Em máxima potência, os seis ventiladores não conseguiam impedir que o suor espalhasse manchas pelas roupas das cerca de 30 pessoas reunidas em um pequeno galpão em Guaianases, periferia da zona leste da capital paulista. O movimento de pernas e braços era intenso, assim como o calor. A música alta era entoada por todos. Poderia ser um ensaio de dança, um show ou mesmo uma aula de ginástica. Mas era um culto evangélico da Igreja Glorious Destiny of Kings In Christ (em tradução livre Destino Glorioso dos Reis em Cristo), praticamente exclusiva para os fiéis imigrantes e refugiados da Nigéria.

[img align=left width=300]http://og.infg.com.br/in/18520473-1de-b96/FT1086A/420/nigerianos2.jpg[/img]— Deus me fez um rei. E 2016 é o meu ano, o ano da restauração — bradou, em inglês, o pastor Richmond Chukwemeka, não antes de passar pelo menos 40 minutos dançando junto aos fiéis, em frenesi, ao som de uma bateria, um baixo, um teclado e até uma meia-lua. O culto é o casamento entre a expansiva dança africana e a crença cristã fervorosa. Todo o ritual é executado em inglês, um dos idiomas oficiais da Nigéria, exceção feita a algumas palavras em Igbo, outra das línguas faladas no país. Em língua portuguesa, nada.

A igreja existe há dois anos e já conta com cerca de 80 fiéis. O galpão simples — decorado apenas com cortinas de cor vermelha e branca, um púlpito, cadeiras de plástico, e orquídeas artificiais — é parte de um fenômeno de imigração recente de africanos ao Brasil. O fluxo se acentuou desde a Copa do Mundo, em 2014. Há aqueles que chegam como refugiados — no caso da Nigéria, o terror disseminado pelos extremistas islâmicos do Boko Haram contra cristãos justifica a fuga de cerca de mil pessoas por ano em direção ao Brasil — ou como imigrantes em busca de uma vida melhor. No caso do Pastor Richmond, ele chegou ao Brasil há quase duas décadas meio por acaso:

— Foi a embaixada mais fácil de conseguir um visto que encontrei — justificou-se.

Embora não gostem de falar sobre as condições de seu país e as dificuldades que os trouxeram ao solo brasileiro, os fiéis que buscam a igreja de Richmond admitem que procuram ali uma conexão com suas origens.

— É igualzinha à Igreja em que eu ia em casa. Me sinto mais perto de Deus, da minha família, de quem eu sou — afirmou o nigeriano Emmanuel Chrinedu, de 25 anos, ao final do culto, em bom português. Ele afirma ter frequentado denominações pentecostais e neopentecostais no Brasil, mas a língua e o estilo dos cultos não o cativaram.

Há dois anos e meio no país, Chrinedu já trabalhou como vendedor em loja de roupa no Brás e como ajudante de cozinha em um restaurante. Agora, vive a aflição do desemprego. A condição financeira dos fiéis é um assunto recorrente no culto. Ao mesmo tempo em que pedem por uma prosperidade tão necessária, mesmo aqueles que estão desempregados engordam a sacolinha do dízimo com notas de R$ 2, R$ 5 ou até R$10. Os mais abastados ostentam grossas correntes metálicas em torno dos pescoços, com medalhinhas ou imagens de Jesus adornando o peito.

— Eu vejo a necessidade deles. A família que eles têm é a igreja. Atrás das cortinas há comida que damos para os que precisam mais, na semana passada ajudei um deles a pagar o aluguel. Acontece todo o mês — relatou o pastor Richmond, cuja única ocupação é dirigir a igreja.

Antes de assumir o posto de pastor, por mais de uma década, ele trabalhou como professor de inglês para alunos brasileiros.

Entre os brados de “Aleluia”, “Por Jesus nós rezamos”, “Amém”, duas mulheres brancas e em trajes simplórios quando comparados à esmerada vestimenta dos fiéis nigerianos tentavam acompanhar a alegre coreografia e a cantoria. Uma delas vestia uma camiseta da igreja e contribuiu com o dízimo. Eram brasileiras que moravam no bairro. Longe de suscitar preconceito ou rejeição, de acordo com o pastor Richmond, mais e mais brasileiros têm aparecido para assistir às duas intensas horas de culto. Quando a celebração acabou, as duas jovens deixaram o local sorridentes, sem falar com a reportagem.

— Eu não sei porque os brasileiros vêm aqui. Eles não devem entender nada, mas dançam entusiasmados, devem sentir uma boa energia — especulava aos risos o Pastor Richmond, na torcida para engordar seu rebanho não apenas entre os compatriotas.

[b]Fonte: O GLobo[/b]

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