca colocamos nossa ação sob o guarda-chuva protetor da Igreja. Mas não cabe a seus dirigentes triar os dissidentes e excluir os laicos que querem expor a voz dos cubanos”.

“A Igreja faz o que é possível, e não o que é ideal”, suspira Veiga. Ele menciona o precedente da revista “Vitral”, publicada pelos laicos de Pinar del Rio. Acusada de ter passado dos limites, perseguida pelas autoridades, sua equipe editorial foi demitida em 2007. “Falar em eleições é começar pelo fim”, observa o diretor da “Espacio Laical”. “Não haverá mudanças sem o governo, que ainda dispõe de apoio.”

Conciliador, Andujar admite o “direito à catarse”. “Mas quando olhamos demais para trás, viramos uma estátua de sal, é preciso ir em frente”, ele diz. “O trabalho de memória não deve se tornar um debate estéril, comprometendo o futuro.” Sendo assim, o centro será aberto a todos. A blogueira Yoani Sanchez, detestada pelo governo, “não precisará se disfarçar com uma peruca loira como ela fez para entrar em uma mesa-redonda em 2009”, ironiza Andujar.

O blog de oposição de Yoani Sanchez se chama “Geração Y”, em homenagem aos cubanos de 30 a 40 anos cujo primeiro nome começa com Y. Como o padre Yosvany Carvajal.

[b]Fonte: Le Monde[/b]

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