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Usado pelos jihadistas como justificativa para espalhar a barbárie e o terror, o livro sagrado do islã, o Alcorão, é interpretado à maneira do Estado Islâmico (facção terrorista que controla partes da Síria e do Iraque) para espalhar a sua mensagem. De acordo com especialistas ouvidos pelo UOL, a incitação à violência está na interpretação, já que os livros sagrados de diversas religiões –a Bíblia, o Alcorão, o Torá– foram escritos há milhares de anos e em contextos históricos completamente distintos.
“Não é porque alguns usam o Alcorão, a Bíblia ou o Torá para justificar práticas violentas, que eles tenham sido escritos com esse propósito”, afirma Pedro Lima Vasconcelos, professor de pós-graduação de história da UFAL (Universidade Federal de Alagoas). Segundo o historiador, o problema não está nas obras sagradas, mas na leitura que se faz delas. “O texto escrito é suscetível a várias interpretações.”
“Dizer que muçulmanos são radicais e propensos à violência é uma construção ideológica do ocidente”, afirma Vasconcelos. “Não quer dizer, porém, que os ataques em Paris não sejam reais ou que as mortes não sejam reais. O que não se pode é condenar toda uma comunidade por atos cometidos por minorias.”
“A maioria dos grupos terroristas da atualidade é formada por muçulmanos, mas isso não significa que a maioria dos muçulmanos seja terrorista”, afirmou Peter Demant, professor de história e relações internacionais da USP (Universidade de São Paulo) e autor do livro “O Mundo Muçulmano” (Editora Contexto).
“Uma pequena parcela da comunidade de 1,5 bilhão de muçulmanos é extremista. Dentro dessa minoria há uma parcela ainda menor de fiéis que usa a religião para justificar atos terroristas. A grande questão é que eles acabam dominando as manchetes com suas ações”, acrescenta o especialista.
Segundo o historiador da Penn State University (EUA) Philip Jenkins, autor de diversos livros sobre o assunto e de um comparativo entre a Bíblia e o Alcorão, o que acontece em todas as religiões é que elas “crescem, amadurecem e passam por um processo de esquecimento da violência original”, que passa a se limitar ao campo das representações. Ou seja, “aniquilar o inimigo”, como exemplifica Jenkins, ganha o significado de combate aos “próprios pecados”, o inimigo interior.
Processo que, na opinião de Marta Francisca Topel, pesquisadora do Centro de Estudos Judaicos da USP (Universidade de São Paulo), está diretamente ligado à abordagem científica dos livros sagrados que se torna “um instrumento crucial na sua contextualização histórica e cultural e na sua desmitificação”.
“Há poucos trabalhos acadêmicos que abordam o islã seguindo a metodologia da crítica bíblica e os estudos existentes foram realizados em universidades ocidentais. Depois do caso Rushdie [Salman Rushdie, escritor de um livro contra o Islã que foi condenado à morte], a crítica literária do islamismo perdeu fôlego já que exige mais cautela que o estudo crítico da bíblia hebraica ou do Novo Testamento.”
[b]Guerra de Canudos
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Vasconcelos, da UFAL, cita a Guerra de Canudos (1896 – 1897). De acordo com ele, os diversos agentes envolvidos no confronto entre o Exército Brasileiro e os integrantes de um movimento popular de fundo sócio-religioso liderado por Antônio Conselheiro no interior do Estado da Bahia faziam referência à Bíblia para justificar suas ações.
Trechos bíblicos também são usados por grupos fundamentalistas israelenses como justificativa de seus atos violentos, afirma Marta, do Centro de Estudos Judaicos da USP.
“Nas últimas décadas, grupos fundamentalistas israelenses, a exemplo de Gush Emunim [o Bloco dos Fiéis], têm perpetrado ataques contra palestinos justificando-os em interpretações de trechos bíblicos realizadas pelos rabinos mentores do movimento”, diz Marta. “Existem numerosas passagens na bíblia hebraica que, de fato, podem ser interpretadas literalmente de modo a incitar a violência. Para melhor compreender isto é necessário lembrar que o livro foi escrito em diferentes épocas.”
Nem mesmo o budismo está isento dessas distorções. Segundo Frank Usarski, professor de ciência da religião da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e pesquisador do Centro de Estudo de Religiões Alternativas de Origem Oriental, no Sri Lanka, há alguns fiéis que se baseiam em uma crônica popular budista para combater “inimigos da cultura cingalesa” –grupo étnico predominante no país. “Esse texto conta a história de um rei que destrói os inimigos do budismo. Uma referência que acaba alimentando a violência contra os ‘invasores'”, descreve.
[b]Fonte: UOL[/b]