Para conseguir viabilizar quase meio milhão de assinaturas necessárias para a criação do novo partido do presidente Jair Bolsonaro, parcerias com igrejas evangélicas e cartórios estão entre as estratégias da Aliança pelo Brasil.
Mas questionamentos judiciais e mesmo falta de organização interna, como pastores que se dispuseram a mobilizar suas congregações mas ainda não foram procurados por ninguém, podem atrapalhar o que seus dirigentes definem como corrida contra o tempo.
O próprio Bolsonaro já admitiu que talvez não seja possível validar o quórum mínimo de filiados até 4 de abril, prazo legal para disputar as eleições. Não que jogar a toalha seja opção.
“Vocês viram um grande ônibus estacionado ali, escrito Aliança pelo Brasil? Tá meio escuro, mas tenho certeza que você viu”, diz o reverendo Emerson Patriota na paranaense Igreja Presbiteriana Central de Londrina.
“Este futuro partido, estamos profetizando aí, precisa de algo que se chama apoiamento”, continua o pastor, que logo “desafiará” fiéis a dar uma das 492 mil assinaturas que a Justiça Eleitoral exige para parir a sigla.
O Ministério Público pediu que o Tribunal de Contas da União investigue se há engajamento de tabeliães, que prestam um serviço público, na causa.
O subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado vê potencial irregularidade no amparo a um partido “que, como se sabe, vem sendo organizado pelo mandatário maior da nação, donde se exigiria maior comprometimento com a moralidade e impessoalidade”.
Furtado destaca o estatuto do CNB (Colégio Notarial do Brasil), entidade que representa tabeliães: lá consta ser proibido apoiar, “ativa ou passivamente, quaisquer manifestações de caráter político”.
O CNB rebate: a Corregedoria Nacional de Justiça já afirmou não haver elementos suficientes para apontar uma “atuação concertada de apoiar institucionalmente” a Aliança. Qualquer suspeita de favorecimento “deve ser apurada individualmente”.
Filipe Barros aponta “cristofobia” em quem critica a articulação, até porque “cristão que se preze não pode ser esquerdista”. O evento em Londrina “foi ótimo, centenas de fichas assinadas”, disse.
À Folha de S. Paulo o deputado afirmou que vem recomendando a colegas: corram vocês também atrás de igrejas. Ele próprio entrou em contato com pastores, vários deles receosos em trazer a campanha pró-Aliança aos templos. “Muitos precisam de orientação até jurídica, para tranquilizá-los.”
Barros diz ter conversado com três advogados para assegurar que, “juridicamente falando, não houve impedimento algum” no ato da Igreja Central, “o primeiro de muitos que faremos em outras denominações”.
O advogado Luiz Eduardo Peccinin, autor do livro “Discurso Religioso na Política Brasileira”, concorda. Ele não vê vedação a ações do gênero, “especialmente se não tiver qualquer coação à colheita de assinaturas”. O que a legislação barra é a “propaganda eleitoral em templos e o financiamento de candidatos por entidades religiosas”.
Há quem veja margem para a judicialização do tema. No mesmo ofício em que questiona se há cartórios engajados na gênese da Aliança, o procurador diz que a ajuda dada pelas igrejas pode ser caracterizada como doação eleitoral ilegal, pois “está fornecendo mão de obra (mensurável em termos econômicos) e estrutura física dos templos em prol de uma determinada agremiação política”.
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) diz que “não se manifesta sobre questão hipotética ou concreta que pode vir a ser examinada pela corte”.
O bispo e ex-deputado Robson Rodovalho, líder da Sara Nossa Terra, quer mais é mobilizar sua rede de mais de 1 milhão de fiéis. Só não foi procurado ainda. Muitas congregações, como a dele, colocaram-se de prontidão para alavancar a Aliança, mas ninguém as contatou até agora.
Na última terça (28), o advogado Alexandre Cavallazzi enviou uma interpelação extrajudicial à Igreja Presbiteriana do Brasil, que frequenta em Santa Catarina.
Ele diz à Folha de S. Paulo que assim o fez por achar que uma igreja “não é local adequado” para fins políticos. “Quando um pastor desafia, o pessoal deixa de raciocinar. Não acho correto usar a autoridade que tem sobre fiéis para assinar um documento de tamanha importância.”
Em nota, a igreja disse que não é apolítica, mas “é apartidária e em nenhum momento apresentou apoio a qualquer partido”.
Movimentar a rede de aliados é preciso, mas entraves burocráticos preocupam a Aliança. Sua tesoureira nacional, a advogada Karina Kufa, afirma que eles estão dentro da meta de assinaturas, mas reconhece não ter 100% de certeza de que elas estarão validadas a tempo das eleições de 2020 “devido à burocracia na Justiça Eleitoral”.
