A jornalista Elvira Lobato, do jornal Folha de S. Paulo, se disse surpresa e crê em uma “ação articulada” sobre os processos judiciais movidos contra ela e o veículo abertos por fiéis e bispos da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em várias cidades do País.

Os autores das ações alegam se sentirem ofendidos com informações de uma reportagem sobre a igreja escrita pela jornalista e publicada na “Folha” em 15 de dezembro.

“É uma ação surpreendente, já que em momento algum eu ofendi a imagem da Igreja ou agredi seus fiéis e muito menos a sua fé”, afirmou ela. “Nenhuma das pessoas que entraram com ações são citadas nas matérias”, acrescentou.

Procurada pelo Último Segundo, a assessoria de imprensa da Igreja Universal não quis comentar os processos e afirmou apenas que iria encaminhar a solicitação de resposta à diretoria. Até o fechamento da reportagem, os assessores ainda não haviam retornado com a resposta.

Ações articuladas

As 51 ações, impetradas em cidades bem distantes – entre 200 e 900 km de capitais – também surpreendem por suas semelhanças. Segundo Elvira, em todas elas, os autores pedem indenizações por danos morais baseadas na mesma frase da reportagem.

Além disso, quase a totalidade dos processos afirma que seus autores sofreram deboches devido à reportagem e usam como exemplo a mesma declaração. Quase todos os fiéis teriam ouvido, por exemplo: “Viu só! Você é um trouxa de dar dinheiro para essa igreja! Esse é o povo da sua igreja? Tudo safado! Como é que você continua nessa igreja? Você não lê jornal? Crente é tudo tonto mesmo!”.

Elvira diz que não pode afirmar que seja uma tentativa de intimidação por parte da IURD, mas estranha as semelhanças. “Quem diz que é intimidação são a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e a ANJ (Associação Nacional de Jornais), mas a coincidência leva a crer que é uma ação articulada. Como é que um fiel do sertão da Paraíba vai usar a mesma frase que um do interior da Amazônia?”, declarou. A repórter disse ainda que em algumas das localidades onde foram abertos processos a Folha de S. Paulo nem circula.

Segundo a jornalista, as ações se baseiam na afirmação da reportagem de que uma das empresas pertencentes a bispos ligados à IURD teria dinheiro em paraísos fiscais, o que leva à suspeita de que o dinheiro doado por fiéis possa estar sendo “esquentado no exterior”. “É uma matéria técnica, que teve dois meses de investigação. Em nenhum momento ofendi a Igreja”, explicou.

Ações em cidades sem juiz

De acordo com a advogada de Elvira e do jornal, Taís Gasparian, quase todos os processos foram propostos em juizados especiais de cidades pequenas, que não possuem juiz. “As ações são ajuizadas nos lugares mais distantes do País, onde o juiz é itinerante, o que complica a situação”.

Taís concorda com sua cliente quanto às estranhas coincidências. “É muito estranho que de norte a sul do País os deboches tenham sido feitos com a mesma frase. E é curioso que sequer tendo sido mencionados os nomes das pessoas elas tenham entrado com a ação contra a Folha e a jornalista, que estão fazendo um trabalho de informar”. Ela contou ainda que três das ações já foram concluídas, todas com ganho de causa para jornal e Elvira.

A advogada se disse surpresa com a atitude da IURD. “É estranho que a Igreja, que possui empresas de comunicação, se volte contra a própria imprensa”, declarou.

Apoio da ANJ

A Associação Nacional de Jornais divulgou nota à imprensa em que classifica as ações como “intimidação ao livre exercício do jornalismo”.

O texto afirma que “o que os autores dessas ações pretendem não é restabelecer sua honra ou a verdade, mas constranger uma empresa jornalística no seu dever de livremente informar a sociedade. (…) Está claro que todos esses pedidos de indenização, redigidos praticamente nos mesmos termos, partem de uma mesma origem e com um mesmo objetivo. É uma tentativa espúria de usar o Poder Judiciário contra a liberdade de imprensa, ameaçar o livre exercício do jornalismo e privar o cidadão do direito de ser informado”.

Fonte: Último Segundo

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