Os curadores do Museu da Catedral Católica de Viena sabiam que seria arriscado exibir uma versão homoerótica de “A Última Ceia”, com Jesus Cristo, mas não estavam preparados para a enxurrada de mensagens iradas que receberam.
O motivo da polêmica, descrita pela mídia austríaca como a versão vienense da ira causada pelos cartuns do profeta Mohammad, é uma retrospectiva das obras do respeitado artista austríaco Alfred Hrdlicka, que completou 80 anos este ano.
Mas nem todos estão dando os parabéns a Hrdlicka. E tanto o diretor do museu da Catedral quanto o arcebispo de Viena, cardeal Christoph Schoenborn, vêm sendo fortemente criticados por católicos e alguns visitantes do museu.
A Igreja se apressou a retirar a obra central da exposição, descrita por Hrdlicka como “uma orgia homossexual” dos apóstolos de Cristo.
Mas os protestos continuam, para surpresa do Museu da Catedral, localizado em uma ruazinha estreita no histórico bairro gótico de Viena.
O diretor do museu defende tanto Hrdlicka quando sua decisão de exibir num museu ligado à Igreja Católica as polêmicas versões de imagens bíblicas criadas por ele.
“Achamos que Hrdlicka tem o direito de representar pessoas sob essa ótica carnal, drástica”, disse o diretor, Bernhard Boehler.
“Não vejo blasfêmia aqui”, disse ele, indicando um quadro da Crucificação que mostra um soldado ao mesmo tempo espancando Jesus e segurando seus genitais. “As pessoas podem imaginar o que quiserem.”
O trabalho mais contestado da mostra foi “A Última Ceia de Leonardo restaurada por Pier Paolo Pasolini”, que mostra os apóstolos deitados na mesa da ceia, masturbando uns aos outros.
Hrdlicka disse que representou os homens dessa maneira porque não há mulheres na tela de Da Vinci que o inspirou. Pasolini foi um polêmico cineasta e escritor italiano assassinado na década de 1970.
A exposição vem atraindo críticas ferrenhas em blogs religiosos da Áustria, Alemanha e até Estados Unidos, sendo tachada de “blasfêmia” e “profanação”.
Um artigo publicado no Web site católico conservador kreuz.net disse que “o diretor (do museu) deveria pedir desculpas aos católicos de todo o mundo” pela exposição.
O museu retirou a tela baseada na “Última Ceia” uma semana depois da abertura da exposição, chamada “Religião, Carne e Poder”, a pedido do cardeal Schoenborn, deixando uma parede negra vazia na entrada da mostra.
Comunista e ateu, o artista disse que a Bíblia é o livro mais emocionante que já leu e que imagens religiosos formam a base central de sua obra.
O diretor do museu, Boehler, comentou que os emails enfurecidos que recebeu o lembram da reação de alguns setores ao filme “A Paixão de Cristo” (2004), de Mel Gibson. Na opinião dele, as pessoas que criticaram a violência e a ênfase no físico nesse filme também não entenderam o mais importante.
“A Crucificação foi brutal, e seria mentira dizer que tudo em nosso mundo é bonitinho”, disse ele, destacando que Hrdlicka é ativista antiguerras que vivenciou em primeira mão os efeitos do nazismo e da violência.
Como Hrdlicka, Boehler disse que a discussão pode ser comparada à crise em torno dos cartuns dinamarqueses, em que uma imagem do profeta Mohammad com uma bomba em seu turbante enfureceu setores muçulmanos que a viram como blasfêmia.
Fonte: Reuters