Na tentativa de inibir fraude, recente resolução do TSE impõe rigoroso rito para novos partidos. A ficha para cadastro tem que apresentar a assinatura do futuro filiado e de uma testemunha. Qualquer falha pode invalidar o registro.
Também é checado se o apoiador está associado a outro partido. Se sim, seu endosso será invalidado. O problema: muitos bolsonaristas estão cadastrados no PSL, pelo qual o presidente chegou ao Planalto. Eles devem ir pessoalmente à Justiça Eleitoral apresentar o formulário de desfiliação.
Na internet, Kufa chamou de idiota a exigência de desligamento. “Mais uma dificuldade posta para criar partidos.”
Já há conversas com partidos existentes que podem acolher políticos bolsonaristas caso a Aliança não se viabilize para o pleito, diz o líder da bancada do PSL na Assembleia Legislativa do Rio, Dr. Serginho. “Vou para o partido que Bolsonaro indicar.”
Como se cria um partido?
O processo de criação de uma legenda envolve várias etapas. São elas:
- Elaboração de um programa e estatuto com assinatura de pelo menos 101 fundadores, que sejam eleitores residentes no Brasil e estejam com direitos políticos plenos
- Registro em cartório em Brasília e publicação do estatuto no Diário Oficial da União
- Registro de criação no TSE, em até 100 dias
- Obtenção do apoio equivalente a 0,5% dos votos válidos da última eleição geral para a Câmara, distribuídos em no mínimo um terço dos estados, com um mínimo de 0,1% do eleitorado em cada um deles; o prazo é de dois anos
- Obtenção do Registro de Partido Político em pelo menos um terço dos TREs do país e registro da Executiva Nacional no TSE
Quanto tempo leva todo o processo de criação?
Em média, cerca de três anos e meio. O recorde foi do PSD, do
ex-ministro Gilberto Kassab, que levou um pouco mais de seis meses.
Para participar de uma eleição, a legenda precisa ser criada até seis meses antes do pleito.
Qual a parte mais demorada?
Geralmente é o processo de recolhimento e certificação das assinaturas,
que são conferidas pela Justiça Eleitoral (para verificar, por exemplo,
se não há duplicações). É comum que os partidos recolham mais
assinaturas do que o necessário para compensar as que são
desqualificadas.
Quantas assinaturas são necessárias?
Levando em conta as eleições de 2018, 0,5% dos votos válidos para a
Câmara equivalem a 491.967 assinaturas, que precisam ser distribuídas
por ao menos nove estados. Além disso, é necessário que, em cada estado,
haja um mínimo de firmas equivalentes a 0,1% dos eleitores que votaram.
Normalmente as legendas costumam apresentar um número próximo de 1 milhão de assinaturas.
É possível recolher assinaturas digitais, como quer Bolsonaro?
O TSE afirmou que sim, desde que as assinaturas sejam validadas por meio de certificação digital. Isso, na prática, não torna o processo muito mais simples do que o recolhimento manual.
A certificação foi criada em 2001 e se baseia no uso de chaves com criptografia para garantir a segurança do registro. Segundo dados da Associação Nacional de Certificação Digital (ANCD), há atualmente no Brasil 3,78 milhões de pessoas físicas que possuem certificado digital (2,58% do eleitorado).
Para obter a certificação, paga-se, em média, de R$ 50 a R$ 70 por ano. Os certificados valem por períodos de 1 a 5 anos, dependendo da modalidade. De acordo com a ANCD, há 17 autoridades certificadoras, entre entidades e empresas públicas e privadas.
Um novo partido tem acesso a recursos públicos?
Sim, mas apenas a uma parcela pequena do fundo eleitoral (que financia
as eleições). Do total (foram R$ 1,8 bilhões em 2018), 2% são
distribuídos igualmente entre as legendas. O restante é repartido de
acordo com o desempenho nas eleições Legislativas. Sem participar do
último pleito, uma nova legenda não entra na conta de 98% dos recursos.
Em relação ao fundo partidário (que financia o funcionamento dos partidos), a lei condiciona o acesso ao desempenho nas eleições para a Câmara dos Deputados. Assim, siglas que não disputaram não têm direito a esses recursos (exceção no caso de fusão ou incorporação de partidos).
E quanto ao tempo de TV durante as eleições?
O tempo de TV também é limitado aos partidos que tiveram um desempenho
mínimo nas últimas eleições. No caso de cargos majoritários (senadores,
prefeitos, governadores e presidente), porém, as legendas podem formar
coligações, e o que conta é a bancada que os seis maiores partidos do
grupo elegeram para a Câmara.
Políticos podem se filiar a um novo partido sem perder o mandato?
Sim, a filiação a uma legenda recém-criada está na lista de situações que permitem a vereadores e deputados deixar a sigla pela qual foram eleitos sem perder o cargo.
Prefeitos, senadores, governadores e presidente, por sua vez, podem mudar de legenda em qualquer situação sem sofrer perda do mandato.
Fonte: Folha de S. Paulo