A Índia está vivendo uma intensa polêmica como há muito tempo não via. Liberais contra conservadores: a linha de frente é bem nítida.

Os primeiros exultam, e os segundos se indignam no dia seguinte ao julgamento da Suprema Corte de Nova Déli, na quinta-feira (2), descriminalizando a homossexualidade – que até então era delito passível de uma pena de prisão que poderia chegar a perpétua – em virtude de uma disposição do Código Penal de 1860, época em que a Inglaterra vitoriana reinava sobre a Índia. Tal estigma, os juízes avaliaram, “viola os princípios de igualdade e de não-discriminação” contidos na Constituição de 1950.

“Esperei minha vida inteira para que esse sonho se tornasse realidade”, declarou ao Le Monde Siddharth Dube, escritor especialista em pobreza e um dos primeiros homossexuais indianos a “saírem do armário” no início dos anos 1990. O clima então era adverso, e Siddharth Dube preferiu se exilar nos Estados Unidos e na Suíça antes de voltar recentemente ao país. “Essa decisão da Suprema Corte é um momento de libertação”, ele se entusiasma.

A exemplo de Siddharth Dube, o conjunto da comunidade gay e lésbica e tudo aquilo que a Índia conta como mentes esclarecidas, nas mídias, nas universidades ou em Bollywood, comemoraram o acontecimento, considerado “histórico”.

Por enquanto ele só diz respeito à jurisdição da cidade de Nova Déli. Mas a onda de choque criada na capital vai inevitavelmente ter um impacto nacional. Outros tribunais regionais poderão seguir o exemplo e, assim esperam as associações homossexuais, o Parlamento poderá um dia ser solicitado para abolir o artigo controverso. Enquanto se espera, é todo um ambiente psicológico que muda para os homossexuais indianos, cujo número é estimado em cerca de 20 milhões. “Não vamos mais viver com medo”, prevê Siddharth Dube. Ainda que a pena prevista pelo Código Penal raramente fosse aplicada – somente cerca de 50 condenações desde 1860 – , ela expunha os homossexuais à vergonha, aos assédios policiais, às chantagens.

Mas a questão está longe de ser solucionada. Pois, em oposição, o campo conservador se mobiliza. Uma andorinha só não faz verão, todas as religiões concordam. Os porta-vozes da Igreja católica afirmam que a homossexualidade vai “contra a natureza”, os mulás [líderes muçulmanos] a comparam à “anarquia sexual”, os gurus hindus se indignam por ela ir “contra a cultura védica” e seus colegas sikhs a consideram um atentado aos “ensinamentos do Guru Granth Sahib” (livro sagrado do sikhismo). A controvérsia está só começando.

Fonte: Le Monde

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