A justiça europeia respaldou a proibição do uso do véu islâmico durante o horário de expediente. Para o Tribunal de Justiça da UE, impedir a trabalhadora de usá-lo “não constitui uma discriminação direta por motivos de religião ou convicções”. Segundo a sentença, como existia um regulamento interno da empresa proibindo os trabalhadores de usar qualquer tipo de símbolo, não houve discriminação na demissão da recepcionista Samira Achbita, que perdeu o emprego na Bélgica depois de expressar a intenção de usar o véu durante a jornada de trabalho: [o regulamento] “dá tratamento igual todos os trabalhadores da empresa, impondo-lhes em particular, de forma geral e indiferenciada, uma neutralidade indumentária”, afirma a decisão anunciada nesta terça-feira.
[img align=left width=300]http://i1.r7.com/data/files/2C92/94A4/2B10/7ADF/012B/1586/CD1D/7678/fran%C3%A7aveu-g-efe-20100915.jpg[/img]É a primeira vez que a justiça da UE aborda um litígio sobre o uso do véu por mulheres muçulmanas em uma decisão que pode criar jurisprudência em favor do veto ao uso do véu islâmico em locais de trabalho na Europa, onde cerca de 6% da população é muçulmana. A justiça europeia, no entanto, deixa a última palavra aos juízes nacionais, que deverão avaliar a proporcionalidade de proibir a indumentária em cada caso. A sentença abre o caminho para que a proibição do véu seja legal em algumas ocasiões e ilegal em outras. Os juízes poderão levar em conta questões como a vigência de um regulamento interno, o tipo de atividade do funcionário – se trabalha no atendimento ao público – ou o tamanho do símbolo religioso.
O caso de Samira Achbita remonta a abril de 2006, quando ela manifestou pela primeira vez a intenção de usar véu no emprego em que trabalhava havia três anos. Em resposta, a direção da G4S Secure Solutions informou que o uso da indumentária não seria permitido por ferir a imagem de neutralidade política e religiosa que a empresa pretendia transmitir aos clientes. Apesar da advertência, Achbita insistiu e avisou o empregador de que usaria o véu quando voltasse da licença médica em maio. Segundo o relato registrado pelo TJUE, duas semanas depois, a companhia alterou o regulamento interno para incluir a proibição aos trabalhadores de usar signos visíveis de convicções políticas, filosóficas ou religiosas. A nova norma, no entanto, não fez Achbita mudar a indumentária, o que levou a sua demissão em meados de junho.
A trabalhadora entrou com uma ação indenizatória contra a empresa na justiça belga. Sua denúncia foi rejeitada nas duas primeiras instâncias. Mas o tribunal de cassação belga, que revisou o caso, decidiu encaminhá-lo à Corte de Luxemburgo. A empresa alegou que impedir Achbita de usar a peça durante o horário de trabalho não tinha nada a ver com sua condição de muçulmana, dado que as normas internas proibiam, de maneira geral, a exibição de qualquer símbolo político, filosófico ou religioso no local de trabalho.
A existência dessa norma interna foi decisiva para os juízes avaliarem que não houve discriminação por parte do empregador, mas o TJUE insiste que tribunal belga verifique se a insistência da empresa na imagem de neutralidade não responde exclusivamente a uma tentativa de evitar o uso do véu. “Caberá ao juiz nacional comprovar se a G4S havia estabelecido, antes da demissão de Achbita, um regime geral e indiferenciado na matéria”, diz a sentença. A máxima instância judicial da União Europeia só considera o regulamento de uma empresa discriminatório se ocasionar “desvantagem particular a pessoas que professam uma religião ou possuem determinadas convicções”. Mesmo nesse caso, a decisão ressalta que “essa discriminação indireta pode justificar-se objetivamente com uma finalidade legítima, como a adoção, pelo empresário, de um regime de neutralidade política, filosófica e religiosa nas relações com seus clientes”.
Há nove meses, a advogada-geral da UE, Julianne Kokott, respaldou a posição da empresa e afirmou, em seu parecer, que a proibição podia ser justificada porque o véu fere a neutralidade religiosa. O Tribunal de Luxemburgo costuma seguir o critério do magistrado europeu na maioria dos casos, como aconteceu nesta ocasião.
As organizações sociais receberam a decisão como um balde de água fria. “Dá maior liberdade de ação aos empregadores para discriminar por crenças religiosas em um momento em que a identidade e a aparência se tornaram um campo de batalha político”, lamentou a Anistia Internacional, que encoraja os Estados a proteger os direitos de seus cidadãos. “É uma decisão preocupante tomada unicamente com base na forma como escolhem se vestir em sua religião”, criticou a Rede Europeia contra o Racismo (ENAR).
Não foi a única sentença emitida sobre a questão nas últimas semanas. Há um mês um tribunal de Palma de Mallorca se pronunciou sobre o mesmo tema. O tribunal local autorizou o uso do véu islâmico no trabalho dando razão a uma funcionária que processou a empresa Acciona por proibi-la de usar o símbolo enquanto trabalhava no atendimento aos passageiros no aeroporto de Palma. A empresa foi condenada a ressarcir os 4.491,42 euros do salário que a funcionária deixou de perceber quando foi suspensa do emprego após negar-se a trabalhar sem o véu e pagar uma indenização de 7.892 euros pelos danos e prejuízos causados.
O crescimento da população muçulmana na Europa gerou um debate sobre a exibição de símbolos islâmicos que ultrapassa o âmbito judicial. Há um mês e meio, a Áustria proibiu a utilização do véu entre funcionários para garantir a neutralidade religiosa, e países como Bélgica, França, Holanda e Bulgária já tinham promulgado anos antes leis similares para limitar o uso em espaços públicos. A polêmica alcançou também os lugares de lazer. No verão passado, vários prefeitos franceses declararam ilegal o uso do burkini, o traje de banho islâmico, por considerá-lo contrário à laicidade, um dos princípios fundamentais da República francesa.
[b]Fonte: El País[/b]